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terça-feira, 9 de junho de 2020

Nada desde sempre



O filhotinho roía tudo o que encontrava. 
Com o vigor físico típico da juventude, o cachorrinho rolava e saltava, incansável.
Ele lembrou-se da mocidade.
Nunca fora assim.

domingo, 21 de dezembro de 2014

TALENTOS DA NOVA GERAÇÃO: VIVER A VIDA

Dando continuidade à publicação dos textos vencedores do 3º Concurso Literário Elvira Ceratti, ocorrido na Escola Municipal de Ensino Fundamental Elvira Ceratti, de Uruguaiana – RS, publico os poemas das categorias 7º Ano (poema) e 8º Ano (poema):

Viver a vida (poema) – aluna Adriana da Costa Espírito Santo – 7º Ano

Viver a vida é...
Passar com a família
é estar em cada momento
com seus amigos.

Viver a vida é...
aproveitar cada instante
Porque na vida não há
retornos, somente recordações

Na vida temos que aproveitar
o minuto que é tão doce e profundo
que existe uma vez no mundo.

A primavera... cor e amor (poema) – Nathaly Quevedo dos Santos – 8º Ano

A primavera é a mais bela,
As árvores estão frondosas
as flores são mimosas
isso só acontece na primavera

As cores das flores
aparentam ter sabores
As cores das flores
querem mais amores

poder ver as flores abrindo,
As folhas caindo,
as cores surgindo
é um privilégio agindo

Acordar de manhã e escutar
os pássaros cantando
vê-los voando, no céu rodando

no chão dançando.

domingo, 10 de julho de 2011

O QUE TE MOTIVA?

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 10 jul 2011.
Publicado no Jornal Tribuna, de Uruguaiana, com o título "Reprovado, motivado... aprovado", em 09 jul 11.

O que leva uma pessoa a acordar de madrugada, pegar dois ônibus, chegar às sete horas no trabalho, enfrentar um dia estressante, engolir 17 sapos do chefe, pegar mais dois ônibus e chegar tarde em casa? Uma rotina estafante, que ninguém deseja. Mas o trabalhador executa-a e ainda fica feliz porque rala, mas está empregado.

As obrigações diárias, a luta por uma vida melhor e o dinheiro para pagar os remédios da filha doente são fatores que levam uma pessoa a arrancar do corpo aquele “a mais” quando ele já clama por descanso.

Esses desejos que funcionam como mola propulsora, direcionando-nos pelo caminho A ou B, logicamente, são diferentes para cada pessoa. Sinto-me feliz ao escrever uma crônica. Não preciso receber elogio, mas se vier, cai bem. Em contrapartida, tenho um amigo que fica com os olhos brilhando quando fala do seu “Celtinha”. Há gente que se não sai no final de semana, fica angustiado. Para muitos, futebol no domingo à tarde é uma terapia inadiável. Também pode ser a compra da bolsa namorada há semanas.

Buscamos insaciavelmente a felicidade, o elixir da longevidade, o nirvana que pusemos em nossas cabeças que alcançaríamos quando crescêssemos. Deixamos a infância, a adolescência e a vida adulta, atingimos a maturidade e falecemos atrás dessa fórmula mágica. De acordo com a reportagem de capa “O que te motiva?”, da Revista Galileu deste último junho, essa busca, por si só, é um fator motivante.

É incrível que, ao mesmo tempo que atingimos os nossos objetivos, aquela vontade que se apossava de nós some rapidamente. De acordo com a reportagem, a insatisfação permanente é um recurso que a natureza inseriu em nós e que manteve a evolução das espécies. Certamente, pois se nossos ancestrais se contentassem apenas com o que caçavam no dia, não fariam reservas de alimentos e pereceriam nas épocas em que a comida era mais escassa.

As perspectivas mudam ao longo da vida e o que não era interessante, torna-se algo de muito valor para alguém. Não há motivação maior que a própria sobrevivência. Se for para manter-se vivendo decentemente, não titubeamos em fazer uma terceira jornada de trabalho. Que o digam os professores, profissionais que costumeiramente complementam a renda familiar com esse terceiro tempo do jogo. 

Longe dessas preocupações financeiras e na contramão da busca pelo sucesso, há algumas semanas presenciamos a decadente despedida dos gramados, de Ronaldo Nazário. Brilhante nos tempos áureos, Ronaldo Fenômeno recebera a alcunha que, à época, justificava tamanha exaltação. Mas o dinheiro transbordando dos bolsos e a exposição extenuante da sua imagem banalizaram os próprios objetivos. Ele e muitos jogadores que emergiram da pobreza lutaram arduamente até se firmarem no cenário esportivo. Melhorar de vida, poder tirar a família da situação de miserabilidade foram razões muito presentes na ascensão. Motivos louváveis.

Mas depois que o dinheiro ficou fácil demais, querer manter-se como “Fenômeno” e, quem sabe, equiparar-se a Pelé e Maradona, deixaram de ser desejos contundentes. Ronaldo aposentou as chuteiras movimentando milhões, mobilizando multidões e muito acima do peso necessário para desempenhar bem a sua função.

Nossos rumos seguem caminhos que pouco controlamos. E inseridos em um novo contexto, objetivos, intenções e motivações demonstram-se totalmente maleáveis. Muitos irão criticar novas posturas, alguns apoiarão, mas apenas nós mesmos é que saberemos se andamos na estrada certa ou pegamos a rua errada. Conquanto haja algo que nos motive, tudo fica mais possível de alcançar.

domingo, 26 de junho de 2011

A ordem natural dos fatos

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 26 de junho de 2011.

APRENDEMOS NA ESCOLA QUE A VIDA SEGUE UMA ORDEM PREESTABELECIDA. Nascer, crescer, se desenvolver, reproduzir, envelhecer e morrer. E achamos que o mundo é perfeitinho assim, do modo que nos pintaram no colégio, mas só com o tempo entendemos perfeitamente que esta ordem natural é passível a controvérsias e passamos a conhecer e entender a expressão “do pó viemos e ao pó retornaremos”.

Dias atrás, uma ex-colega da faculdade faleceu e fui ao seu velório. Falecia depois de meses lutando contra infecções oriundas de uma cirurgia de redução do estômago que fizera. Nesses lugares, a condição social pouco importa e a beleza é só um adjetivo que pertence ao mundo dos pretéritos. Ricos e pobres igualam-se, freiras e traficantes ficam em mesma situação. O que muda nisso tudo são, apenas, os amigos, que uns têm mais e outros, menos.

Mãe, marido, filho, sobrinhos e sobrinhas, tios e tias, toda a família chorava a perda do ente querido. Colegas de trabalho, vizinhos e amigos também lá estavam. Chegava muita gente, alguns permaneciam no recinto, outros saíam. Aquele entra-e-sai comprovava a estima da falecida com as pessoas que a rodeavam.

Ela era nova, 39 anos, com muita vida pela frente. Formara-se professora de Português há dois anos e exercia o ofício de educadora. Assim como muitas pessoas, concluíra o Ensino Médio, parara de estudar e anos mais tarde, retornara aos estudos.

