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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A MÁ COMPANHIA

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses jul/ago 2009

Como é de praxe, sempre dá pra tirar bom proveito das crônicas da Martha Medeiros. Em algumas xingamos a escritora, discordamos, esbravejamos contrários as suas perspectivas. Até nos tocarmos que cada um pensa de um jeito, cada cabeça uma sentença. E mesmo quando não apoiamos suas ideias, fazemos um gancho com os males que nos assolam e tiramos um ensinamento.
Dessa vez, concordo com ela. A sua crônica “Os ausentes”, de 28 de junho de 2009, do Caderno Donna da Zero Hora, abordou as pessoas que têm um dom funesto de serem desagradáveis e não fazem questão nenhuma de mudar isso, melhorar a própria companhia.
“Se não quiser participar, tudo bem, então fique na sua: no seu canto, na sua respeitável solidão”. Se achar que não é alguém aprazível para o convívio, então tente mudar. Mas se não for esse o seu objetivo, faço das palavras da Martha as minhas: não precisa carregar essa má companhia até os outros, fique na sua e não estrague a noite de alguém.
Há aquele amigo que brigou no trabalho e chega à mesa com a cara emburrada, responde monossilábico e sai mais cedo, destacando seus movimentos: joga os pratos com força na pia, chuta o papel que está no chão e bate a porta. Isso se já não fizera um comentário desprezível durante o almoço, ferindo alguém para depois retirar-se.
Essa preocupação exclusiva com o seu umbigo é muito triste. Sim, triste. Porque o indivíduo, ao agir assim, não percebe que a vida não é um sistema solar, que ele não é o sol e os outros o Planeta Terra. Importa só o seu problema. E que se dane se o outro está feliz, se ocorreu algum fato maravilhoso na vida do irmão, vizinho, colega e se ele está louco para contar-lhe. Aí, aquela alegria estampada no rosto murcha igual a balão furado e a carranca contagia tão intensamente quanto o bocejo. É o efeito cascata. E o dito sujeito pioneiro no baixo astral retira-se, deixando uma marca. A cara fechada.
O mundo não precisa ficar sabendo que estamos com um problema. Não que tenhamos que guardá-lo. Partilhá-los como catarse, faz bem. Mas se eu estou péssimo, cabisbaixo, não preciso deixar meu semelhante do mesmo modo. As pessoas desconfortavelmente pessimistas são assim.
Como é agradável encontrar uma pessoa que é sempre “pra cima”, motivadora, estimulante. Aquela pessoa que mesmo com problemas, ri da própria má sorte e reverte esse momento em uma oportunidade de aprendizado. Os tempos ruins chegam, tempestuam nossas vidas, derrubam algumas construções, mas passam. Sejamos proativos e ao assumir nossa falha, procuremos os erros que nos levaram à situação, para não mais repetir.
Conheço uma professora que é um estímulo, seja na chuva ou no sol. Estudei com ela, já vi seu trabalho, mas o grande trunfo não está em como a percebo e sim no que escuto. Seja no colégio onde dirige ou na faculdade que leciona, são só elogios. Dia desses presenciei uma eleição numa de suas turmas. Estava sendo realizada a escolha de uma nova disciplina a ser trabalhada no semestre seguinte. Um dos argumentos que fez com que elegessem a disciplina que essa professora lecionaria foi a maneira como ela apresentava a matéria. O gosto que demonstrava ao trabalhar seu conteúdo. O empenho que tem em fazer o seu trabalho. Realmente, quando fala, seus olhos brilham, vibrantes com o que diz. Bem diferente de quem é baixo astral. E muito mais estimulante.
Pessoas desagradáveis são sempre dispensáveis. Há muitos problemas para serem solucionados e muita energia a ser gasta com coisas úteis. Dispenso alguém que não se empenha ao menos um pouco em ser agradável. Concluo parafraseando a profª Martha. Seus escritos são uma aula. “Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada”.

O MENINO

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses jul/ago 2006

O garotinho parou e olhou
Assustado, coitado, estava muito frio
Mas não, não! Precisava continuar caminhando
Imagina se parasse e viesse
Não havia erro, perderia tudo!
E amanhã, o que teria?
Nada.

Apertou com sua mãozinha o máximo que pôde
E ele estava vindo!
Manteve o passo apertado, o vento frio cortava
Olhou para trás e para a frente. De novo. Correu...
Como seria amanhã, se ele alcançasse?

