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A MÁ COMPANHIA

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses jul/ago 2009

Como é de praxe, sempre dá pra tirar bom proveito das crônicas da Martha Medeiros. Em algumas xingamos a escritora, discordamos, esbravejamos contrários as suas perspectivas. Até nos tocarmos que cada um pensa de um jeito, cada cabeça uma sentença. E mesmo quando não apoiamos suas ideias, fazemos um gancho com os males que nos assolam e tiramos um ensinamento.
Dessa vez, concordo com ela. A sua crônica “Os ausentes”, de 28 de junho de 2009, do Caderno Donna da Zero Hora, abordou as pessoas que têm um dom funesto de serem desagradáveis e não fazem questão nenhuma de mudar isso, melhorar a própria companhia.
“Se não quiser participar, tudo bem, então fique na sua: no seu canto, na sua respeitável solidão”. Se achar que não é alguém aprazível para o convívio, então tente mudar. Mas se não for esse o seu objetivo, faço das palavras da Martha as minhas: não precisa carregar essa má companhia até os outros, fique na sua e não estrague a noite de alguém.
Há aquele amigo que brigou no trabalho e chega à mesa com a cara emburrada, responde monossilábico e sai mais cedo, destacando seus movimentos: joga os pratos com força na pia, chuta o papel que está no chão e bate a porta. Isso se já não fizera um comentário desprezível durante o almoço, ferindo alguém para depois retirar-se.
Essa preocupação exclusiva com o seu umbigo é muito triste. Sim, triste. Porque o indivíduo, ao agir assim, não percebe que a vida não é um sistema solar, que ele não é o sol e os outros o Planeta Terra. Importa só o seu problema. E que se dane se o outro está feliz, se ocorreu algum fato maravilhoso na vida do irmão, vizinho, colega e se ele está louco para contar-lhe. Aí, aquela alegria estampada no rosto murcha igual a balão furado e a carranca contagia tão intensamente quanto o bocejo. É o efeito cascata. E o dito sujeito pioneiro no baixo astral retira-se, deixando uma marca. A cara fechada.
O mundo não precisa ficar sabendo que estamos com um problema. Não que tenhamos que guardá-lo. Partilhá-los como catarse, faz bem. Mas se eu estou péssimo, cabisbaixo, não preciso deixar meu semelhante do mesmo modo. As pessoas desconfortavelmente pessimistas são assim.
Como é agradável encontrar uma pessoa que é sempre “pra cima”, motivadora, estimulante. Aquela pessoa que mesmo com problemas, ri da própria má sorte e reverte esse momento em uma oportunidade de aprendizado. Os tempos ruins chegam, tempestuam nossas vidas, derrubam algumas construções, mas passam. Sejamos proativos e ao assumir nossa falha, procuremos os erros que nos levaram à situação, para não mais repetir.
Conheço uma professora que é um estímulo, seja na chuva ou no sol. Estudei com ela, já vi seu trabalho, mas o grande trunfo não está em como a percebo e sim no que escuto. Seja no colégio onde dirige ou na faculdade que leciona, são só elogios. Dia desses presenciei uma eleição numa de suas turmas. Estava sendo realizada a escolha de uma nova disciplina a ser trabalhada no semestre seguinte. Um dos argumentos que fez com que elegessem a disciplina que essa professora lecionaria foi a maneira como ela apresentava a matéria. O gosto que demonstrava ao trabalhar seu conteúdo. O empenho que tem em fazer o seu trabalho. Realmente, quando fala, seus olhos brilham, vibrantes com o que diz. Bem diferente de quem é baixo astral. E muito mais estimulante.
Pessoas desagradáveis são sempre dispensáveis. Há muitos problemas para serem solucionados e muita energia a ser gasta com coisas úteis. Dispenso alguém que não se empenha ao menos um pouco em ser agradável. Concluo parafraseando a profª Martha. Seus escritos são uma aula. “Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada”.

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