Mas morrera antes da mãe. A ordem natural dos seres humanos invertia-se. Quando isso ocorre e o mais novo é quem falece antes, a dor parece ser maior. Porque não se espera isso. Acredita-se nessa tal “ordem natural” como se fosse uma regra inquebrável. Mas ela nem sempre é cumprida.

O mesmo ocorreu com meu primo. Da minha idade, faleceu logo após completar 18 anos. Inicialmente, não parecia ser verdade, porque a saúde estava bem, tinha vitalidade de sobra, namorava, tinha amigos. Mas um acidente de carro abreviou a ordem nascer, crescer, se desenvolver, reproduzir, envelhecer e morrer.

Naquela ocasião, encontrei-me com parentes que há tempos não via. Geralmente isso acontece: rostos familiares se reencontram apenas em momentos de desgraça. Infelizmente, não damos a devida importância às horas alegres para que sejam compartilhadas com os entes queridos.

Meu avô materno, que reside em outra cidade, passou a morar com meus pais nos últimos meses, para tratar-se de diversos problemas de saúde. A vida desregrada cobra-lhe, agora, os exageros de outrora. Essa convivência tem proporcionado muitos momentos alegres. Mas não era assim no passado. O tempo e a iminência da velhice fizeram bem ao rude pai.

Em situação parecida, minha avó recupera-se de câncer. Morando longe, passou pelos tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Agora faz novos exames para verificar a eficácia dos tratamentos.

Quando existe a possibilidade do falecimento de alguém próximo, torna-se impossível não se abalar com isso. E essa situação força-nos a refletirmos sobre as coisas que realmente importam, se os esforços envidados em prol de certos objetivos estão sendo sabiamente empregados e o quanto vale lamentar o insucesso ao invés de comemorar as vitórias.

A única certeza que temos é a morte e talvez seja o fato que mais enfrentamos dificuldade de aceitar. Porque ela não pode ser desfeita. É um caminho que só tem passagem de ida. De qualquer forma, ensejamos que a ordem natural ocorra e que os mais velhos faleçam antes dos mais novos. Contudo, acidentes de trânsito, drogas, brigas, problemas de saúde e muitos outros fatores são motivos mais que suficientes para modificar a lógica tão bem assentada em nossas mentes. Porque não há regra sem exceção no mundo real e contra isso, pouco podemos fazer.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O GOLPE DO DISQUE-SEQUESTRO

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 11 ago 2010.

Estamos com o seu filho. Não desligue o telefone, senão apagamos ele. Se avisar a polícia, ele morre. Você quer o seu filho vivo? Então deverá fazer exatamente o que estou dizendo. Deposite cinco mil reais nesta conta, anota aí.... E nada de avisar a polícia, certo?
Foi mais ou menos esse o diálogo inicial de um conhecido com o suposto sequestrador do seu filho, na semana passada. Um ótimo presente antecipado de Dia dos Pais. Contudo, não havia sequestrador, muito menos sequestrado. É um golpe ao qual muitas pessoas já sucumbiram. Não é novidade aos bandidos essa maneira de ganhar dinheiro “fácil”. Infelizmente, a mente humana tem o seu brilhantismo também à disposição do mal.
A história acima ocorreu ao amanhecer da quinta passada, com dois idosos. Eles tomavam seu chimarrão costumeiro quando receberam a ligação pelo celular. Ao ouvir que o filho fora sequestrado, o pai mal conseguiu raciocinar e continuou acreditando na mentira maldosa. Era cedo e o banco não havia aberto ainda. Saiu o casal, desesperado pela rua, gritando que o filho iria morrer, a caminho do banco. “É caso de vida ou morte”, respondeu a mãe ao segurança do banco. Este chamou o gerente, que os mandou entrar. Enquanto a polícia dirigia-se ao banco, acionada pela gerência, o pai continuava ao telefone, sendo ameaçado pelos sequestradores. O desespero era tanto que a mãe não recordava o número do filho, até lembrar-se que estava anotado na sua agenda. A ligação foi realizada e o filho, que estava são e salvo em casa, tranquilizou todos. Ficou evidente que se tratava de um falso sequestro pelo telefone. Realmente, não passava de uma ligação feita por bandidos que tentavam subtrair dinheiro de duas pessoas que não conheciam, mas sabiam dos efeitos devastadores das suas palavras.
“Eu escutei a voz do meu filho, era ele mesmo”. O desespero em que a pessoa entra após ouvir que alguma pessoa muito próxima foi sequestrada acaba por diminuir o discernimento entre realidade e ficção. É o que afirmou o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, na edição de 12 de fevereiro de 2007, da Revista Veja: “O estado de desorganização mental que se segue a uma notícia de acidente ou sequestro do filho ou cônjuge faz com que a vítima entre em um estado de quase-hipnose”. A reportagem antiga faz perceber que o golpe é antigo. Ainda assim, muita gente continua sendo vítima de pilantragens como essa.
Outra modalidade semelhante ao “disque-sequestro” é a “ligação-premiada”, onde um suposto funcionário de uma empresa conhecida informa que a pessoa ganhou boa quantia em dinheiro e para que seja depositado na sua conta, deve comprar cartões telefônicos e informar o número do código, ou então depositar 500 reais para ganhar os dois mil da premiação.
Ligações como essas podem ocorrer tanto em São Paulo como em Uruguaiana. Ainda mais com a facilidade que existe, atualmente, em acessar as informações de qualquer pessoa. As lojas detêm um cadastro com incontáveis informações pessoais, que vão de nome completo a filiação, CPF e endereço.
As redes de relacionamento na internet dispõem de álbuns de foto, onde o internauta divulga imagens da sua casa, dos pais, filhos, irmãos, amigos de maior convivência, local de trabalho, isso se não escancarar o endereço e o número do celular. Basta um acesso rápido aos álbuns, nem sempre disponíveis apenas a amigos, mas a amigos dos amigos ou àqueles que são adicionados sem realmente sabermos quem são e, pronto, tem-se uma ficha completa. Também são encontradas informações que você quer que apareçam e também o que não quer se digitar o seu nome no site do Google: concursos realizados, aprovações, promoções em empresa pública ou caso seja citado num site; tudo isto estará/está disponível na web.
É muita informação solta, livre e fácil de ser encontrada e fica difícil manter em segredo, na internet, a própria atividade profissional, rede de amigos e demais dados pessoais. Ajuda se controlar o impulso de postar na internet tudo o que ocorre consigo. A foto está tão bonita, dá tanta vontade de deixá-la pública para que os meus amigos vejam. E para que os inimigos invejem. É um enorme campo para contraventores aproveitarem-se e usarem contra nós. Não se desesperar ao ouvir o anúncio do sequestro, quando ele pode ser verdadeiro, é uma tarefa difícil. Mas é possível bloquear imagens, selecioná-las melhor para que nossa vida fique menos exposta e tentar permanecer sempre atento a qualquer chamada fora do usual.

