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ESCOLHAS NECESSÁRIAS

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses set/out 2007

Nem sempre valorizamos nossos amigos. E até mesmo aquelas pessoas que são meramente colegas de profissão ou estudo têm a possibilidade de um dia se achegarem mais e ter uma boa conversa ao pé do ouvido. Falar sobre assuntos internos, não apenas os superficialmente diários, mas aqueles que mexem com a emoção, que nos fazem ficar tristes, ou alegres, por que não?
Todos os dias conversando com as mesmas pessoas. Dá pra ficar nessa por anos e não valorizar tempo de convívio. Mas eis que o destino se divide e os rumos passam a ser outros, diferentes. A notícia do distanciamento surge no meio do nada. O papo ia tranqüilo, legal até então. Aí a bomba cai na mesa, à frente de todos. Escutam com espanto. Mas, desde quando você planejava isso? Por que não nos disse nada antes? Alguns sentem pesar, outros ficam indiferentes. Um bom observador, ou até mesmo alguém com a sensibilidade um pouco mais aguçada consegue notar os olhos brilhando à direita. A boca camufla com um sorriso, amarelado, disfarça. Mas não tem como esconder por completo. Sim, brilhando o olhar, lágrimas ansiosas por sair, mas contidas pela publicidade da situação. Começa a apertar o coração e aquela convicção de ir embora já nem é tão convicta assim. E nós, como é que fica? O que será da turma sem você? Quando você for arrumar as suas coisas, empacotar tudo, me chama que eu quero te ajudar. Lindo gesto. Ai de nós...
Dá dois dias e aqueles em que se passam dias sem conversar porque saíram do contato já estão sabendo. Você não disse nada, mas já têm conhecimento de causa. É verdade que você está partindo? Por quê?
Mas há um outro coraçãozinho permanentemente apertado lá longe, sofrendo há tempos. Sempre na desvantagem, já passa a ver uma pequena luzinha no final do túnel. E a luminosidade tende a aumentar com o passar dos dias. Será que os tempos de sofreguidão irão terminar? Será que a esperança pode ser alimentada? Ou é precipitado já cantar a vitória? E a tristeza vai dando lugar à angústia que tem data para acabar, mas parece nunca chegar. Interminável. E, lógico, sofrida. Muito.
Foi contar sobre a possibilidade e, mesmo sem estar vendo, só ouvindo, notar que o corpinho todo se encheu de alegria. O humor melhorou, rosas apareceram à sua volta e o sol esquentou ainda mais. Mesmo sendo noite. Um mundo de possibilidades e “serás” abriu-se. Será que...? Ou será que não? Será que dará para...? Será melhor! Aprontou-se para gritar de alegria, mas se conteve. Fora alertada pelo seu amor que nada era certo, tudo poderia cair por terra e a decepção tomaria proporções colossais. O melhor seria manter-se serena, como se fosse possível, e deixar as coisas acontecerem. Restava pensar que se o pirulito estava à sua frente, não era por acaso. Se não fosse para tê-lo, que nem lhe mostrassem. Pois é um pecado apresentar a uma criança sedenta um belo pirulito, fazer-lhe sentir o doce aroma e, bem próximo ao nariz, tirar-lhe dizendo que não o dará. “Eu espero você, o tempo que for, pra ficarmos juntos, mais uma vez”. Talvez a espera esteja acabando...
Dois corações em situações opostas. Cada um com os seus interesses em jogo. Amizade que se vai, amor que se aprochega. Realmente, nada é perfeito. Quando a gente se acostuma, cria raízes, cultiva amigos, engaja-se na rotina. Eis que aparece uma oportunidade. Tão desejada oportunidade. É ela. À sua frente. Desnuda, desejando-te. Não mais que você, mas desejosa. E surge, pra complicar a vida, o conflito de idéias. Deixo os amigos e vou de encontro ao meu amor? Ou mantenho as coisas como estão? Sim, isso é possível. É só não fazer nada. Será trabalhoso ir embora. Dispendioso de tempo e muita paciência. Além de altas taxas de azia devido à incerteza dos fatos. Se era o sonho a ser alcançado, por que não lutar por ele? A menos que os anseios tenham mudado, que os desejos não sejam os mesmos. Mas ainda são.
Conquistas só assim o são se forem difíceis, lutadas, suadas, trabalhadas. E sacrifícios têm que ser feitos, infelizmente, em prol de um bem maior. Por experiência própria, já é sabido a dor da separação de entes queridos. No passado, ficaram lá eles, cá cheguei. Mas à mesma época, o mesmo terno coraçãozinho já estava longe e continuou distante. E resiste até então às intempéries. O tempo passou e a distância dos primeiros amigos cada vez cresceu mais, mesmo sem termos saído do lugar. O carinho por todos continua o mesmo, mas a intimidade, tristemente, evaporou-se aos poucos.
A história repete-se com os entes atuais. Replay do drama. É por opção. Poderia decidir por deixar o coraçãozinho onde está, mas a escolha é esta. Sendo assim, que venha o coraçãozinho e fiquem os amigos. E também, ninguém vai morrer. Não é o fim dos dias. Apenas o término de um convívio alegre e construtivo a ambas as partes. Cada um cresceu com o outro, riram-se, foram admirados e admiraram, ficaram bravos e algumas praguejadas escapuliram. Faz parte do ser humano. Do convívio. Uns choram-se, há perda. Outros, riem-se, um futuro bom nos aguarda. Ao menos é o que se acredita. O bom é que vai ficar uma melancólica, mas muito boa lembrança da estadia.

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