sábado, 12 de novembro de 2011

A SÍNDROME CHAPOLIN COLORADO

"A CRISE NA USP COMEÇOU EM 27 DE OUTUBRO, QUANDO TRÊS ALUNOS FORAM PEGOS COM MACONHA NO CAMPUS. Colegas tentaram impedir que eles fossem detidos e entraram em confronto com a PM. Na mesma noite, um prédio da FFLCH [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas] foi invadido.

 Dias depois, uma assembleia decidiu pela desocupação por 559 votos a 458. Inconformada com a derrota, uma minoria deixou a FFLCH e invadiu a reitoria”.

 Lendo esse excerto do site da Folha Online de 09 de novembro, questiono-me onde está o dito respeito à democracia que os estudantes da USP tanto defendem. Se é premissa básica da democracia fazer valer a vontade da maioria, os poucos jovens que invadiram a reitoria ignoraram essa máxima. Se é ilegal fumar maconha na rua, em casa ou na universidade, aqueles três alunos estavam errados e ponto final. Alguma coisa parece confusa? É simples, preto no branco: um ato ilegal foi repreendido pela Polícia Militar; e umas poucas dúzias de inconformados não respeitou a vontade da maioria dos estudantes e invadiram a reitoria da universidade.

 Em maio um aluno havia sido assassinado no campus. Após isso a polícia reforçou o patrulhamento. E aquelas dúzias de baderneiros queriam exatamente o contrário: que a polícia não patrulhasse a área da universidade. Garanto-lhes que se após o assassinato os comandantes militares dissessem que não aumentariam o policiamento, os mesmos estudantes pressionariam por mais segurança. E com razão. Gostaria de saber se durante as invasões dos prédios os “revoltosos sem causa” preocuparam-se com a opinião da mãe do colega morto.
 É piada quererem a polícia fora da cidade universitária. Essa síndrome “Chapolin Colorado” assolou o imaginário dadaísta do grupinho lunático de universitários. Parece que se a polícia deixar de patrulhar a cidade universitária (que é pública!) e outra pessoa morrer, for assaltada, estuprada, basta implorar “quem poderá nos defender?”, um herói aparecerá e resolverá todos os problemas.

 Querendo que todos acreditem que voltamos às décadas de 60, 70 e 80, os jovens que ostentavam faixas com dizeres como “Não à repressão” mais se enganaram do que enganaram os outros. Não estamos em tempos de regimes totalitários - vivemos uma democracia consolidada, onde prevalece a vontade da maioria, o Estado divide-se em três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e as decisões judiciais devem ser cumpridas, porque é assim a regra do jogo.

  Não temos o Estado fardado batendo com cassetetes na população. Temos o Estado fardado cumprindo o seu papel legal -usar drogas ilícitas como a maconha é crime- e cumprindo uma decisão judicial: desocupação pela força, se necessário, de um órgão público. O diálogo é mais saudável e produtivo, mas não foi o caminho escolhido pelos “revoltosos sem causa”. É que quando faltam argumentos, tenta-se ganhar no grito.

  Foi muito oportuno o pensamento do colunista da revista Veja, Reinaldo Azevedo, em 12 de novembro: “Fico imaginando com que argumentos professores e estudantes de direito defenderiam que a Polícia Militar não pode pisar na USP ou que a Cidade Universitária, ao arrepio da lei, deva ser uma zona livre para o tráfico e consumo de drogas”.

  Acredito que muitos estudantes da USP que aderiram à invasão, lá estavam de gaiatos. Pouco sabiam o que estavam fazendo, mas como os amigos disseram que era uma luta pelos "direitos do povo" e mais uma dúzia de bê-á-bá inócuo, acabaram aderindo ao modismo. Os líderes do circo, esses sim sabia. Eram alunos baderneiros que queriam que a universidade permanecesse à margem da lei. E aí pergunto: quem chamarão quando um 38 estiver apontado para a cabeça? O Chapolin?

Os limites da bestialidade

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 06 Nov 2011  O RAFINHA BASTOS FALOU DIAS ATRÁS QUE "COMERIA" A WANESSA CAMARGO E O BEBÊ QUE ELA ESPERA. Queria dizer que ela é tão gostosa que não haveria limites para traçá-la. É um linguajar pesado para sintetizar a história? Deveria ter colocado os *** no lugar das palavras de baixo calão? Ora, o apresentador falou isso em alto e bom tom na televisão, com repercussão muito maior que este texto e, nem por isso, a censura ou o bom senso tolheram seus verbos sujos. E aposto que o público infanto-juvenil que assistia ao programa era maior que este que lê.
Com a mesma demonstração de educação -o que é diferente de cultura, ele respondeu à Folha.com por e-mail ao ser questionado por suas piadas acerca de Fábio Assunção e da Nextel, “chupa o meu grosso e vascularizado cacete”.

Sabe o que isso parece? O dito aparício. Falem bem ou mal, mas falem de mim. Se Rafinha quer estar em todas as bocadas da mídia, está conseguindo, por um caminho torto e errante. E não é de hoje. Em outra ocasião, ele e o Marcelo Mansfield fizeram uma suposta “análise gramatical” de uma entrevista do “casal Nardoni”. Além de só dizerem asneiras, fizeram piada da morte da pequena Isabela. E daria para citar parágrafos e parágrafos de outros comentários indevidos.

Há quem diga que os políticos fazem a farra e ninguém dá bola, mas um humorista (humorista?) diz meia dúzia de bobagens e querem prendê-lo! Também temos os defensores da livre expressão. Da liberdade de imprensa. Do direito de dizer o que quiser sem censura. Afinal, estamos numa democracia, onde todos os cidadãos têm o direito de se expressarem. Fora ditadura! Fora DOPS! Fora DOI-CODI! Viva a imprensa livre...

Existe uma enorme diferença entre liberdade de expressão, censura e respeito. Assim como os desvios de verbas públicas que ocorrem em Brasília interferem no nosso quotidiano, um apresentador como o Rafinha exerce muita influência sobre seus telespectadores. E quem são os telespectadores? Eu, você, seu pai, seu tio, seu primo e seus filhos. E por que existe a apelação? O apelo -geralmente sexual- surge quando acaba o conteúdo.

Se ainda há alguém que não vê maldade nas palavras do pseudo-humorista, responda à seguinte pergunta: se ele falasse para você que comeria a sua esposa grávida, você deitaria e rolaria no chão de tanto rir?

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Revisão da aula

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 30 Out 2011.

"PROFESSOR, GOSTEI BASTANTE DAS SUAS AULAS. ENSINOU QUE PRECISAMOS APRENDER".

Quando estava terminando o meu último estágio do curso de Letras no ano passado, adotei a mesma técnica que minha colega de faculdade havia praticado no ano anterior ao acabar as aulas com seus alunos: pedia a todos o feedback de suas aulas, o retorno da (in)satisfação, para que pudesse reforçar as ações tidas como positivas e corrigir o que não dera certo, ou como diz o pessoal de gestão administrativa, identificar as Oportunidades de Inovação e Melhoria. Foi muito bom ter feito, dissera ela naquela ocasião. Copiando a ideia, solicitei que escrevessem o que haviam achado das aulas. Sinceridade deveria ser o ponto central.


Confesso que fiquei com certa apreensão do que leria posteriormente, mas como não tinha muita expectativa, o receio também não era muito grande. Isso porque, como não fiz Curso Normal nem trabalhava na área, faltava-me ainda certo domínio de classe, talvez um tanto de segurança no trato com os alunos. Segundo uma aluna, precisava também uma dose a mais de severidade. E como é tênue a linha entre severidade e carrasquice, entre dureza e permissividade!


