segunda-feira, 11 de outubro de 2010

DÊ-ME AO MENOS UMA CHANCE

Publicado no jornal Letras Santiaguenses Mai/Jun 2009
e no jornal Tribuna em 1º de agosto de 2009

Na Zero Hora de domingo, 19 de abril de 2009, especificamente na página 22, encontramos uma reportagem muito interessante. Fora anunciada na contracapa da seguinte maneira: “Patinho feio com voz de rouxinol”. É a história da escocesa Susan Boyle, uma mulher de 47 anos, desempregada e que divide sua morada com um gato. Susan cantou I dreamed a Dream, do musical Les Miserables, num show de calouros da Grã-Bretanha chamado Britain’s Got Talent, algo semelhante ao Ídolos do SBT ou o Fama da Rede Globo. O espanto e a natural repercussão vêm do fato de Susan não ser muito vaidosa, não vestir mini-saia e aparentar ser uma pessoa simples, sem nenhum talento aparente. E é nesse ponto que os três jurados do programa tiveram que mudar a sua perspectiva sobre o talento alheio.
Eu me pergunto incessantemente e não chego a resposta nenhuma: aonde ela estava até agora, ninguém a ouvira cantar antes? Como ninguém teve a sensibilidade de parar por alguns segundos para ouvir a sua voz, de prestar atenção ao seu sonho de ser cantora e dar-lhe um pouco de crédito? Vemos que até hoje estávamos perdendo um talento que foi resgatado pelo programa britânico e, principalmente, pela persistência de Susan.
E se esse talento lhe é inato, se ela já cantava magistralmente desde a sua adolescência e ninguém prestara atenção na escola onde estudava? Por favor, que eu descubra depois que ela não frequentou os bancos escolares, que é um bicho-do-mato que nunca conversou com ninguém nem jamais teve a audácia de mostrar a qualquer outro ser a pianíssima voz. Como futuro educador que sou, sentir-me-ia bastante desacreditado com a instituição que pretendo trabalhar até o fim dos meus dias, auxiliando crianças, jovens e adultos a trilharem seus próprios caminhos, fornecendo-lhes meios para que aprendam na escola tudo o que puderem para ter mais sucesso na vida do “além-escola”. É, talvez haja muita utopia na minha cabeça. Devo ser um sonhador, alguém que ainda acredita que Papai Noel desce pela chaminé todo 24 de dezembro e que o desenvolvimento social passa, inicialmente, pela escola.
Não precisamos que um drama familiar ocorra para sensibilizarmo-nos e, a partir de então, olhar para os outros de maneira mais atenciosa. Não necessitamos ser um Mr. Holland, de Adorável Professor. Nem sofrer igual a ele. No filme, Holland é um professor de música apaixonado por trompetes, saxofones e pianos. Em determinada parte do drama, descobre que seu filho recém-nascido é surdo e que não poderá seguir os seus passos na música. Um grande baque para ele. E uma enorme lição de vida que o fez sensibilizar-se mais com seus alunos, tornou-o mais compreensivo. Quem sabe se Susan tivesse estudado com o Sr. Holland, o brilhantismo de sua voz tivesse sido descoberto antes?
Pois o professor tem papel importante na educação de um jovem, na formação do caráter. Ou melhor, importantíssimo papel. Um professor, ao ficar à frente de 20, 30, 40 crianças, passa a participar de um complexo conjunto de relações sociais com seus educandos. Como há adolescentes com famílias bem estruturadas, há aqueles que encontram na escola um local menos desagradável que suas casas.
O professor ocupa lugar de destaque numa sala de aula. Os personagens principais são os alunos, indubitavelmente. Mas andarão sem rumo se o regente da orquestra escolar não realizar suas atribuições. Um educador pode ajudar a transformar a vida de uma criança. Mas pode destruí-la, se diminuí-la ou fizer-lhe crer que não possui capacidade de vencer na vida. E pode, pior que isso tudo, ser indiferente àquele serzinho com sede de carinho, com ânsia de compreensão, desejoso por mostrar ao “profe” os seus dons. Porque a indiferença é um dos piores sentimentos. O descaso inferioriza, banaliza e, por vezes, abafa qualquer sonho.
A reportagem termina com declaração de Susan após a sua apresentação no programa: “Eu já esperava que as pessoas se mostrassem um pouco céticas, mas decidi vencê-las pelas beiradas. Eu nunca havia tido uma chance”. Seja a escola, os familiares, amigos ou o professor, alguém precisa encontrar os prodígios que estão por aí, esperando um empurrãzinho para desencantar.


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