terça-feira, 12 de outubro de 2010

O LEITOR

Publicado no jornal Tribuna, em 30 abril 2010

Talvez um dos filmes mais transcendentais que já tenha visto, certamente o mais profundo dos últimos anos. Um filme que deveria se tornar obrigatório nas salas acadêmicas de licenciatura, em especial de Letras e Pedagogia. Aliás, todo aluno de Letras e Pedagogia deveria fazer um ensaio sobre o filme. Falo d'O Leitor, contracenado com os incríveis Ralph Fiennes e Kate Winslet.
O filme decorre no ano de 1958, na Alemanha Ocidental. Kate Winslet é Hanna, uma mulher comum que se envolve com um garoto, Michael. Ele adora literatura e lê para ela os romances que vê na escola. Os dois afastam-se por um tempo e reencontram-se apenas no julgamento de Hanna por crimes cometidos em Auschwitz, momento em que Michael descobre o novo ofício que ela exerceu após a separação dos dois. Hanna é condenada à prisão perpétua e Michael conduz a sua vida distante desse fato. Até então, não vemos nada de especial no filme. Temos uma história, com um enredo amoroso, a justificativa do título, dois atores excelentes e ponto final. Não fosse o fato de Hanna ser analfabeta e não admitir isso. Nem para Michael. E esse segredo a condena à pena máxima, fato que poderia ser amenizado caso confessasse.
Não se trata de tornar leviano o crime cometido pelos nazistas na 2ª Grande Guerra, e sim da vergonha que ela e tantos outros analfabetos têm em assumir a sua condição. Da prisão, Hanna passa a receber fitas K7 (lembram-se das fitas K7? As crianças e adolescentes de hoje talvez desconheçam) com narrações de histórias que Michael grava. A motivação para viver retorna aos seus olhos, ao coração. Isso faz com que se motive a aprender a escrever por conta própria. Autodidata.
A história cinematográfica e literária faz-me recordar que Machado de Assis era pobre, gago e negro, discriminado na sociedade e aprendeu sozinho a ler e a escrever, vindo a tornar-se um dos maiores escritores da literatura mundial. E no filme “O terminal”, Tom Hanks é Viktor Navorski, um estrangeiro vindo de um país fictício, a Krakozhia, que sofreu um golpe de estado e não teve a nova autonomia reconhecida pelo Governo Norte-Americano como nação, o que impossibilita ao protagonista ingressar nos Estados Unidos. Consequentemente, não pôde regressar à terra natal. Essa situação faz com que ele fique sem ter para onde ir no terminal do aeroporto, considerado área internacional. Para sustentar-se, o estrangeiro pega livros e revistas em inglês e no seu idioma e compara as escritas. Assim, aprende a ler e a escrever na língua local. Essa forma de superação, de aprendizagem de escrita é a mesma que Hanna adota em “O leitor”, com mais de 50 anos. Ela ouve as gravações das histórias e com os livros, compara as letras e, galgando aos poucos, aprende a expressar-se por escrito.
Mas não é dessa maneira que as pessoas que não tiveram antes oportunidade são alfabetizadas. Muitas retornam às salas de aula depois de muitos anos, já casadas, com filhos (que muitas vezes frequentam os bancos escolares), por vezes não para recolocarem-se no mercado de trabalho, mas para concretizarem um sonho pessoal, o de conseguir escrever e ler não só o próprio nome, mas as informações que estão impressas no mundo a sua volta. Outras pessoas não têm essa oportunidade. E continuam analfabetas ou analfabetas funcionais (quando sabem escrever apenas algumas palavras, mas não possuem habilidade de interpretar sentenças simples). Contudo, não raro também encontramos alunos do Ensino Médio lendo igual a uma criança do 2º ano das séries iniciais, pois sempre foram passados de ano e nada houve que lhes motivasse a ler ou escrever.
O leitor faz o professor refletir sobre o seu papel. Faz o educador questionar-se até que ponto está sendo efetivamente competente na aprendizagem de seus alunos. Faz questionar-se o porquê da perda de vontade de ler à medida que a criança cresce. Por que atualmente é tão pouco sedutor ler um livro, um conto, uma crônica, uma notícia? Seria o poder que a televisão e o Playstation têm? Ou porque simplesmente não se procuram mais formar leitores, mas apenas bonequinhos que saibam a gramática e passem no vestibular. Será que a leitura era antes um passatempo por simplesmente não haver nada mais interessante para fazer? Faz os pais voltarem-se para si e procurarem ver se não estão transferindo toda a responsabilidade da educação dos seus pequenos à escola. Questiona-os se deixaram de contar a história da Branca de Neve antes de dormir simplesmente porque a menininha tornou-se mulher ou porque pensaram não ser mais tão importante. Fá-los duvidar se está certa a conduta de não mais acompanhar o desempenho na escola, não olhar mais os cadernos porque cresceram e já necessitam exercitar a responsabilidade pelos seus atos. Ou se há um tanto de negligência na ausência dessa preocupação. Um filme onde o telespectador se diverte, chora com o desenlace da história e reflete sobre as suas atitudes.

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