Ser justo nas cobranças dentro de sala de aula é uma tarefa árdua, porque o professor corre para lá e para cá na aula, chama a atenção de dois, explica mais um pouco o conteúdo, se aproxima de um grupinho e pede silêncio, retoma a aula, voa para o quadro para ilustrar o que fala e solicita novamente a colaboração de todos. Ser o centro da atenção, hoje em dia, é ainda mais difícil que anos atrás. Porque é difícil competir com o mp3 e o mp4, com o Playstation, a internet, o jogo de futebol e tantas outras maravilhas que dentro de quatro paredes não é possível desfrutar.


Li as observações depois que saí da sala, sozinho, quieto num canto. Foi muito bom surpreender-se com elogios, palavras de reconhecimento. Sempre é ótimo ler qualquer coisa boa sobre si. E chateia um tanto quando vem um puxão de orelha. Mas ele é necessário. Imagina se fossem só elogios... ou algo estaria errado ou você é o super-homem! “...acho que os meus colegas que também participaram se interessaram bastante como eu, as aulas bem puxadas e ao mesmo tempo divertidas e interessantes.” Metade disso já me faria ganhar o dia. E todas elas deixaram-me flutuando. Realmente, não esperava. Tomei-me tão feliz que errei o caminho de casa.


É importante ouvir a opinião de quem presta atenção nas aulas. Mas é ainda mais necessário saber o que pensam aqueles jovens que bagunçam e, por vezes, atrapalham as aulas. Aqueles os quais geralmente se chama a atenção. Porque é aí que estão as oportunidades de rever a metodologia, a postura em aula, o trato com os jovens. É por isso que eternizo as palavras de um garoto que preenchia esses prerrequisitos. “...não pegou no pé de ninguém como outros professores.” Claro que o mês de estágio é consideravelmente pouco para perder a paciência com alguém. Mesmo assim, a serenidade deve ser um ingrediente indispensável do docente. Seja para explicar ou para conquistar a atenção de seu aluno.


Outro ponto que não pude deixar de admirar foi o seguinte comentário “...com as folhas do conteúdo das aulas tivemos mais aproveitamento, porque não estávamos perdendo tempo copiando e assim, prestamos mais atenção nas explicações.” Numa época em que o mimeógrafo ainda tem lugar, mas já há as fotocópias, existem os projetores, televisão e aparelho de DVD; escrever num quadro-negro toda a teoria de um conteúdo é um atraso que remonta a antes da invenção dessas novas (e nem tão novas) tecnologias.


Já há problemas crassos no nosso sistema educacional. Se trouxermos mais problemas ou se não acompanharmos a evolução tecnológica, o professor obsoleto será a nossa realidade.


Desculpem-me os engenheiros e os químicos, que lidam com máquinas e materiais inanimados. Seus trabalhos são admiráveis, mas não há nada que gratifique mais uma pessoa do que ouvir palavras agradáveis de seus alunos, não há preço que pague, nem salário baixo que abale um professor que conquista seus educandos. Porque é impagável trabalhar com uma turma, vê-la crescer, evoluir e você ser um dos responsáveis por isso.

domingo, 23 de outubro de 2011

O CONTADOR DAS MORTES NO TRÂNSITO

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 23 Out 2011

ASSIM COMO NAS DEMAIS VEZES, O MOTORISTA DE AMBULÂNCIA E SOCORRISTA DE FLORES DA CUNHA (RS) FOI ACIONADO PARA ATENDER A UM ACIDENTE. Aparentemente, seria um socorro igual aos anteriores. Mas não era. Dentre os acidentados estava o seu filho. E o mais grave: a vítima fatal era esse jovem. Uma história horripilante e, infelizmente, real, ocorrida no dia 14 de outubro.

A morte é algo que não conseguimos evitar. Mas se estamos em idade avançada, enfermos com alguma doença terminal, a espera pelo fim derradeiro torna-se mais natural, mais aceitável. No entanto, mortes em assaltos, acidentes de trânsito ou por qualquer outra razão inesperada agrava a dor. Porque nessas horas não há tempo para despedir-se em vida, ficaram abraços sem serem dados e desculpas engasgadas na garganta.
O teste do bafômetro realizado pela Polícia Militar acusou que o Sr. Roger Luis Puglia, motorista do Palio que se chocou com a moto onde estava o jovem falecido, havia ingerido álcool. Se ele soubesse que a sua bebedinha antes de dirigir resultasse nisso, certamente não pegaria no volante. Mas a crença de que beber um pouco não interfere na direção é uma cultura vigente e com raízes muito profundas na nossa sociedade.

Os plantões de bebidas servem como um excelente local para conversar, bater um papo com amigos, conhecer outras pessoas e curtir a noite, principalmente quando o dinheiro está curto. Francamente, poucas pessoas vão a esses lugares e tomam água mineral ou refrigerante. Da mesma forma, muita gente vai a bares e restaurantes e toma umas doses de álcool. Dois ou três golinhos de cerveja, só para degustar, para acompanhar no brinde ou mesmo para socializar. E ninguém chama um táxi para voltar para casa nessas horas. Uma irresponsabilidade nossa? Certamente. E isso é costume, é cultura.

A consequência disso é um número mórbido de falecimentos em razão do trânsito. Não por coincidência, esses indicadores aumentam significativamente nos finais de semana. É o povo saindo, bebendo, dirigindo, colidindo, ferindo e matando.

No site do jornal porto-alegrense Zero Hora há uma página muito interessante e, ao mesmo tempo, morfética. Tem o macabro título de “Mapa das mortes no trânsito”, com os índices de 2010 e de 2011 atualizado em tempo real, referentes ao Rio Grande do Sul. Ao lado, dois contadores prá lá de sinistros com as inscrições: “vítimas: 1666 - Atualizado em 31/12/2010”, e “vítimas: 1094 - Atualizado em 22/10/2011”.
Semelhante ao site do Impostômetro (http://www.impostometro.org.br/) criado para todo cidadão poder contabilizar o quanto de imposto foi arrecadado no ano, o Mapa das mortes no trânsito no Rio Grande do Sul contabiliza o ruim, aquilo que gostaríamos que estivesse o mais próximo possível do zero. Entretanto, a tendência é de crescimento.

O que o motorista de Flores da Cunha pode fazer agora, depois do acidente? Cabe a ele responder pelos seus atos. E o que nós podemos fazer para estagnar os números de mortes no estado? Cada um fazendo a sua parte já ajuda, sem dirigir após a bebedeira. Exigindo que quem faz isso seja responsabilizado. Cobrando a punição de quem quer que tenha realizado a péssima mistura álcool x direção, para que casos como o da juíza aposentada Rosmari Girardi, que no ano passado provocou acidente com sete veículos em Porto Alegre, não se repitam. Ela possuía sinais de embriaguez, negou-se a realizar o teste do bafômetro, as coletas de urina e sangue e foi liberada. E isso não podemos admitir.

A vida não pode ser recuperada, nem a dor da família apascentada. Mas podemos pegar este fato como exemplo para não repetirmos o erro, para não sermos mais um número estatístico.

domingo, 2 de outubro de 2011

Umbigos sujos

DEPOIS DE CORRENTES DE E-MAILS E COMUNICADES NO ORKUT ESCANCARAREM PÉROLAS DA REDAÇÃO DO ENEM que ferem brutalmente as normativas gramaticais vigentes (e que até hoje não sei se, realmente, aquelas frases são verdadeiramente das provas ou foi alguém que as inventou e o boato se disseminou), chegou a vez do Facebook. No espaço “no que você está pensando agora” o usuário compartilha seus pensamentos, faz propaganda de seus produtos, xinga o Governo, conta piadas e cita uma interminável relação de palavras e frases que os “ignorantes” teimam em repetir, erradamente.