AMOR PARA NUNCA ESQUECER


Publicado no Jornal da Cidade Online, em 30 mai 2010

O primeiro dia de qualquer ano geralmente é reservado para o descanso. Se não foi realizado ainda, fazemos o balanço do ano que acabou e as projeções para o bebê que nasceu à meia-noite. Mas para Genuíno Ferri e Wanda Scarello Ferri a data marcou o início de uma longa história de amor. Os dois casavam no dia 1º de janeiro de 1949. Hoje, com 87 e 83 anos, respectivamente, ambos protagonizam uma história ainda mais linda que aquela do fim da década de 40. Wanda possui a doença de Alzheimer e com o passar dos dias, sua memória fica cada vez mais fraca. No intuito de fazer com que a esposa não esqueça os momentos passados juntos, seu esposo decidiu escrever a história de ambos em forma de romance.
A reportagem foi feita pelo jornal Zero Hora, publicada no dia 23 de janeiro de 2010. Mas fiquei sabendo não por abrir o jornal e deparar-me com a história de Genuíno, ou Seu Gino como é conhecido. Uma amiga mandou-me um e-mail comentando sobre a história romanceada de Gino e Wanda: “A história me encantou. Lê, tenho certeza que vai te inspirar uma nova crônica”. Com certeza inspiraria qualquer um a divagar sobre o amor, a filosofar sobre o casamento, a olhar para a sua amada e pensar, puxa, isso é que é prova de amor...
E Gino não é nenhum super-homem. Mas é um escritor. E isso já lhe facilita escrever sobre a longa caminhada do casal. Os dois moram em Encantado, nada mais sugestivo. São poucas as pessoas que têm condições de concretizar um feito desses. Porque é difícil haver um casamento que dure tanto. Geralmente as histórias de amor têm sido no prazo de meses ou poucos anos. Ou então, um dos dois já faleceu. São 61 anos de casamento, de cumplicidade. Não é pouco, não.
Lendo a reportagem recordei de meu bisavô, falecido em junho de 2008, após 91 anos de vida. Eu estava viajando a trabalho e não tive como ir ao seu velório. Mas assim que pude fui a sua cidade e tratei de ver minha bisavó, que ficava sozinha no mundo após 69 anos de casamento. Conversava com ela e por vezes não era reconhecido. Ela logo retomava o fio da meada e conversava normalmente. Fiquei tão triste quando ouvi essas palavras: “O meu velhinho se foi e eu fiquei aqui, sozinha”. Ao mesmo tempo achei incrível a cumplicidade que tinham, maravilhoso o amor entre os dois. Estava desamparada. Por mais que os filhos estejam com ela, lhe auxiliem nas atividades que agora são um tanto trabalhosas, ela não possui mais o espelho da sua alma, aquele senhor que a ouvia com paciência e chorava junto. Não digo que a relação dos dois sempre foi de rosas. Mas se existiu até então, é porque algum valor havia.
Pode ser que essa não tenha sido a primeira vez que alguém decidiu documentar a história para seu amor porque ele não se lembraria mais tarde do ocorrido. Não conheço nenhuma histórias dessas que seja real, antes do Seu Gino. Mas o cinema já dera a ideia antes, com o Como se fosse a primeira vez, com Drew Barrymore e Adam Sandler. Ela possuía uma doença que a fazia esquecer tudo o que ocorrera consigo após levantar-se no dia seguinte. E para mantê-la apaixonada e sabedora do amor entre os dois, ele decidiu filmá-los. Era uma conquista diária. Uma difícil arte de conquistar a cada amanhecer.
Wanda não está numa situação tão crítica quanto a personagem de Drew. Mas ao ler o romance de Gino, se manterá apaixonada da mesma forma. Em vida, meu bisavô talvez nem soubesse direito o que era um romance. Mas ambos viveram história tão bela quanto a noticiada. O diferencial é que Seu Gino pôde eternizar tudo o que passou e ultrapassou a simples questão de fazer sua esposa recordar as histórias dos dois. Ele fez uma homenagem a Wanda e todos que contracenaram na história do casal e que lerem o livro serão testemunhas disso.

POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA

Publicado no Jornal Pampiano de 30 de janeiro de 2010

Dizem que sempre é bom manter uma boa política de vizinhança. Relacionar-se bem com os vizinhos, ser querido pelos demais moradores do prédio, pelos inquilinos das casas ao lado. Mas nem sempre é uma tarefa fácil. Ainda mais se houver um vizinho decididamente inconveniente. Se alguém estiver determinado a tirar-nos do sério. Se é descabido com suas atitudes, desrespeitando o espaço do outro. Mas vamos falar de algo mais palpável, concreto.
Em toda a vizinhança há apenas uma lixeira. Em frente onde moro. Minha. Serve para pôr os detritos que sobram das minhas comidas, as minhas sobras. Sim, dei-me ao trabalho de comprar uma lixeira, fazer massa, concretar a base, tudo isso para não colocar o lixo no chão até o caminhão da empresa licitada passar. Os demais moradores da rua, apesar de não possuírem lixeira, colocam-os como podem, em cima dos seus muros, pendurado em árvores à frente das suas casas. Até o momento, nenhum problema na situação. Não fosse algum vizinho, ainda não identificado até o momento, colocar o seu lixo na lixeira de casa, não deixando espaço nenhum para nosso lixo. Quer colocar o lixo, ponha depois que o de casa estiver posto. Não quero ser egoísta em dizer que não podem colocar o lixo lá. Desde que o meu espaço esteja respeitado.
Vou contar o fato que fez com que investisse o meu tempo falando sobre pessoas desagradáveis e situações também desgostosas como essas. Com as festas de final de ano muito lixo ficou acumulado. Era segunda-feira, o primeiro dia útil do ano, dia de o caminhão do lixo passar. No domingo à noite, por surpresa minha, a lixeira já estava abarrotada de porcarias e nenhuma delas era lá de casa. Onde ficou o meu lixo até o outro dia, quando passaram pra recolher? No chão, é obvio. Jogado a toda sorte, propício a cachorros de rua passarem, pegarem alguma comida, bagunçarem tudo e saírem. Adonar-se do que é seu não é algo legal. Nem um pouco.
No momento de raiva, imediatamente após verificar o que haviam feito, cheguei a pensar em ficar de tocaia na véspera do próximo dia que passasse o lixeiro, pegar o meliante no flagra, dar um sermão, xingá-lo. Mas a cabeça esfriou e vi a idiotice que pensava. Um erro não justifica fazer outro erro. Se não respeitam, não é desrespeitando o outro também que o erro será corrigido.
Assim como há pessoas assim, que agem intencionalmente, há muitas outras que não se tocam quando são inconvenientes, desagradáveis. Ou percebem tarde. Nessas horas, quando a ficha cai que o não quisto é você, o melhor a fazer e sair o quanto antes, de fininho.
Podemos encontrar espécimes em todo o canto. No MSN, então, há uma récua desses. O meio virtual faz as pessoas tornarem-se mais desinibidas. E muitas não sabem como lidar com isso. Cada palavra tem um emoticon correspondente e quando vai falar aparece coração, seta, bichinho correndo, explosão, letra animada, frase e aí vai. Se a pessoa não está acostumada com a linguagem virtual é um sofrimento pra decifrar. Ou então não para de chamar a atenção, escreve um monte de coisa e pede opinião toda hora. É o chato online. Existe, inclusive, reportagens que dão dicas de boas maneiras na internet. Porque é importante ser agradável ao vivo e virtualmente também.
Essa fato faz-me lembrar de uma amiga minha que no meio da conversa ficou offline e continuou a conversar comigo. Disse que tinha um colega de trabalho importunando, não parava de falar de trabalho. E isso era domingo, o dia da folga merecida. Ao menos deveria ser da folga. Ficou aparecendo offline para que não fosse incomodada.
E é disso que tenho medo. De ser como esse colega de trabalho. Porque o chato geralmente é o outro. Mas um dia pode ser que sejamos nós. A Martha Medeiros até fez uma crônica tempo atrás questionando quando somos nós os chatos.
Encontramos gente de todo estilo, bem e mau intencionadas. Seja o chato, que é bem intencionado, exagerado. Sejam meus vizinhos do lixo, desrespeitando o convívio harmonioso entre as pessoas. De qualquer modo, sempre haverá alguém assim próximo de nós, na internet ou seremos nós mesmos.