Pensava naquilo com todas as forças do mundo
Era o mais importante, o resto não passava de resto.
Foi quando deu um trupicão e o corpo lançou-se à frente
Mãozinhas frágeis abriram-se
A moedinha, única e singela, desprendeu-se de seu dono
O que fez os olhos marejarem
E um rio de água salgada escorrer pela face pálida

Fora-se o dinheiro, a vida, o pão
Seu alimento tão sagrado e desejoso
Agora distante e nas mãos de outro garoto
De rua...

A LINDA FOTOGRAFIA

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mai/jun 2006

Mais um dia cai e o sol, radiante, aquela bola vermelho-alaranjada, fumegante, morre aos poucos no horizonte. Esconde-se, belo, atrás da casa da Paulinha, mas seus raios poderosos flamejam, vivos, encantando a minha visão por mais meia hora. Até que a penumbra reina completa, também dando o seu show particular. Nesse meio tempo, o movimento de pessoas aumenta na rua. A pé e motorizadas. São os sedentários que se apressam a chegar em casa, ilhados nos seus veículos; são os desportistas que põem seus corpos em forma, tomados em suor; mas também há aqueles que não se encaixam em nenhuma das duas categorias e por motivos outros passam enlouquecidos aqui pela frente, despreocupados com os demais, olhos fixos apenas para seus objetivos.
Um casal de passarinhos brinca no fio de luz e, ah, se tivesse uma máquina fotográfica à mão, haveria de tornar-se uma magnífica foto. Um empoleirado no fio elétrico, o outro a bater as asas e os raios solares iluminando aqueles dois minúsculos corpos, tornando as penas meio escuras, meio alaranjadas. Imediatamente abaixo, um garoto, sentado no banco da praça olha vagamente para o acontecimento animal, curioso, porém com o semblante pesado.
E o garoto observa atentamente os bichinhos. Eles não saem dali! Mantém um movimento estranho, batendo asas, voando pra lá e pra cá, indecisos. Isso não poderia ser assim... Que ficassem quietos, economizassem energias. Talvez inicie chover e necessitarão voar desesperadamente até seus lares apertados, sem televisão nem luz. Se um deles soltar qualquer coisa aí de cima, terão, com certeza, que voar para longe, pois choverão pedras, sem perdão! E a chance de chover é grande, o sol já foi, finalmente aquele calor infernal passou e algumas nuvens pesadas aproximam-se, ocultas pela escuridão.
Há muita gente nas ruas e calçadas, dentro das casas e nos pátios, brincando, conversando ou então olhando para o céu. Muitos dos que correm são pessoas atarefadas que levam trabalho para casa. Outras apenas gostam de andar rápido. Mas há aqueles que não têm o que fazer e ficam por aí, parados, jogando papo fora. E tem aquele cara, mora umas duas quadras daqui, todos os fins de tarde está lá na sacada, olhando o movimento. Qual será a atração, haverá alguma coisa bonita de se enxergar?

UM CERTO TRABALHADOR

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mar/abr 2006 

Ele era pintor. Datava vinte anos, cinco de árdua labuta. Um trabalho aqui, outro ali. As finanças cada vez mais curtas e um filho nas costas já havia um ano e meio. Uma luta diária que Marcel enfrenta, entre gostos e desgostos.
Seu conforto era sagrado, mas primeiro vinha o bem-estar do pequeno: Mateus. Ele lhe pedia colo, mas não podia: o Sr. Antônio tinha que ter toda a casa pintada até o sábado e ainda lhe faltava quase metade do imóvel e dois dias pra tudo isso.
O pequeno ficaria novamente com a irmã, Estela. Que aperto no coração, pois tinha uma vontade danada de deixá-lo com a mãe! Por mil anjos, se pudesse, ah, como o faria... Mas a doce Mariana não resistira ao parto e nem pôde presenciar o doce crescer do jovem primogênito.
Tão suave como uma brisa do ar, o hálito de Mariana calara-se definitivamente na madrugada de 12 de julho. Sua alegria contagiante cessara junto com aqueles olhos amendoados que perderam o brilho, depois a força, então a vida.
E esta continuava. Danava de querer parar, mas um serzinho reabastecia as forças para novos trabalhos. Uma luta diária que Marcel enfrenta, entre gostos e desgostos.

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