Para ilustrar, transcrevi um comentário pesado contra esse “assassinato gramatical”:
“Campanha em favor do nosso português: 'desde' se escreve junto; 'menas' não existe; 'seje/esteje' – está errado; 'com certeza' – se escreve separado; 'de repente' se escreve separado; 'mais' – antônimo de menos; 'mas' – sinônimo de porém; 'a gente' – separado; 'agente' – só secreto, e 'mim' – não conjuga verbo. Se não for incomodar (sim, é com 'i') cole no seu mural e melhore o seu convívio linguístico com as pessoas!”
O mais grave é que, não raras vezes, o umbigo desses mesmos acusadores está sujo. Seria de bom grado que olhassem para ele e, primeiramente, limpassem-no, para então pensar em ter a audácia de criticar outrem.

Porque os mesmos que falam que é uma aberração escrever em fim ao invés de enfim, ou menas no lugar de menos; são os que escrevem o quê quando, na verdade, deveriam ter escrito o que. São aqueles que mandam um scrap convidando para sair à partir das 23 hs (deveria ter escrito a partir das 23 h). São pessoas que repudiam apartir, porque deveria ser a partir, mas escrevem com o nariz empinado que “entregarão á quantia de 10 reais”, esquecendo que jamais se contabilizou o acento agudo no “a” sem “h”.

No final da história, entre acertos e erros gramaticais, sejam os ignorantes bárbaros ou os cultos gregos, todos atingem os seus objetivos: comunicar-se. Porque os meandros gramaticais são tão complexos e irrealistas, que mesmo doutores em gramática vez ou outra escorregam nesse solo lisíssimo que é a gramática brasileira.

Dias atrás presenciei uma dúvida aparentemente boba de uma doutora em linguística: friinha ou friínha? Rapidamente expliquei-lhe que “hiato seguido de nh” não é acentuado. Falta de erudição? De modo algum. São percalços pelos quais sempre estamos sujeitos a passar. Da mesma forma, não é difícil encontrar colunistas de jornais e revistas que elaborem frases cuja estrutura um gramático reprovaria.

Fato é que grandes escritores não necessariamente sabem analisar com maestria a gramática de suas obras. Mas isso não quer dizer que a escola, enquanto espaço formal, não deva almejar a elevação do grau intelectual de seus alunos, para que não escrevam orações sem sentido ou palavras com a ortografia errada. Nem que os indivíduos não devem buscar o desenvolvimento cognitivo pessoal. Porém, há que se respeitar as limitações individuais e as diferenças deve imperar. Até porque, vez ou outra, o nosso umbigo fica sujo e nem nos damos conta.

domingo, 25 de setembro de 2011

UFANISMOS E BAIRRISMOS

Publicado no Jornal da Cidade Online em 25 Set 2011

BAIRRISMO. É UMA PALAVRA QUE TODO GAÚCHO SABE QUE LHE PERTENCE, MAS FAZ DE CONTA QUE DESCONHECE. Ilustra isso o fato de os moradores da Província de São Pedro creem que o mundo é um amontoado de terras em torno do Rio Grande. Comprovam a tese sites, piadas, músicas e muitas outras mentiras que contam os feitos heroicos dos antepassados dos pampas. Em contrapartida, um gaúcho mais desavisado poderia dizer “ah, mas somos os únicos que cantam o hino sul-rio-grandense, que amam de verdade essa terra. Somos os únicos que conservam as tradições, cevando mate, gineteando, usando bombacha, falando abagualado em gírias que precisa nascer aqui para conhecer, troteando a cavalo e levantando cedo para cuidar do gado”.


Tudo ufanismo. Porque gaúchos tradicionalistas, de bota e bombacha, de acordo com o que manda o figurino, são poucos. O resto, no máximo, é o que se denomina “gauchão de apartamento”, que se descobre taura somente perto do 20 de setembro. Ufanismo porque quem ama a própria terra e ama os seus iguais, não rouba, não engana, não tira vantagem. E de gente assim o extremo-sul brasileiro está lotado. E quanto ao chimarrão, o apreço por ele não se resume ao nosso estado, porque basta atravessar o Uruguai que nossos vizinhos hermanos também gostam do amargo.


Da mesma forma, foi ufanista a comemoração do dia 11 de setembro. Muito antes que um lamento, as reportagens veiculadas na mídia pareciam lembrar um festejo. Ufanismo, sim, porque os Estados Unidos pareceram ser vítimas indefesas numa semana que se falou sobre os dez anos da tragédia do World Trade Center e se deixou de refletir sobre a independência do Brasil no dia 7 e a Revolução Farroupilha no dia 20.


É bairrismo haver uma única pauta: as Torres Gêmeas. Um colunista disse que estava lá no dia e que, devido ao imediatismo dos meios de comunicação, a única diferença existente entre assistir pela televisão e presenciar era o olfato. Um cheiro de pó insuportável. Outra colunista relatou que já tinha um texto pronto, mas que ao assistir à tragédia, fez um novinho para o periódico, falando na nossa vulnerabilidade. Sim, a dita vulnerabilidade.


Sim, foi muito triste a queda dos prédios, as pessoas mortas, o tempão que demoraram a encontrar muitos corpos e o desespero dos familiares sem saber se o filho, a filha ou o pai comporia o nome na lista de falecidos. Mas falar sobre esses fatos apresentando os Estados Unidos como a vítima que nunca fez nada a ninguém é uma demonstração de total falta de senso crítico. Falta de senso crítico e muito bairrismo.


Pensar que o Rio Grande do Sul é o melhor estado do Brasil também é ser bairrista demais. Ele é apenas diferente. Acreditar que o Brasil é uma terra de gente boa e feliz é ter amnésia do que se assiste, ouve e lê nos noticiários diariamente. Há muita imoralidade, falta de caráter e nem precisamos virar a esquina para presenciar. Achar que os terroristas não usam gravatas e são apenas aqueles que põem bomba no corpo é afrontar a capacidade humana de pensar.


Quando valorizamos o que é nosso não quer dizer que desprezamos o resto. Se o fazemos é porque gostamos. E isso é sadio. Mas o amor em excesso chama-se obsessão e de amor louco, muita gente já morreu. Morreu cego. Cego de amor e vazio de razão. Por isso que o bairrismo, quando deixa de ser uma piada e passa a ser uma ideia cega é tão perigoso quanto amar desesperadamente: esquecemos as outras versões da história e acreditamos que esse nosso mundinho é o único correto. E, possivelmente, não é.