AQUI NÃO TEM SHOPPING!

Publicado n'O Jornal de Uruguaiana de 26 mai 10

No meu trabalho há muita gente que vem de outras cidades do estado e outros estados do Brasil. Muitos são a contragosto, por motivo de transferência forçada e alguns porque querem. Ouço muitas reclamações quanto a Uruguaiana, cidade de onde vos escrevo e que considero como minha cidade, mesmo não sendo a natalícia. Aqui não tem shopping, não tem praia, nem MacDonald's, Pizza Hut, e segue a ladainha. Realmente não tem isso, nem Morro do Alemão e engarrafamento.
Não posso dizer que fico triste com o que declaram daqui. O termo correto seria decepção, desalento. Porque vejo que se alguém se muda para cá não querendo, significa que tem grandes chances de permanecer durante toda a estadia nesta cidade achando-a ruim e por isso mesmo, não descobrindo as boas oportunidades que poderá encontrar.
Se você está indo para uma nova cidade morar, é interessante que abra o coração e a mente aos novos costumes que encontrará. E se a transição cultural for muito grande, porque há gente do Nordeste, Norte e Sudeste que migra, é muito válida toda e qualquer tentativa de adaptar-se. Ninguém vai perder as raízes só porque toma chimarrão ou porque aprende a cantar o Hino Riograndense. Nem porque não vai mais ao Shopping Iguatemi, em São Paulo, e sim ao “Shopping da Baixada”.
O livro “Seja feliz sem querer controlar tudo”, de Joe Caruso, fala algo sobre isso. Sobre a questão de não conseguirmos controlar as coisas a nossa volta, nem as pessoas, nem os acontecimentos. O poder consiste, efetivamente, em controlar a nossa reação perante os fatos, a maneira como encararemos a nova situação. Se não foi possível morar em outra cidade que lhe agradasse, se não houve como controlar a escolha da cidade, então concentre as atenções em ver quais são as vantagens do novo habitat, controle o seu pensamento e foque-o na busca por tornar o novo lar no melhor lar do mundo.
Porque o local que vivemos é bom ou ruim dependendo, principalmente, das pessoas com que nos relacionamos, das relações que tecemos ao longo do tempo, das amizades que cultivamos. Eu mesmo, quando vim para Uruguaiana em 1999, não gostava da cidade. E qual era o motivo? Deixava na terra natal muitos amigos e uma vida calma e segura. Ingressava aqui num novo território, um mar de surpresas ainda a serem desveladas, precisava tecer novas teias de amigos. E comecei a gostar da cidade a partir do momento que construí amizades. Desde então, saí para estudar e trabalhar fora e na primeira oportunidade que surgiu para retornar, juntei as trouxas, subi na mula e troteei até aqui.
Uruguaiana tem 125 mil habitantes. Não é uma cidade de grandes proporções. Não se compara a São Paulo nem ao Rio de Janeiro. Porto Alegre é um formigueiro de pessoas comparado a aqui. Não possui, é verdade, MacDonald's, nem Pizza Hut. Algumas favelas dos grandes centros possuem quase a população daqui. Faltam opções de cultura e lazer? Pode ser que não tenha na multiplicidade ideal, mas tem. Mas há aqui coisas que em outros lugares não são possíveis...
Por acaso é possível, morando em Belo Horizonte, andar menos de 10 quilômetros e jantar num restaurante no exterior? Em poucos minutos atravessa-se a ponte e nos deparamos com uma cultura bem distinta da nossa. E olha que a vizinha argentina Paso de los Libres é a cidade mais próxima de Uruguaiana. Depois dela, encontramos Barra do Quaraí a 70km, Itaqui a 100km e Alegrete a 150km. Só em Uruguaiana e noutras cidades fronteiriças temos possibilidades semelhantes. Só em cidades assim podemos nos deparar com frequência que até se torna natural, com um argentino fazendo compras com toda a família.
Para quem me fala que a cidade até poderia ser boa se não fosse tão longe de Porto Alegre, eu respondo que aqui não é longe da capital, e sim perto de Buenos Aires. Fica praticamente no caminho entre a capital argentina e a capital gaúcha. A 680km de Buenos e 630km de Porto. Quem é natural de regiões longínquas do Brasil, morar aqui é a grande oportunidade da vida para ir à Patagônia, a Mar del Plata, Montevidéu, Punta del Este ou Bariloche por um preço bem em conta.
Não se trata de morar num lugar com completa infraestrutura, dezenas de salas de cinema, shopping de oito andares, autódromo, parque temático, fast foods e qualquer outra demonstração arquitetônica de desenvolvimento urbano. Trata-se de saber colher os bons frutos que aquele local que habitamos tem, tirar vantagem mesmo que nos consideremos desvantajosos. Ainda que não controlemos o destino de nossa morada futura, podemos aprender a lidar em como encarar essa mudança. E da melhor maneira possível.

