segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A SOBRIEDADE DE UM VELÓRIO

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses set/out 2009

Um dos caminhos mais costumeiros que realizo para chegar a minha residência passa por uma casa funerária. Talvez por azar ou até mesmo por sorte, não há semana que não realizo este itinerário, ainda que planeje mirabolantes trajetos alternativos para desviar desse curso. Diria sorte, talvez porque acredito que a simples questão de cruzar por uma funerária, apesar de não proporcionar a sensação mais gostosa do mundo, já me leva a refletir sobre muitos aspectos da minha vida e por vezes faz diminuir a ansiedade que sinto devido a qualquer motivo. Explicarei.
Ninguém se sente muito agradável quando participa de um funeral. Muitas pessoas inclusive passam mal. Independente do grau de proximidade que haja com o falecido. Vários são os motivos. Lembrar de pessoas queridas que se foram é desagradável, remoer a perda recente que o ente está trazendo dói muito e um local onde não há ninguém feliz, apenas rostos chorosos e desconsolados já são ótimos motivos para alguém não gostar de funerais. Um velório faz-nos perceber que somos todos iguais. Viemos do pó e a ele retornamos. Podemos ser ricos ou pobres, bonitos ou feios, inteligentes ou ignorantes, mas quando deixamos a vida, somos exatamente iguais.
Foi assim que passei a encarar esses momentos dolorosos da vida após ler o excelente livro de Augusto Cury, “O vendedor de sonhos”. Esse vendedor é um homem desconhecido que passa a pregar ideias que valorizam a vida e ganha milhares de simpatizantes. A história serve de pano de fundo para Cury realizar inúmeras reflexões sobre alguns dos dramas que afligem a mente humana; dentre eles, o da morte.
Ele reflete da seguinte maneira: “Qual é o espaço mais sóbrio do grande manicômio social? [...] São os velórios. São eles os espaços mais lúcidos da sociedade. Neles nos desarmamos, nos despimos das vaidades, retiramos a maquiagem. Nesse espaço, somos o que somos. Para uma minoria, composta dos íntimos, o velório é uma fonte de desespero. Para uma maioria, composta dos mais distantes, uma fonte de reflexão. Para ambos, a verdade é crua: tombamos no silêncio de um túmulo não como doutores, intelectuais, líderes políticos, celebridades, mas como frágeis mortais”.
Alguém ouviu, alguma vez, a história de alguém que em seu leito de morte tenha reclamado que não trabalhou o suficiente? Ou que juntou poucas divisas? A realidade é óbvia: ninguém assiste ao filme da sua vida e lamenta as conquistas materiais; e sim os beijos que não deu, os abraços que não correspondeu, os minutos a mais antes de dormir que não dedicou ao filhinho pequeno que sempre implorava pela história dos Três Porquinhos.
Somos muito mais que uma nomeação, um posto ou graduação, um título. Muito mais que dois andares de concreto, confortavelmente mobiliados com televisões de plasma de 42 polegadas, lareiras e outros luxos, cercados por muros bem mais altos que conseguimos transpor e cercas eletrificadas. Hoje pode ser que nossa casa seja assim ou que a desejemos desse modo, mas não é eterno, porque a partir de algum momento seremos os inquilinos da mesma funerária que vejo de perto toda semana. E quanto será que terá valido a pena escabelar-se por problemas que não nos edificaram realmente?
É sorte sim, passar pela frente da funerária. Porque, por mais que haja uma quantia enorme de carros prontos para o cortejo, isso apenas demonstra que muitos amigos sentem a perda, mas em nada muda a condição do falecido. Ao passar por este local, na minha pressa de urbano e com os meus problemas insolúveis de homem atarefado, percebo que não vale a pena desperdiçar meus dias com coisas que não compensem.
Pois é num lugar assim que notamos que a vida corrida está asfixiando nosso prazer de viver, endurecendo nosso coração mais do que deveria. A sobriedade que assumimos durante e após um velório despe-nos das nossas fantasias. Porque cai a ficha, notamos nossa arrogância, o descaso com o próximo. E tanto nós como aqueles que não são tão bonitos, ricos e inteligentes fecharemos definitivamente os olhos da mesma maneira.

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