domingo, 18 de setembro de 2011

Édipo às avessas

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 18 Set 2011
“ÉDIPO APARECE, COM A FACE ENSANGUENTADA, TATEANDO EM BUSCA DE SEU CAMINHO". Nesta passagem de Édipo Rei, do teatrólogo grego Sófocles, o protagonista descobrira que matara seu pai e dormira com sua mãe. A culpa foi tão grande que decidiu punir-se, arrancando os olhos e abandonando a cidade onde morava.
No filme “A insustentável leveza do ser”, situado na década de 60, o protagonista Tomas, um médico da cidade de Praga, atual capital da República Tcheca, refere-se ao personagem épico para criticar os políticos que não assumiam a própria culpa e puniam os opositores. Durante a história, o médico é pressionado a mudar sua opinião pelo bem do próprio pescoço.
Os anos de chumbo se foram, mas os políticos pouco mudaram. Depois que os adoráveis deputados estaduais gaúchos aprovaram o vergonhoso aumento dos seus salários em 73% no final de 2010, Tonho Crocco criou o rap “Gangue da matriz”, onde criticou o aumento e citou, nominalmente, alguns parlamentares que votaram a favor. O deputado Giovani Cherini (PDT), à época presidente da Assembleia Legislativa, representou ação junto ao Ministério Público contra Crocco, pois a sua canção ofendia a honra dos deputados. E esse posicionamento afronta a minha tolerância...
Não é de hoje que a vergonha abandonou o caráter das pessoas. Antes de aumentarem o salário no final do ano passado, outras amostras de sem-vergonhice já haviam sido demonstradas pelos políticos em todos os níveis: federal, estadual e municipal.
Invertendo a lógica, a máquina pública não pensa em elevar os salários das classes mais baixas e estancar os vencimentos de quem já recebe muito além do que merece. Tanto é que professores e policiais debatem, historicamente, com governos, melhores condições de trabalho. Definitivamente, o Estado não joga no mesmo time do povo. Porque quando a crise se aproxima, ele sobe o preço dos produtos, aumenta os impostos e engorda a já obeso-mórbida arrecadação estatal.
Reforça essa linha de pensamento, a decisão dos vereadores de Porto Alegre em abocanhar mais um pouco da dignidade do povo - tentaram aumentar os seus salários de 10,3 mil para 14,8 mil reais. Um valor absurdo! Você viveria muito bem com os 4,5 mil reais a mais que queriam receber...
O aumento foi aprovado, mas o Tribunal de Contas do Estado (TCE) suspendeu a infeliz iniciativa dos vereadores. Felizmente!
Gangue da matriz só tentou ser vetado porque cita o nome dos deputados e, sendo música, quem ouve acaba gravando. Lá vão os nomes dos nossos “nobres” parlamentares que votaram a favor:
Do PMDB: Alberto Oliveira, Alceu Moreira, Alexandre Postal, Edson Brum, Gilberto Capoani, Luiz Fernando Záchia, Márcio Biolchi, Marco Alba e Nelson Härter. Do PP: Adolfo Brito, Francisco Appio, Frederico Antunes, João Fischer, Pedro Westphalen e Silvana Covatti. Do PDT: Adroaldo Loureiro, Ciro Simoni, Gerson Burmann, Gilmar Sossella e Kalil Sehbe. Do PSDB: Adilson Troca, Paulo Brum, Pedro Pereira e Zilá Breitenbach. Do PTB: Abílio dos Santos, Aloísio Classmann e João Scopel. Do PPS: Derfran Rosado, Luciano Azevedo e Paulo Odone. Do DEM: Francisco Pinho e Paulo Borges. Do PSB: Heitor Schuch e Miki Breier. Do PRB: Carlos Gomes. Do PcdoB: Raul Carrion.
E sempre é bom destacar aqueles que votaram contra o aumento: do PTB: Cassiá Carpes. Do PT: Adão Villaverde, Daniel Bordignon, Dionilso Marcon, Elvino Bohn Gass, Fabiano Pereira, Ivar Pavan, Marisa Formolo, Raul Pont, Ronaldo Zülke e  Stela Farias.
Os parlamentares são um Édipo às avessas, pois têm o discernimento entre o justo e o injusto, mas não admitem publicamente que é errado aumentar os seus salários. Diferentemente do personagem de Sófocles, jamais arrancarão os olhos devido à consciência pesada. Admiro o primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, renunciar quando a sua popularidade caiu depois do tsunami e do desastre nuclear em Fukushima. Fatos assim não geram desconforto nos políticos brasileiros. Infelizmente...

domingo, 11 de setembro de 2011

DESFILAR PARA QUEM?

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 11 Set 2011   O DESFILE DE 7 DE SETEMBRO É UM BOM MOMENTO DE EXERCÍCIO CÍVICO e a oportunidade perfeita para estimular as crianças a amar a própria pátria. Mas não é só isso, felizmente: tem valor educacional, integra os estudantes das escolas que desfilam e é um movimento social onde a população assiste aos seus familiares e amigos na avenida. Também serve para protestar, porque motivos não faltam em nossa pátria amada, idolatrada, salve, salve!
Os alunos que desfilam envolvem-se com os preparativos do 7 de setembro, principalmente aqueles que compõem as bandas marciais. Nelas, a inteligência musical é despertada e estimulada. Além disso, crianças e adolescentes tornam-se um pouco mais disciplinados, fato este que inexiste em muitas realidades familiares.
E se estudantes estão nas ruas, pais também lá aparecem. É uma festa linda, onde os melhores espaços para assistir escolas, empresas e militares passar são divididos, democraticamente, com o único critério de chegada: quem aparece antes, fica à sombra e pode se espalhar numa cadeira de abrir. Nada de ingressos caros para ver meia dúzia de carros alegóricos. O carnaval cívico não tem área VIP, e dessa forma, congrega pobres e ricos num mesmo ambiente.
Independente da origem dos desfiles que ocorrem nesta data, hoje, o que se vê é uma população que gosta de ir à avenida também para demonstrar o apreço à pátria, mas, principalmente, para que aqueles que estão lá de espectadores os vejam. Ninguém se preocupa com as autoridades que ostentam sua pompa no palanque. É apenas mais um lugar da avenida, onde há outras pessoas comuns assistindo. E é bom que seja assim.
Diz-se dos desfiles militares que são o inverso dos circos. Enquanto nestes há um palhaço para 100, 200 pessoas, nas marchas de farda há 100, 200 palhaços para uma única pessoa. E o desfile de 7 de setembro tem a grande façanha de ratificar essa ideia. A criança percorre todo o trajeto na avenida procurando os olhos orgulhosos dos pais e todo o esforço é válido pelo curto momento em que os enxerga. O adolescente caminha querendo que a ficante o veja desfilando. As razões são muitas e possivelmente nada têm a ver com o desejo de passar com garbo pelo prefeito no palanque oficial.
E se há uma multidão reunida, abre-se o espaço para a livre expressão, para protestos, para a população não se calar diante das injustiças que assolam este país tropical. Todos os anos ocorrem protestos e se perpetuarão no tempo até que a impunidade diminua. Mas creio que será no “Dia de São Nunca”.
O 7 de setembro só não é mais popular porque não gera receitas para o Estado. O desfile não é transmitido na televisão e os únicos que lucram no dia são vendedores de cachorro-quente, pipocas, pastéis e refrigerantes. E isso é um fator mais que suficiente para justificar a falta de estrutura no evento, o descaso das prefeituras.
Não esqueçamos os feitos do passado, a luta pela independência da colônia, de um povo obediente às ordens de terceiros que pouco se importavam com os que aqui viviam. Mas não tapemos os olhos, nem calemos as nossas vozes, porque tem muito parlamentar acreditando que ainda estamos na era colonial: que ele pode sugar todo o sangue da nação igual a antes de 1822.