DEZ COISAS INUSITADAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER III

Publicado no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Na busca pelas dez coisas inusitadas que me agradariam fazer, procurei se havia alguma literatura sobre o assunto. Não encontrei e se encontrarem, peço compadecidamente, enviem-me a URL porque acharia interessante comparar os posicionamentos. Encontrei, sim, algumas breves reflexões no Yahoo! Respostas. Um rapaz lançava ao ar por que devemos fazer coisas inusitadas? Mas não penso como ele. Da maneira como falou o devemos parece que fazer algo inusitado é uma obrigação. Não me sinto obrigado a realizar o que imagino. Talvez ele propusesse que quebrássemos a rotina. E isso também não precisamos encarar como obrigação, mas como filosofia de vida. Porque o rotineiro deixa de enxergar as belezas que o cercam, faz as coisas sem tanta motivação quanto se novas fossem.
A melhor resposta escolhida pelo questionador foi para sacudir a poeira da rotina em nossas vidas. Que busquemos realizar essas dez coisas inusitadas ou simplesmente joguemos gotas de imaginação em nossas mentes e pensemos em coisas diferentes. Chega de pensar dentro da caixa, pensemos fora dela, tiremos os limites.
Essa busca pelo não-rotineiro deve ter inspirado o filme “Antes de partir”. Já diz o narrador em primeira pessoa no início do filme: “Edward Cole morreu em maio, numa tarde de domingo [...] ele aproveitou mais os seus últimos dias de vida que a maioria das pessoas consegue aproveitar numa vida inteira.” E o filme, por sua vez, deve ter inspirado a terceira geração a viajar cada vez mais. As agências perceberam um segmento em potencial e quando se avança no tempo, muitos valores são revistos e aumenta a necessidade de encontrar algo diferente do que foi feito até então. A vida torna-se mais mansa (quando problemas de doença e miserabilidade salarial não assolam os nossos velhinhos) e sobra mais tempo para fazer, finalmente!, tudo aquilo que quando mais jovem foi protelado.
Vemos mais senhores e senhoras aproveitando as economias do ano inteiro e investindo em cruzeiros marítimos, passeios e viagens. Ano passado encontrei um grupo da terceira idade na praia. Estavam hospedados no mesmo hotel que eu. Faziam, inclusive, mais alvoroço que eu na flor dos meus 23 anos. Acordavam cedo, saíam para o mar, chegavam ao meio dia, almoçavam e não dava bem 13h30min já estavam de volta à praia. À tardinha a história repetia-se e à noite saíam, mas o local não cheguei a descobrir. Nesses instantes que estavam no hotel, era um entra e sai nos quartos, uma conversação intermitente e risadas. Pareciam mais novos que muito adolescente. Isso me fez lembrar da minha avó materna. Todo final de ano viaja de excursão para alguma praia, algum parque temático. São duas semanas que ela some e aparece depois com muitas fotos e histórias na ponta da língua. A última foi um cruzeiro marítimo pela costa brasileira, parada no Rio de Janeiro com direito a foto no Pão de Açúcar e o retorno para casa de avião. Aventura que não deve ter imaginado quando mais nova. Ou talvez ela já tivesse feito muito antes uma relação das coisas inusitadas que gostaria de realizar.
Completando as minhas dez coisas inusitadas que gostaria de fazer, falo da penúltima. Andar na lua. Após Apollo 11 em 1969 e as inúmeras excursões à lua que vieram depois, poderia vir a minha excursão. Há quem planeje excursões pagas até o nosso satélite natural e quem desembolse os astronômicos -desculpe o trocadilho- valores exigidos. Se um dia os tiver, talvez pense em pagar. Mas vejo muito mais como forma de desperdício gastá-lo assim. Há muita gente precisando e eu desperdiçando. Talvez eu não me sinta bem com a situação.
E a última coisa inusitada seria ser invisível. Sê-lo para andar por aí sem preocupação de ser assaltado, poder ouvir conversas que só assim são possíveis, aprontar travessuras e deixar a vítima desconfiada e sem resposta. Mas que fosse algo passageiro. Ser assim definitivamente não me agradaria nem um pouco. Não é preciso usar muito a imaginação para ver as catastróficas consequências. O filme “O homem sem sombra” já fez toda a reflexão e ilustra quão terrificante seria se alguém atingisse a transparência total e eterna. Além do desespero de perder a sua identidade e rede social porque ninguém mais lhe vê, as possibilidades tornam-se inúmeras de fazer o mal sem ser flagrado. Prefiro que me vejam. Se for para ser invisível, que seja de hoje até amanhã pela manhã.
Ficaram de fora tantos outros desejos. Foi difícil selecionar apenas dez. Faltou dizer que eu gostaria de voar de balão, de parapente, atravessar paredes, ganhar na loteria, ser presidente do Brasil, ter a foto estampada na capa de uma revista de circulação nacional, conhecer as sete maravilhas do mundo. E se o tempo não fosse um senhor inflexível, conversar com Jesus, ter conhecido Hitler (não se trata de apologia ao nazismo, mas mesmo tendo sido um terrível ditador, seu valor como grande líder faz-lhe valer conhecer), cruzar a pé o Mar Vermelho e se minha voz permitisse, cantar uma música com o Raul Seixas.
Há quem tenha colocado objetivos mais modestos. Ou mais realistas. Conseguir quitar a casa própria pode tornar-se uma missão tão dramática e difícil quanto uma das dez coisas inusitadas citadas. Vale escolher os seus dez desejos, vale driblar a rotina, vale fazer algo inesperado, vale surpreender aos outros e a si mesmo. Vale buscar o melhor. Porque o mais importante é não se acomodar, é pensar fora da caixa e além dela.

DEZ COISAS INUSITADAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER II

 Publicado no jornal Letras Santiaguenses de mai/jun 2010

Na outra crônica relatei quatro das dez coisas inusitadas que gostaria de fazer. Surgiu-me a ideia, como havia dito anteriormente, após ver o lançamento de um foguete no filme “O estranho caso de Benjamin Button”. Relacionei as quatro primeiras. Ver o lançamento de um foguete, dirigir um carro de Fórmula 1, rir até perder as forças e saltar de paraquedas e bungee jump.
Perguntei-me, por que coisas inusitadas e não coisas comuns? Ora, se eu pedisse coisas comuns que gostaria de fazer, a relação seria interminável. Teríamos assinalados passar de ano, ganhar uma camiseta cara que vi na loja, emagrecer cinco quilos, ter um emprego melhor, e quem não quer um emprego melhor?, um salário mais gordo, maior reconhecimento pelo nosso trabalho. Esqueça os desejos comuns, pense em realizações astronômicas, em coisas que provavelmente não possam acontecer, liberte a sua imaginação.
Valendo-me dessa imaginação sobre coisas surreais, nomeei como quinto desejo correr quase tanto quanto o Forrest Gump. Tanto quanto ele é modo de dizer. Inclusive, não tenho a pretensão de um dia correr dezenas de quilômetros, vencer maratonas, quebrar recordes, virar dias correndo. Não que não ache possível. Sim, é. Mas não gosto tanto assim de correr pra tentar algo parecido. O que a corrida do Forrest me transmite é uma total liberdade, total despreocupação se já está na hora de ir trabalhar. Passa-me na cabeça vê-lo correr com despretensão em atingir um objetivo, a ação de fazer simplesmente o que gosta, ignorando opiniões externas.
A sexta coisa inusitada é competir em uma Olimpíada. Quem não gostaria de competir no Olimpo? perguntei-me ao relacioná-la. Já achei opinião contrária quando uma amiga respondeu-me as dez coisas inusitadas que ela gostaria de fazer. Seu medo era não obter a medalha de ouro e ser duramente criticada depois do insucesso. E também não desejava isso porque acreditava que teria vergonha de ser vista por todo o mundo. Ora, provavelmente essa seria a razão de eu querer competir numa Olimpíada. Lógico que vale acrescentar o valor de representar um país numa competição internacional. Também não é meu sonho de consumo estar entre os atletas de ponta do mundo inteiro. Meu basquete e vôlei são modestos, o futebol é ruinzinho e não há mais nenhuma outra modalidade em que eu possa enquadrar-me. Mesmo não sendo um projeto de vida, seria ótimo competir.
Também acharia muito interessante percorrer o Brasil e, por que não, a América Latina de moto. Esse veículo, por si só, já carrega consigo uma aura de liberdade. E perigo também. Você não tem ferramentas em volta do seu corpo protegendo, pega o vento na cara, pode esticar as pernas para a frente, para o lado. Impossível não se sentir mais livre, mais solto. Mas é perigosa pelos mesmos motivos que dão a sensação de liberdade. Quase sem carenagem em torno do veículo, qualquer colisão pode tornar-se num acidente sério, o motorista é praticamente o parachoque do veículo. E essa mania de esticar as pernas enquanto dirige a moto para algumas pessoas evoluiu em acrobacias de alto grau de periculosidade. Não é raro ver um motoqueiro segurando a moto pelo guidão, com o tronco deitado sobre a moto e as pernas esticadas para além da traseira do veículo. Um simples gatinho cruzando no meio da estrada pode desestabilizar o motoqueiro nessa situação e creio que dele não sobre nem a arcada.
Independente dos prós e contras, percorrer esse Brasil infinito ou mesmo a nossa América seria uma aventura sem precedentes. No filme Diários de motocicleta aparece o revolucionário Che Guevara, ainda um desconhecido, realizando essa aventura. Ele possuía ideais e carregava consigo desde já um cunho sócio-político muito intenso. A minha ideia é bem mais modesta. Conhecer as terras que só sabemos existentes devido aos mapas e à internet . Muito mais uma aventura do que a viagem política de Che.
O oitavo desejo inusitado é o mesmo de muitas crianças: voar. Crescemos e vamos perdendo essa vontade. Seja porque percebemos ser impossível ou porque nossa imaginação reduz-se a zero, preocupamo-nos muito mais em coisas de adulto, ser alguém, ter alguma coisa; e nos esquecemos de ser criança de vez em quando, esquecemos que podemos voar. Se não for de corpo, que seja na mente. Gostaria de voar, tendo asas ou não. Mais que levitar, onde as pessoas perdem o contato do chão e ficam apenas a alguns centímetros dele. A minha ideia é poder levantar voo a qualquer hora, na altitude que desejar. Já se o dom atingisse a todos, causaria muitos transtornos. Teria o perigo de colisões de humanos-voadores com aviões; as empresas automobilísticas, petrolíferas e todas as áreas afins ficariam muito desgostosas e de alguma forma tentariam boicotar essa possibilidade de voos humanos, talvez delimitando horários restritos para voarmos, induzindo ao uso dos carros.
Essa relação de itens permanece em constante mudança. Pode ser que daqui a alguns meses as dez coisas inusitadas não sejam mais as mesmas. Ou nem sejam mais inusitadas. Apostaria minhas fichas que ao menos duas ou três trocariam. Porque estamos em permanente revisão dos nossos objetivos. O que é válido, sim, é libertar-se para o mundo da imaginação. É querer voar e saber-se limitado para isso. E ainda assim não se preocupar com esse detalhe. E ainda assim sonhar.

