segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A PRIVATIZAÇÃO PRISIONAL

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses jul/ago 2009

O Brasil já escolheu suas cidades-sede para a Copa de 2014. Agora começa a luta na busca por investidores privados. Gigantes como Itaú, Castrol e Continental já têm os contratos acertados com a FIFA. É o dito planeta-bola que movimenta bilhões Brasil afora. Concomitante a este relevante acontecimento, diversas problemáticas desenrolam-se no nosso Estado. Claro que não têm o brilho de um Mundial, nem parcerias milionárias, mas os problemas são muito mais complexos. Como a desesperante crise nos presídios deflagrada no Rio Grande do Sul.
A Polícia Civil cumpriu no final de maio 15 mandados de busca e apreensão em Canoas. Setenta agentes da polícia participaram. Era a culminância da Operação Tentação, que terminava após meses de investigação. Uma quadrilha de furto de caminhões do montante de 98 veículos. Até então, mais uma operação bem-sucedida pela polícia. Graças a Deus. Felizmente. Mas eis que o juiz da 4ª Vara Criminal de Canoas indeferiu o pedido de prisão preventiva desses malfeitores. O motivo: os presídios estão lotados e não há lugar para a quadrilha. Pois então a solução é manter toda a articulação criminosa solta, livre para permanecer com sua empreitada ilícita?
Todos esses fatos elucidam a precariedade de nosso sistema prisional. Não há uma política clara de reformulação dos presídios e da sistemática de ressocialização do apenado. Porque preso não vota, não elege político. É uma massa jogada entre quatro paredes, a escória da sociedade que a mesma faz questão de esquecer, ignorar e repudiar sempre que pode. Não há movimentação para transformar os apenados em mão-de-obra, em peças de reestruturação social. Porque não há um eficiente trabalho de reinserção na sociedade. Uma população fadada ao sol quadrado, desocupada, empilhada em presídios cheios e onde dormem ladrões de galinha e assassinos juntos; enquanto bandidos afortunados molham as mãos de advogados, juízes e driblam as leis com a mesma facilidade que Nilmar avança pela defesa adversária e marca um gol.
Os presídios nada mais são que um local onde quem é tido como impróprio para o convívio fica jogado e esquecido. Temos no estado quase 37 mil presidiários dos regimes aberto, semiaberto e fechado. As cadeias estão superlotadas há muito tempo e são muito precários os serviços de assistência médica, psicológica e educacional. O que ocorre então? Os detentos permanecem a maior parte do tempo desocupados. E mente ociosa é a mente do diabo.
O estado inicia um debate sobre uma solução, ao menos paliativa, de privatização do sistema carcerário. Um assunto polêmico que apresenta muitos prós e contras. O debate se estenderá por muito tempo e alguma solução será tomada. Que seja a melhor. E mesmo que não seja, é melhor que manter tudo como está.
Na edição de 13 de junho de 2009, de Zero Hora, uma reportagem especial encarrega-se de detalhar como se dá essa polêmica. Praticamente um porta-voz do SIM à privatização das cadeias, o Secretário Estadual de Planejamento e Gestão, Mateus Bandeira, apoia-se na ideia de que se o Estado não pode resolver o problema devido à burocracia e entraves políticos, a iniciativa privada pode. Experiências positivas nos Estados Unidos, Chile e em Joinville, Santa Catarina, são outros bons argumentos. O projeto que deverá ser proposto ao governo gaúcho é composto por um complexo de mais de três mil vagas, um custo médio de 2200 reais por detento, 27 anos de contrato, alimentação, assistência médica, odontológica e social, atendimento jurídico e psicológico, ensino fundamental, médio e profissionalizante, instalação de oficinas de trabalho, uniformes e segurança. Uma proposta tentadora que pode reduzir com muita rapidez o déficit atual de mais de 10 mil vagas. Seriam menos presos empilhados. Um pouco mais de humanidade.
CONTRA essa proposta, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, defende que é um papel constitucional do Estado o dever de abrigar os apenados. Pesa a perspectiva de seguranças privados realizarem a segurança interna, papel que cabe, hoje, à SUSEPE. O objetivo da empresa gestora passará a ser, então, o lucro, princípio básico da iniciativa privada, e não a recuperação e ressocialização do preso. Isso é uma mudança não desejável de objetivos na operação de um presídio. O custo de cada preso sobe com a participação da iniciativa privada. Passa de R$600,00 para R$2250,00. Contra-balança com esses números a estatística de 10 vezes menor reincidência em presídios de administrações privadas. Uma compensação pelo custo mais elevado. E o tamanho do estabelecimento penal, segundo o Ministro, é superior às recomendações internacionais, que preveem presídios de cerca de 450 presos.
O Estado luta para conseguir construir novos presídios. Empresas privadas tentam incluir-se nessa iniciativa. A população não-carcerária reclama que algo deve ser feito. Porque a carcerária há anos reivindica e não é ouvida. Briga-se por alguns milhões que possibilitem distribuir humanamente os detentos que hoje se aglomeram aos montes em minúsculas celas úmidas e sujas. O Governo briga para que desculpas esfarrapadas como as da Justiça de Canoas não sejam mais possíveis. Para que outras quadrilhas de caminhões, grupos de extermínio e demais bandidos sejam presos, tenham lugar onde tenham a possibilidade de serem recuperados para posteriormente retornarem ao convívio social. É um embate muito mais estressante e preocupante que os milhões a serem investidos nas cidades-sede da Copa de 2014. Um problema não tão midiático, por não haver tantos expectadores como no Mundial. Mas é, seguramente, muito mais importante.

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