domingo, 21 de agosto de 2011

Coisas do passado

Publicado no Jornal da Cidade Online em 21 Ago 2011
QUANDO TECNOLOGIAS SÃO ULTRAPASSADAS, CONDENAMOS O QUE É OBSOLETO À EXTINÇÃO. O Blu-Ray tem se popularizado e, com facilidade, fazemos download gratuito de filmes pela internet. Os sons automotivos deixaram de lado os CD e DVD e passaram a adotar a entrada USB. O resto é antiguidade. Em casa, basta conectar o computador a caixas de som potentes e as músicas serão tocadas diretamente do PC. No passado, era necessário gravar um CD de mp3 para ouvir e, antes ainda, um CD de áudio. Para não se falar das fitas K7, do disco de vinil e dos rádios a pilha, relíquias que servem para exposição.
Além disso, a evolução fantástica dos computadores substituiu os trambolhos volumosos por máquinas mais compactas e potentes: dos computadores de mesa para os notebooks, netbooks, palmtops e tablets. Lembra-se dos mimeógrafos? Grande parte das escolas deixou de utilizá-los e passou a adotar o projetor multimídia como ferramenta auxiliar de trabalho.
Mesmo com essa gama de novidades eletroeletrônicas, os equipamentos antigos resistirão ao tempo. E quem aposta na sobrevivência, apenas, das novas tecnologias, demonstra uma visão muito parcial da realidade. Não conhece o mundo ao seu redor ou, então, não faz questão alguma de sair do seu sofá elitista e olhar para os lados.
Essas evoluções, muito bem-vindas por sinal, chegaram e facilitaram a vida. Deixaram as ações mais dinâmicas. Podemos conectar-nos ao Orkut e Twitter pelo celular ou achar qualquer ponto numa cidade desconhecida com facilidade através do GPS. Contudo, as inovações tecnológicas não são acessíveis a todos, porque boa parcela da população recebe um salário que mal paga o alimento. Terão condições de adquirir um bem desses? Não há boas perspectivas para isso.
Na crônica “Escrever à mão” de 17 de julho, no Caderno Donna, do jornal gaúcho Zero Hora, a colunista Martha Medeiros sentenciou que, em breve, ninguém mais usará cadernos, e sim, tablets. Canetas, lápis e apontadores serão artigos de museu e, possivelmente, substituiremos os livros impressos pelos e-books.
Acreditar que toda a população terá condições de comprar um tablet para usar como caderno é ter uma visão muito simplista. É ilusão das grandes crer que as escolas evoluirão ao ponto de excluírem os cadernos e adotarem, apenas, as mídias digitais. Quem sabe daqui a mil anos... Eu gostaria muito que essa integração com as tecnologias ocorresse nas escolas nessa intensidade, porque já há muito tempo deveria ser realidade, mas estamos muito aquém do que fantasiou a cronista.
É impossível imaginar uma escola de última geração se há poucos professores capacitados para trabalhar com computadores e afins e os recursos financeiros mínimos previstos na constituição nem sempre são cumpridos pelas autoridades. Apresenta-se improvável o amplo uso das tecnologias, pois os problemas da educação são vários, as soluções, complexas e devem ocorrer em conjunto com os demais setores. E não é da noite para o dia que se chega a um resultado positivo. Depende de políticas públicas que, dentre outros fatores, diminuam as desigualdades sociais.
É fácil se enclausurar numa redoma de vidro, num mundinho perfeito, bem parecido com o nosso. Porque a pobreza é algo feio de se ver e sentir. Muito mais conveniente crer que todos comprarão tablets quando o preço baixar de atuais R$ 900,00 (os modelos mais baratos) para R$ 200,00. Acreditar nisso é ser como o protagonista Jimmy, do filme “Jimmy Bolha”, que, por ter o sistema imunológico debilitado, vivia numa bolha de plástico, sem contato com os ares impuros da realidade. De lá, imaginava e vivia o seu mundo de acordo com o que supunha ser o real.
Não é inusitado ver alguém ouvindo música ou jogo de futebol em radinhos a pilha. Nas escolas, o mimeógrafo já deveria ter caído em desuso há vários anos, mas permanece sendo utilizado, concomitante à fotocopiadora e ao projetor. Se eu fosse apostar na longevidade do mimeógrafo ou na disseminação dos tablets nas escolas, não teria dúvidas em apontar a prevalência do primeiro. É uma triste constatação, mas é real.

terça-feira, 26 de julho de 2011

EGOCENTRISMOS E MICROFONES

Publicado no Jornal da Cidade Online de 24 de julho de 2011.

ESTIVE NUM SEMINÁRIO PEDAGÓGICO HÁ CERTO TEMPO. UMA JORNADA DE CINCO NOITES de palestras, introduzidas por apresentações artísticas. Muito bom, seja no conteúdo, seja no quórum. Creio que tenha ultrapassado 200 participantes. Uma vitória em face aos baixos índices de presenças nos seminários e debates educacionais que toda a hora surgem, acabam e pouca gente prestigia.

Uma das noites proveu-me de material para esta crônica: a propaganda velada e inoportuna, incômoda. A palestrante foi à frente, explicou seu primeiro slide e começou... a minha escola é isso, é aquilo, trabalha assim e por aí foi. Até consultei o cronograma para ver se previa a apresentação das atividades realizadas pela escola. Obviamente, não. A palestrante complementou, chamou toda a coordenação, os funcionários e professores.

Pensei que veria o pedido de palmas a eles. E, realmente, ele veio. A minha mente podia ter sido salva sem isso. Não é a primeira vez que um palestrante ou o “dono” do microfone tangencia o assunto pelo qual lá está.

Numa formatura de conclusão de curso policial, algumas semanas antes, o comandante dos formandos apossou-se do dito cujo microfone e começou a ladainha: obrigado tal empresa, a outra loja, a determinado empresário, deputado Fulano de Tal, obrigado!, meu chefe, à esposa.

Temos que “vender o nosso peixe”, mostrar-nos competentes. O jornal precisa seduzir o leitor, as notícias têm que prender a atenção. As crônicas necessitam emocionar, fazer refletir, concordar ou discordar, porque o pão diário não cai do céu. Mas, para tudo, tem hora. Num seminário, os presentes buscam algo que os acrescente, que refute ou ratifique seus pensamentos. O contrário a isso, decepciona.

O vendedor não pode ser chato. Chato não convence cliente. E dá efeito inverso, exatamente por este motivo a compra acaba não ocorrendo. Gera repulsa pelo vendedor e pelo produto.

Para algumas situações, cai bem um tanto de feeling ao palestrante ou vendedor. Menos agocentrismo e mais foco no que é importante e nos motivos que o levou a ser o centro das atenções nunca é fora de moda.

domingo, 10 de julho de 2011

O QUE TE MOTIVA?

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 10 jul 2011.
Publicado no Jornal Tribuna, de Uruguaiana, com o título "Reprovado, motivado... aprovado", em 09 jul 11.

O que leva uma pessoa a acordar de madrugada, pegar dois ônibus, chegar às sete horas no trabalho, enfrentar um dia estressante, engolir 17 sapos do chefe, pegar mais dois ônibus e chegar tarde em casa? Uma rotina estafante, que ninguém deseja. Mas o trabalhador executa-a e ainda fica feliz porque rala, mas está empregado.

As obrigações diárias, a luta por uma vida melhor e o dinheiro para pagar os remédios da filha doente são fatores que levam uma pessoa a arrancar do corpo aquele “a mais” quando ele já clama por descanso.

Esses desejos que funcionam como mola propulsora, direcionando-nos pelo caminho A ou B, logicamente, são diferentes para cada pessoa. Sinto-me feliz ao escrever uma crônica. Não preciso receber elogio, mas se vier, cai bem. Em contrapartida, tenho um amigo que fica com os olhos brilhando quando fala do seu “Celtinha”. Há gente que se não sai no final de semana, fica angustiado. Para muitos, futebol no domingo à tarde é uma terapia inadiável. Também pode ser a compra da bolsa namorada há semanas.