DEZ COISAS INUSITADAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER I

 Publicado no Jornal Letras Santiaguenses nov/dez 2009

Vi um foguete sendo lançado no filme “O estranho caso de Benjamin Button” e pensei comigo “Taí uma coisa que eu gostaria de fazer em vida: ver o lançamento de um foguete ao vivo e a cores”. E desencadeei uma série de associações que me fizeram voltar ao filme “Antes de partir”, com os magníficos Jack Nicholson (Edward Cole) e Morgan Freeman (Carter Chambers). Neste último filme, Edward e Carter estão em fase terminal e seguem uma lista de desejos a serem realizados antes de morrerem, se desse tempo. Saem a contragosto de todos do hospital e viajam pelo mundo fazendo coisas que nunca haviam tido coragem ou até mesmo porque lhes faltava tempo. Para eles, o tempo já não importava mais.
Diferente de todos que se encantaram com a história da criança que nasce velha e rejuvenesce com o passar dos anos, o que mais me chamou a atenção foi o lançamento do dito foguete. Fiz, então, uma relação de 10 coisas inusitadas que eu gostaria de fazer. Primeiro, foi difícil passar do número um, que por sinal já tinha sido feito: o foguete. Aos poucos, empolguei-me com essa ideia e cheguei a treze itens. E suei a caneta para diminuí-los.
Vou falar, primeiramente, sobre quatro itens. Numa próxima oportunidade relato os outros seis e fecho os dez.
O primeiro desejo, que não é novidade, é ver o lançamento de um foguete. Fazendo um paralelismo de ideias, o personagem do Antes de partir tinha um desejo de “vislumbrar algo grandioso”. Para ele, isso significava ver as montanhas do Himalaia. Para mim, ver a estrondosa quantia de energia gasta para pôr em movimento uma aeronave de incontáveis toneladas e o tamanho que deve ser aquilo é, sim, vislumbrar uma coisa grandiosa.
O segundo desejo seria dirigir um carro de Fórmula 1. Não sei por que, mas não é o desejo de um Fórmula Indy ou um carro da Stock Car, e sim da Fórmula 1. Talvez seja porque a Globo está no meio, faz muita propaganda, é a corrida que ela transmite nos domingos desde antes mesmo eu nascer. Até porque não gosto muito de carro, está mais para souvenir. Não me chama a atenção. É bom pra andar, traz conforto, protege na chuva e no frio, mas em contrapartida dá muito gasto em manutenção e combustível. O IPVA é caro, do seguro obrigatório também não tem como fugir, os pneus de tempo em tempo precisam ser comprados novos e o óleo a cada oito mil quilômetros, no meu caso, precisa ser trocado. Acho que o desejo de dirigir um Fórmula 1 resume-se a apenas uma corrida, ou talvez uma volta em Interlagos com todo aquele povo gritando e torcendo por mim como se eu fosse o Schumacher. Já aviso que essa ideia de dirigir um Fórmula 1 não surgiu comigo, não sou pioneiro nisso, não. Tem até uma comunidade no Orkut semelhante a isso: “Eu nunca bati um carro de F1”. Ora, Rubinho e Felipe Massa não poderão participar dessa comunidade...
O terceiro item é rir até perder as forças ou mesmo desmaiar. E esse talvez seja o desejo mais feliz dentre todos os meus. Porque rir faz bem para o corpo, é bom para a estima. Há, inclusive, estudos sobre o assunto. Desde pequeno sei que é melhor rir do que chorar, porque chorar te faz movimentar menos músculos que rir. Já é um argumento, ou como diz o ditado, rir é o melhor remédio. Recordo-me que nos idos tempos de colégio fiz aulas de teatro e logo no começo a professora começou a rir e disse que em breve todos iriam estar rindo, mostrando-nos que ele é contagioso. Dito e feito: primeiro um, depois mais dois, em pouco tempo todos riam à la loca. Ri de atirar-me no chão e simplesmente não havia motivo nenhum. Nem piada, nem acontecimento engraçado, nada mesmo. Apenas o motivo de ver outra pessoa rindo e dar-me vontade também de rir. Pois pus esse item porque sempre é bom estar alegre e mesmo que não desmaie de tanto rir, ter isso como objetivo já me fará perseguir essa meta, ou seja, já me fará dar boas gargalhadas.
A quarta coisa inusitada que eu gostaria de fazer é saltar de paraquedas e bungee jump. Dentre todos os itens assinalados, o anterior e esse talvez sejam os mais acessíveis. Mas saltar possivelmente não ocorra porque como diz o ditado o medo não é como a coragem. Já fiz rapel de rochedo, de um morro de cem metros, de um prédio em construção, mas saltar para o vazio é um tanto diferente. Tenho certeza que depois de feito o salto, aterrado e com a adrenalina ainda no corpo, vou vibrar e até pensar em fazer de novo. Mas o problema mora em subir no avião, vestir o paraquedas e efetivamente saltar, vendo tudo lá embaixo minúsculo. Saltar de bungee jump deve ser uma adrenalina ainda maior, porque você não sente nada preso nas costas, apenas um material te enganchando na perna. Aí vem o salto, o esticar do elástico e o ricochete. Mesma coisa: depois de feito, a sensação de segurança aliada ao mar de adrenalina deve ser maravilhosa. Quero bis! Mas haja coragem para dar o primeiro passo...
Essas quatro são as primeiras das dez coisas inusitadas que gostaria de fazer. E quais são as suas 10 coisas inusitadas que gostaria de fazer? Se preferir, não precisa ser inusitada. Se quiser não precisa ter compromisso em fazê-las. Eu mesmo não tenho esperança em realizar a maior parte. Até porque muitas das dez são impossíveis. Mas isso não me impede de imaginar e sonhar, conscientemente, em fazer dez coisas fora da casinha que eu acharia interessante. Sendo assim, puxe um bloquinho de papel, um lápis e anote...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A SOBRIEDADE DE UM VELÓRIO