Buscamos insaciavelmente a felicidade, o elixir da longevidade, o nirvana que pusemos em nossas cabeças que alcançaríamos quando crescêssemos. Deixamos a infância, a adolescência e a vida adulta, atingimos a maturidade e falecemos atrás dessa fórmula mágica. De acordo com a reportagem de capa “O que te motiva?”, da Revista Galileu deste último junho, essa busca, por si só, é um fator motivante.

É incrível que, ao mesmo tempo que atingimos os nossos objetivos, aquela vontade que se apossava de nós some rapidamente. De acordo com a reportagem, a insatisfação permanente é um recurso que a natureza inseriu em nós e que manteve a evolução das espécies. Certamente, pois se nossos ancestrais se contentassem apenas com o que caçavam no dia, não fariam reservas de alimentos e pereceriam nas épocas em que a comida era mais escassa.

As perspectivas mudam ao longo da vida e o que não era interessante, torna-se algo de muito valor para alguém. Não há motivação maior que a própria sobrevivência. Se for para manter-se vivendo decentemente, não titubeamos em fazer uma terceira jornada de trabalho. Que o digam os professores, profissionais que costumeiramente complementam a renda familiar com esse terceiro tempo do jogo. 

Longe dessas preocupações financeiras e na contramão da busca pelo sucesso, há algumas semanas presenciamos a decadente despedida dos gramados, de Ronaldo Nazário. Brilhante nos tempos áureos, Ronaldo Fenômeno recebera a alcunha que, à época, justificava tamanha exaltação. Mas o dinheiro transbordando dos bolsos e a exposição extenuante da sua imagem banalizaram os próprios objetivos. Ele e muitos jogadores que emergiram da pobreza lutaram arduamente até se firmarem no cenário esportivo. Melhorar de vida, poder tirar a família da situação de miserabilidade foram razões muito presentes na ascensão. Motivos louváveis.

Mas depois que o dinheiro ficou fácil demais, querer manter-se como “Fenômeno” e, quem sabe, equiparar-se a Pelé e Maradona, deixaram de ser desejos contundentes. Ronaldo aposentou as chuteiras movimentando milhões, mobilizando multidões e muito acima do peso necessário para desempenhar bem a sua função.

Nossos rumos seguem caminhos que pouco controlamos. E inseridos em um novo contexto, objetivos, intenções e motivações demonstram-se totalmente maleáveis. Muitos irão criticar novas posturas, alguns apoiarão, mas apenas nós mesmos é que saberemos se andamos na estrada certa ou pegamos a rua errada. Conquanto haja algo que nos motive, tudo fica mais possível de alcançar.

domingo, 26 de junho de 2011

A ordem natural dos fatos

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 26 de junho de 2011.

APRENDEMOS NA ESCOLA QUE A VIDA SEGUE UMA ORDEM PREESTABELECIDA. Nascer, crescer, se desenvolver, reproduzir, envelhecer e morrer. E achamos que o mundo é perfeitinho assim, do modo que nos pintaram no colégio, mas só com o tempo entendemos perfeitamente que esta ordem natural é passível a controvérsias e passamos a conhecer e entender a expressão “do pó viemos e ao pó retornaremos”.

Dias atrás, uma ex-colega da faculdade faleceu e fui ao seu velório. Falecia depois de meses lutando contra infecções oriundas de uma cirurgia de redução do estômago que fizera. Nesses lugares, a condição social pouco importa e a beleza é só um adjetivo que pertence ao mundo dos pretéritos. Ricos e pobres igualam-se, freiras e traficantes ficam em mesma situação. O que muda nisso tudo são, apenas, os amigos, que uns têm mais e outros, menos.

Mãe, marido, filho, sobrinhos e sobrinhas, tios e tias, toda a família chorava a perda do ente querido. Colegas de trabalho, vizinhos e amigos também lá estavam. Chegava muita gente, alguns permaneciam no recinto, outros saíam. Aquele entra-e-sai comprovava a estima da falecida com as pessoas que a rodeavam.

Ela era nova, 39 anos, com muita vida pela frente. Formara-se professora de Português há dois anos e exercia o ofício de educadora. Assim como muitas pessoas, concluíra o Ensino Médio, parara de estudar e anos mais tarde, retornara aos estudos.

Mas morrera antes da mãe. A ordem natural dos seres humanos invertia-se. Quando isso ocorre e o mais novo é quem falece antes, a dor parece ser maior. Porque não se espera isso. Acredita-se nessa tal “ordem natural” como se fosse uma regra inquebrável. Mas ela nem sempre é cumprida.

O mesmo ocorreu com meu primo. Da minha idade, faleceu logo após completar 18 anos. Inicialmente, não parecia ser verdade, porque a saúde estava bem, tinha vitalidade de sobra, namorava, tinha amigos. Mas um acidente de carro abreviou a ordem nascer, crescer, se desenvolver, reproduzir, envelhecer e morrer.

Naquela ocasião, encontrei-me com parentes que há tempos não via. Geralmente isso acontece: rostos familiares se reencontram apenas em momentos de desgraça. Infelizmente, não damos a devida importância às horas alegres para que sejam compartilhadas com os entes queridos.

Meu avô materno, que reside em outra cidade, passou a morar com meus pais nos últimos meses, para tratar-se de diversos problemas de saúde. A vida desregrada cobra-lhe, agora, os exageros de outrora. Essa convivência tem proporcionado muitos momentos alegres. Mas não era assim no passado. O tempo e a iminência da velhice fizeram bem ao rude pai.

Em situação parecida, minha avó recupera-se de câncer. Morando longe, passou pelos tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Agora faz novos exames para verificar a eficácia dos tratamentos.

Quando existe a possibilidade do falecimento de alguém próximo, torna-se impossível não se abalar com isso. E essa situação força-nos a refletirmos sobre as coisas que realmente importam, se os esforços envidados em prol de certos objetivos estão sendo sabiamente empregados e o quanto vale lamentar o insucesso ao invés de comemorar as vitórias.

A única certeza que temos é a morte e talvez seja o fato que mais enfrentamos dificuldade de aceitar. Porque ela não pode ser desfeita. É um caminho que só tem passagem de ida. De qualquer forma, ensejamos que a ordem natural ocorra e que os mais velhos faleçam antes dos mais novos. Contudo, acidentes de trânsito, drogas, brigas, problemas de saúde e muitos outros fatores são motivos mais que suficientes para modificar a lógica tão bem assentada em nossas mentes. Porque não há regra sem exceção no mundo real e contra isso, pouco podemos fazer.

sábado, 25 de junho de 2011

4444 visualizações

Entrei no blog para postar a nova crônica da semana e vi o número 4444 nas visualizações... Daí fiz um printscreen da tela.
Se o 666 é o número da Besta, que esse 4444 seja ao contrário!
Obrigado a todos pela apreciação e continuem me visitando de vez em quando.
Abraços!!!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

AS ANÔNIMAS GLORINHAS

Por Rosane Roehrs Gelati, professora de Língua Portuguesa e Literatura

- Soooora!!!
- Sooora, Glorinha!
- Ã!!!
- Que bom que te encontrei! Que bom!
- Oi! Sim?
- Oi, tudo bem, sora?
Tentou se lembrar de quem era aquele rosto. Sem resultado. Apavorou-se: Meu Deus! Que é ele?
Nem tinha percebido que segurava algumas sacolas de mercado, pesadas e, próximo dela, atravessado no passeio em frente a sua casa, estava uma bicicleta abandonada por aquele homem que foi correndo ao seu encontro e a abraçara. Era um jovem de aproximadamente 30 anos, falando, gesticulando e sorrindo. Como continuar a conversa se não sabia quem estava a sua frente?
- A senhora está bem?
- Estou, sim. E você?
- Eu precisava te encontrar e não sabia onde a senhora estava.
Ela largou as sacolas enquanto ele continuava falando:
- O Pastor da minha igreja disse que seria muito importante eu dizer o quanto a senhora foi importante para mim.
- Eu? Importante para você?
- Sim, sora. Lembra quando eu era pequeno? Aprendi a ler e escrever com a senhora?
Ufa! Faz tanto tempo! Impossível lembrar-se da fisionomia!
- Ah, sim – respondeu, mesmo não sendo verdade, pois não podia decepcioná-lo.
- Lembra quando cantamos aquela música: Que nenhuma família comece e termine...
- Sim, lembro!
- Quando cantava, a senhora era a mulher mais linda do mundo! A senhora ria e cantava com a gente! Um dia eu disse pra senhora que a minha família não era bonita como a da música e a senhora respondeu que quando era criança a sua também não era e que quando cresceu, construiu uma família linda, que eu também poderia fazer isso!
- É, eu lembro! E um nó na garganta se formava.
- Daí, sora, fui pra casa e disse pro mano que um dia a gente teria uma família linda. E hoje eu tenho. Eu não queria ser bandido, eu não achava certo.
Risos! Lágrimas!
- Ah, professora, como eu gostava da senhora, com aquele seu casacão branco e quando eu lhe abraçava os colegas diziam: Sai de perto, ranhento, vai sujar o casaco pra profe e a senhora respondia que o casaco ficaria limpo com água e sabão, que era para eu lhe dar um abraço bem gostoso. E eu lhe abraçava. Ah, professora, não tem como esquecer!
Os olhos já estavam cheios de lágrimas. No baú das lembranças veio o nome do aluno e de seu irmão. Uma família com problemas econômicos, emocionais, estruturais e tantos outros que encontramos também hoje em nossas famílias e em nossas escolas.
- A senhora sempre segurava a minha mão. Eu era todo sujo, grudento e a senhora não se importava. Eu ficava tão feliz em poder segurar sua mão! Nossa!! Os outros tinham inveja.
- É, eu lembro!
- Lembra que a senhora ficava comendo merenda bem devagar só para que eu me servisse duas vezes? Eu sei que a senhora não estava com fome, mas daí eu podia ficar comendo e não tinha vergonha.
- Imagina, disse ela, eu tinha fome, sim!
As lágrimas lavavam o rosto de ambos a esta altura da conversa.
- O que você faz hoje?
- Trabalho naquela empresa ali, apontou. Sou adestrador de cães!
- Que bom, meu querido, que bom que você está bem e feliz!
E o papo continuou mais um tempo até as despedidas.

Será que é preciso uma demonstração maior sobre a importância dos professores na vida das crianças, jovens e adolescentes? A ação (ou omissão) do educador sobre as infinitas situações semelhantes que surgem em nossas escolas é determinante e saber como proceder em cada uma delas, fundamental, independentemente do salário e das condições de trabalho.
O dia do Professor está se aproximando e eu não poderia deixar de contar este fato, verídico, que aconteceu com uma professora amiga minha, em homenagem a tantos educadores que fazem a diferença na vida de muitas pessoas.
Parabéns a todas as anônimas Glorinhas.

VIDAS CRUZADAS

Por Bruna Martini Madril

Publicado no BLOG DA BRU, em http://www.brumadril.blogspot.com/

Nossa existência é um presente divino. Não percebemos o quanto somos importantes na vida de outras pessoas, mesmo que estas não sejam tão próximas. Existem três acontecimentos que me fizeram refletir sobre minha existência: A leitura de um livro, meu irmão e a morte de um primo.
O livro Veronika decide morrer do Paulo Coelho é uma história encantadora que conheci em 2002, indicado por uma amiga. Conta a história de uma mulher jovem e solitária que tentou suicídio ingerindo remédios, acorda dias depois no hospital psiquiátrico com o diagnóstico grave: sete dias de vida, apenas. Porém, na espera de sua partida ela decide viver cada minuto como se fosse o último e, assim, aproxima-se do esquizofrênico Eduard e eles fogem no sétimo dia. Ao acordar no dia seguinte ao lado do rapaz, ficou surpresa, ocorrera um milagre, estava viva. Seu diagnóstico era uma mentira sabiamente arquitetada pelo Dr. Igor, a maneira que ele encontrara de Veronika decidir viver.
Ainda em 2002, conheci a história de uma família cuja mãe morreu após uma gravidez complicada e doenças respiratórias. O bebê teve que aprender desde cedo a lutar para sobreviver às doenças, à falta de cuidados de mãe e à falta de recursos da família para cuidar e mantê-lo. Essa criança guerreira que passou por duas cirurgias e por todos esses problemas, hoje é parte da minha família. É meu irmão de coração, esbanja saúde, energia e alegria pela casa.
O último e mais recente acontecimento foi a morte trágica e prematura de um primo, Emanuel, na data com 2 anos de idade. Foi vítima de um atropelamento, infelizmente não resistiu. Eu estava na sua casa no momento do acidente. Cheguei minutos antes para escolher um presente de aniversário para uma colega entre as bijuterias confeccionadas pela minha tia. Quando entrei na casa, deparei-me com uma carinha toda suja de sopa, estava sentado sozinho à mesa. Dei um beijo em sua bochecha, como de costume, foi o último. A mãe do menino estava grávida e presenciei os gritos, a correria, a culpa do motorista e a notícia inesperada.
Cada uma dessas histórias tocaram-me de uma maneira diferente: o livro, o irmão e o primo. Nunca pensamos o quanto somos importantes para a vida de alguém, de muitos na verdade. Quem diria que a criança que perdeu a mãe tão cedo faria parte da minha família? Quem imaginaria um ciclo de vida tão curto para o Emanuel? Como eu saberia que aquele seria o último contato com meu priminho? Paulo Coelho jamais pensou que suas palavras atingiriam com tanta persuasão a minha vida.
Mesmo indiretamente, cruzamos a história de muita gente e a nossa existência faz a diferença. Precisamos acreditar que cada dia de vida é um milagre, que deve ser celebrado e bem vivido ao lado de pessoas que nos fazem feliz.

PREMIAÇÃO NO 3º CONCURSO LITERÁRIO FARROUPILHA

Pessoal,

com muita alegria posto aqui no blog a premiação minha, da mãe e da Bru no 3º Concurso Literário Farroupilha 2011.
A Bruna ficou em 3º lugar na Categoria Literatura Livre (crônica Vidas cruzadas).
A mãe recebeu posição de destaque na mesma categoria, Categoria Literatura Livre (Anônimas Glorinhas)
E eu recebi, também Destaque na Categoria Poesia (Um cara chato)

O blog da Bru é http://www.brumadril.blogspot.com/  

Postarei a crônica da mãe e da Bruna, para que todos possam ler com prazer!!!






domingo, 5 de junho de 2011

Piratas by Brasil

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 05 de junho de 2011.

Um livro da L&PM Pocket com clássicos da literatura mundial custa entre R$ 7,00 e R$ 15,00. Nas lojas Americanas, “Ágape”, do padre Marcelo Rossi, sai por 15,00. “O símbolo perdido”, de Dan Brown (o mesmo de O código da Vinci), por R$ 22,00. “Amanhacer”, de Stephenie Meyer, por 30,00. Já “O livro dos manuais”, do Paulo Coelho, não custa nada. Isso mesmo: R$ 00,00.