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses set/out 2009

Um dos caminhos mais costumeiros que realizo para chegar a minha residência passa por uma casa funerária. Talvez por azar ou até mesmo por sorte, não há semana que não realizo este itinerário, ainda que planeje mirabolantes trajetos alternativos para desviar desse curso. Diria sorte, talvez porque acredito que a simples questão de cruzar por uma funerária, apesar de não proporcionar a sensação mais gostosa do mundo, já me leva a refletir sobre muitos aspectos da minha vida e por vezes faz diminuir a ansiedade que sinto devido a qualquer motivo. Explicarei.
Ninguém se sente muito agradável quando participa de um funeral. Muitas pessoas inclusive passam mal. Independente do grau de proximidade que haja com o falecido. Vários são os motivos. Lembrar de pessoas queridas que se foram é desagradável, remoer a perda recente que o ente está trazendo dói muito e um local onde não há ninguém feliz, apenas rostos chorosos e desconsolados já são ótimos motivos para alguém não gostar de funerais. Um velório faz-nos perceber que somos todos iguais. Viemos do pó e a ele retornamos. Podemos ser ricos ou pobres, bonitos ou feios, inteligentes ou ignorantes, mas quando deixamos a vida, somos exatamente iguais.
Foi assim que passei a encarar esses momentos dolorosos da vida após ler o excelente livro de Augusto Cury, “O vendedor de sonhos”. Esse vendedor é um homem desconhecido que passa a pregar ideias que valorizam a vida e ganha milhares de simpatizantes. A história serve de pano de fundo para Cury realizar inúmeras reflexões sobre alguns dos dramas que afligem a mente humana; dentre eles, o da morte.
Ele reflete da seguinte maneira: “Qual é o espaço mais sóbrio do grande manicômio social? [...] São os velórios. São eles os espaços mais lúcidos da sociedade. Neles nos desarmamos, nos despimos das vaidades, retiramos a maquiagem. Nesse espaço, somos o que somos. Para uma minoria, composta dos íntimos, o velório é uma fonte de desespero. Para uma maioria, composta dos mais distantes, uma fonte de reflexão. Para ambos, a verdade é crua: tombamos no silêncio de um túmulo não como doutores, intelectuais, líderes políticos, celebridades, mas como frágeis mortais”.
Alguém ouviu, alguma vez, a história de alguém que em seu leito de morte tenha reclamado que não trabalhou o suficiente? Ou que juntou poucas divisas? A realidade é óbvia: ninguém assiste ao filme da sua vida e lamenta as conquistas materiais; e sim os beijos que não deu, os abraços que não correspondeu, os minutos a mais antes de dormir que não dedicou ao filhinho pequeno que sempre implorava pela história dos Três Porquinhos.
Somos muito mais que uma nomeação, um posto ou graduação, um título. Muito mais que dois andares de concreto, confortavelmente mobiliados com televisões de plasma de 42 polegadas, lareiras e outros luxos, cercados por muros bem mais altos que conseguimos transpor e cercas eletrificadas. Hoje pode ser que nossa casa seja assim ou que a desejemos desse modo, mas não é eterno, porque a partir de algum momento seremos os inquilinos da mesma funerária que vejo de perto toda semana. E quanto será que terá valido a pena escabelar-se por problemas que não nos edificaram realmente?
É sorte sim, passar pela frente da funerária. Porque, por mais que haja uma quantia enorme de carros prontos para o cortejo, isso apenas demonstra que muitos amigos sentem a perda, mas em nada muda a condição do falecido. Ao passar por este local, na minha pressa de urbano e com os meus problemas insolúveis de homem atarefado, percebo que não vale a pena desperdiçar meus dias com coisas que não compensem.
Pois é num lugar assim que notamos que a vida corrida está asfixiando nosso prazer de viver, endurecendo nosso coração mais do que deveria. A sobriedade que assumimos durante e após um velório despe-nos das nossas fantasias. Porque cai a ficha, notamos nossa arrogância, o descaso com o próximo. E tanto nós como aqueles que não são tão bonitos, ricos e inteligentes fecharemos definitivamente os olhos da mesma maneira.