É que o escritor mais popular do Brasil, com livros escritos (e vendidos) em diversos idiomas e países, defende o que chama de “autopirataria”, disponibilizando as suas obras no blog “Pirate Coelho” para download gratuitamente. Alguns sites levantaram hipóteses que isso seria 'caridade', 'nova visão de mercado' ou 'jogada de marketing'. Se fosse um vestibular, marcava sem titubear a alternativa “C”.

Coelho argumenta que se todos tiverem a oportunidade de ler os seus livros pela internet, comprarão nas livrarias. Fácil dizer sendo milionário. Ele é reconhecido e continuará vendendo astronomicamente. Mas para quem está construindo a carreira, não é bem assim. Àqueles que tiram o seu sustento com o escrever, piratear-se é perder os direitos autorais e isso significa não receber pelo trabalho, não ter salário.

Conquistar um espaço para escrever num jornal é uma tarefa árdua e contempla poucas pessoas. Existe muita gente que escreve muito mal e acredita que escreve bem. E o mais triste é que existem jornais que publicam esses textos horrendos. Não se trata de serem mal escritos, com erros de ortografia. É mais grave. As ideias são desconexas, incoerentes, contraditórias por vezes, ou totalmente “fora da casinha”. Essas pessoas têm espaço na mídia. E muitas outras não têm e escrevem maravilhosamente bem.

A distribuição gratuita de exemplares que estão à venda talvez alavanque a carreira de alguns. Mas para a grande maioria, não passará de um desprestígio do próprio trabalho.

Clássicos da literatura e muitas outras obras estão disponíveis em sites como o Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/), onde não encontramos o Paulo Coelho nas buscas. Concomitantemente, os livros impressos continuam sendo adquiridos em livrarias por todo o Brasil. A obra completa de Machado de Assis encontra-se no site e, ainda assim, a todo momento surgem novas edições dos livros do autor, que são postos à venda.

Antes de sugerir que seja pirateado, o “mago” poderia ter disponibilizado seus livros no Domínio Público. Lá, permanentemente estarão à disposição de seus e-leitores. Mas, não, as têm num blog, de onde pode tirar a hora que bem entender. Se estivesse num site público, depois de enviado não haveria mais volta.

Já livro pirata e CD pirata não são a mesma coisa. Um artista que tem os seus CD e DVD pirateados consegue mais popularidade, pois quem não pode pagar R$ 20,00 pelo material original faz download pela internet. Ou então, compra de vendedores ambulantes, escuta, gosta. Daí, vai ao seu show e desembolsa, feliz da vida, R$ 30,00 para assistir-lhe.

Não tem como piratear um show. E seria descabido um escritor reunir uma multidão e iniciar a leitura da sua obra. Algo muito demorado e chato. A marca do cantor vira produto que gera receita para o artista. Mas não conheço nenhuma linha de produtos “Perfumes Rachel de Queiroz”, “Calças Moacyr Scliar”, “Sapatos Álvares de Azevedo”.

É fato que os livros são muito caros para o padrão de consumo do brasileiro. E a cultura da não-leitura ajuda muito nessa estatística deplorável. A assinatura de revista, jornal não é viável a quem ganha um salário mínimo. Melhor preocupar-se em alimentar os filhos, não acha? Comprar um livro para quê, se ele pode ser trocado por algumas refeições com carne! E àqueles que têm condições de adquirir livros não costumam comprá-los. Melhor ver a Ellen Roche na Dança dos famosos... É muito cômodo fazer apologia à pirataria com o bolso recheado. Dá até para declarar um paradoxo desarrazoado como “se hoje alguém me propusesse publicar um livro para três leitores, ganhando 3 milhões de dólares, ou publicar um livro para três milhões de leitores, ganhando três dólares, escolheria a segunda opção”. Queria vê-lo pagando as contas do mês com os tais três dólares...

sábado, 28 de maio de 2011

A dita fala "errada"

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 29 de maio de 2011.

“Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”. Esta frase tornou-se hit em jornais, telejornais, rádios e na internet depois que o MEC publicou o livro “Por uma vida melhor”, destinado à Educação de Jovens e Adultos. Você, certamente, condena que escrevam dessa maneira. Mas, sem sombra de dúvidas, já falou assim ou parecido. Não consigo imaginar alguém, até mesmo aqueles gramáticos mais conservadores, falando “se vós soubésseis” à mesa, num estádio de futebol ou no barzinho com os amigos no happy hour (segundo o deputado Raul Carrion, 'numa hora feliz'). Da mesma forma que ninguém seria louco de palestrar num seminário falando “e aí, pessoal, vim aqui dá um lero proceis”.

Esse debate formado acerca do falar certo/adequado ou errado/inadequado é muito interessante. Saem mais maduros do confronto de ideias os pró-livro do MEC e aqueles que são contra. E isso é ótimo. O que desagrada é perceber a quantia de informações desencontradas sobre esse assunto. O Jornal Nacional noticiou, na abertura da sua edição do dia 13 de maio, que o livro do MEC estaria “sinalizando nova classificação quanto ao uso da língua portuguesa”, deixando de encará-la como certa ou errada, passando a ser vista como adequada ou inadequada. Contudo, a fala já é compreendida como adequada ou inadequada por sociolinguistas há muito tempo.
Também se fala que a cartilha reza que escrevendo corretamente ou errado, tudo será encarado como certo. Isso não está no livro. Há muita gente que pega a informação no ar e já repassa, sem conferir a veracidade. Essas afirmações infundadas sobre o “Por uma vida melhor” são preocupantes.
A todo o momento fazemos construções de frases que, analisadas a fundo, agridem as normas gramaticais. Se estamos entre amigos, tampouco nos preocupamos quanto ao uso de gírias, comemos o “s” do final das palavras, cortamos o enunciado pela metade e concluímos o pensamento com um gesto. Conseguimos nos fazer entender? Claro, sem sombra de dúvidas. Vamos falar da mesma maneira numa entrevista para emprego? Lógico que não. E por quê? Por estarmos numa situação comunicacional totalmente diferente.

A escrita segue uma estrutura fixa, complexa e que não consegue atingir a fala. Porque quando falamos, a gesticulação e as feições faciais interferem muito na compreensão do que é dito. Já na escrita, não. Não tem cara de espanto no texto; no máximo, uma “exclamação”. E o que está impresso pode ser lido tanto em Porto Alegre quanto em Maceió, ao mesmo tempo ou em datas separadas. Daí a importância de se escrever uniformemente, de acordo com regras estanques.

Disso, pode-se depreender que não escrevemos da mesma maneira que falamos. A Semana da Arte Moderna, em 1922, rompeu com a literatura vigente e buscou aproximar-se mais da fala, da realidade. Mas essa “licença poética” dos modernistas do início do século passado servia apenas para romper barreiras de estética, de pensamento. Jamais se intencionou falar e escrever da mesma forma.

Não podemos negar toda a história de vida de quem não teve a oportunidade de estudar quando mais novo e que fala totalmente em desacordo com as normas gramaticais. Precisamos aceitar que a variação linguística utilizada por esses jovens e adultos que retornam aos bancos escolares depois de anos é uma maneira de comunicação. Não se trata de apologia, e sim, de aceitação. Negar esses dialetos seria como tapar o sol com a peneira, confabulando que esses cidadãos sempre falaram escorreitamente.

É papel inegável da escola possibilitar o acesso à forma de prestígio da língua. Se a língua é poder, aprender os meandres gramaticais dela é uma das maneiras de ascensão social que a escola propicia a seus alunos. Mas tudo isso, sem lhes negar a realidade da própria fala. Sem lhes negar quem são.

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