LIXO CIBERNÉTICO

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses set/out 2009

Ocorreu num desses dias raros onde as horas se arrastam e o tempo lá fora parece um velho oeste, com folhas voando e o sol escaldante. Faltava só a poeira da terra de chão invadir meus aposentos. É asfalto. Talvez seja esse o motivo de não ocorrer isso. Mas a típica imagem de cidade deserta figurava em meu consciente. Passei então, a vasculhar meu computador, deletando aqueles documentos que guardamos porque “um dia vamos precisar”. Na hora, não soubemos o que fazer com eles e decidimos deixá-los no mesmo lugar. Fica aqui que não incomoda.
Temos a possibilidade única que só um computador pode proporcionar-nos de guardar arquivos importantes e todo o lixo que costumeiramente não nos desfazemos, sem que ocupem muito espaço. Talvez alguns megabytes, mas o que são eles se nossas potentes máquinas armazenam na casa dos gigabytes? E não são poucos, é bom que se diga. São na ordem de uma centena de gigabytes e nos modelos mais novos, de algumas (até mesmo muitas) centenas. Dessa forma, entramos num círculo vicioso, onde compramos máquinas mais potentes e mais espaçosas; e quanto mais espaço, mais documentos arquivamos, mais lixo guardamos e mais aumenta a nossa necessidade de procurar um HD (hard disk) com maior capacidade de armazenamento.
Já não aconteceu alguma vez de tentar procurar um simples arquivo de texto, guardado há um certo tempo e demorar horas para encontrá-lo? E essa demora resumir-se pelo simples motivo de o arquivo ter o nome semelhante a outros vinte e estar dentro de uma pasta que tem outras dezenas de pastas que também é mais uma dentre muitas outras? É uma sistematização absurda que fazemos porque é tão simples criar uma nova pasta, colar dentro de outra e de mais outra. Aí, criam-se várias pastas, cada qual com inumeráveis subpastas que também têm outras subpastas e prossegue assim por incontáveis subdivisões.
Também tem aqueles documentos que atribuímos o nome do arquivo à anotação que desejamos e só por preguiça utilizamos o teclado em vez da caneta e do papel. Aí, fica um documento do Word (ou então do BrOffice Writer, do Sistema Operacional Linux) em branco com o seguinte nome de arquivo: “avisar o André que o Cláudio não vai mais à festa e está com os convites para devolver. Tel 9663-9587.doc”.
Uma grande amiga minha perguntou-me certa vez qual era o prazer que eu tinha em lotar o meu PC com arquivos de textos, fotos e vídeos. Repeti a pergunta a ela, qual era o prazer que tinha em ver o seu computador quase sem documentos, com menos de 30% do seu espaço em disco ocupado. Se o meu fosse assim, creio que me sentiria impotente, um ser incapaz de ter conteúdo para preencher todos os recantos do meu HD, por mais que usasse anos atrás um de 40GB e hoje ele seja de 120GB. Ela com a sua mania de deixar sempre vazio o seu HD e eu com a minha paranoia de querer completar cada vez mais os espaços que possuo. Não tenho dúvida de que quando meu HD for de 500GB, ocuparei 450GB e deixarei só 50GB, senão menos, de espaço livre.
Partamos da premissa que refletimos a nossa personalidade em todas as nossas ações. Buscamos incessante e angustiadamente o mais, o melhor e procuramos abraçar o mundo, entulhados de atividades. Lotar o computador com documentos não diminuirá nossa ansiedade natural, nem limpará os lixos que possuímos dentro e fora do mundo digital. Muito menos resolverá os problemas.
É bom diminuir a confusão de arquivos que criamos no mundo cibernético, de jogar para dentro da tela tudo o que cai em nossas mãos (ou melhor, que baixamos nos downloads). Saber selecionar o que é bom e o que é lixo. Não dá para valer-se da não-ocupação de espaço físico dos arquivos digitais. Pouco agiliza o uso de um computador se quando queremos um arquivo mal conseguimos encontrá-lo, se ele é tão acessível quanto uma agulha num palheiro. Se é bom limpar a casa e mantê-la limpa, também é bom deixar em ordem o nosso computador. Também é bom limpar o que nos sobra na vida, jogar fora os excessos, virtuais ou não.

SOBRE LOBOS E HOMENS

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mai/jun 2008

Anoitece. O dia está no seu limiar entre a luz e a sombra, os objetos não se definem mais. É a penumbra. Contudo, isso não é o suficiente para a Patrulha Alfa. Pertencente ao 10º Batalhão de Infantaria da 3ª Brigada Paraquedista Norte-Americana, a Patrulha está incumbida de resgatar um Major capturado pelos nazistas. Só se ouvem os grilos e o Sargento Mark Bryan tem o honroso dever de conduzir seus exaustos homens até o Major John Champers, que certamente espera pelo resgate.
Bryan visualiza entre as folhagens um alemão. O inimigo. A vítima. O Sargento Bryan mirou na cabeça do nazista, começou a acionar o gatilho, quando tudo escureceu. É o fim! Era só o que faltava! Na empolgação do momento, Cristiam havia chutado o cabo de energia do computador e o desligara.
Já imaginava a zoação no dia seguinte, quando fosse para a escola. Seus colegas lhe chamariam de fraco, diriam que ele, sabendo que não ganharia o jogo, desligara o computador. E não era nem possível dizer-lhes que vencera aquela fase. Estavam jogando em rede e todos sabiam o momento em que ele se deslogara. Já decepcionado por seu ataque interrompido, olhou no relógio, mas não se admirou mais. Eram cinco horas da manhã. Nenhuma surpresa. Estava realmente na hora de deitar.
Assim como Cristiam, acontecimentos como esses já são rotina em nem tão poucos lares brasileiros. Infelizmente, muitos jovens extrapolam os limites entre diversão e vício, varando noites acordados jogando em rede, em chats, acessando todo e qualquer conteúdo na internet.
A popularização do computador, e isso é uma vitória, vem crescendo em proporções geométricas, mas a consciência dos novos riscos aos quais o usuário dos micros se expõe, não acompanha esse crescimento. Lembro-me que em 2000 meus pais compraram um computador. Foi motivo de festa lá em casa. Até então, eu morava com eles. Estava no colégio. Muitos colegas meus possuíam um exemplar destes e falavam sobre coisas que, por vezes, eram-me abstratas.
O computador que possuíamos era um 486, sem internet e com poucos jogos. A maioria era do tipo “Pac-Man”, “Snake” ou “Tetris”, aquele das pecinhas que deveriam preencher a linha para serem eliminadas. Muito aquém dos atuais Counter-Strike, Call of Dutty ou Age of Empires. Mas era possível ocupar aquela máquina para digitar trabalhos no Word para o colégio, fazer slides no Power Point para apresentar na sala de aula. Com o tempo, as máquinas foram evoluindo e as funcionalidades para elas, também. Passou-se a acessar páginas de empresas, sites de bate-papo e conversar com pessoas de outro lugar do Brasil sem sequer levantar-se da cadeira. Parecia-me que a evolução digital do homem havia chegado ao seu ápice. Mas ela nem efetivamente estourara. Evoluímos para as mensagens instantâneas com voz e imagem, para a televisão no monitor e por aí segue.
Mas armadilhas neste novo mundo, não faltam. É só você pesquisar o seu nome em sites de busca para ter uma noção do que falo. E como na internet, a identidade dos usuários é praticamente inidentificável, pois rastreá-la é uma tarefa muito árdua quando não impossível, centenas de pessoas valem-se dessa premissa para utilizar a Rede Mundial de Computadores para praticar todo e qualquer tipo de ilegalidade.
Assim como o nosso amigo Cristiam, do início da história, muitos outros jovens entram em um mundo e nele permanecem por horas, alheios os fatos externos. E nessa fábula que um computador cria, rapazes e moças conversam, namoram, brigam, aprendem, se divertem e se perdem na enormidade de opções que a Grande Rede proporciona. Vale a pena ressaltar que boa parcela dos pais não está inserida no mesmo mundo de seus filhos. Por ficarem distantes dos acontecimentos reais ocorridos no mundo virtual, os pais passam a não acompanhar o desenvolvimento dos filhos.
Não estou aqui julgando nenhum pai, nenhum filho. Não tenho formação para isso e jamais teria tal audácia. Mas é se baseando em tristes acontecimentos que venho a fazer essas afirmações. É me amparando na reportagem da Revista Época do dia 11 de fevereiro de 2008, edição nº 508, que falo com pesar de um claro exemplo de má utilização da internet aliada à má influência de “amigos virtuais”. A reportagem fala sobre o gaúcho Vinicius Gageiro, 16 anos, que se suicidou em 2006 na própria casa, em Porto Alegre, estimulado por outros internautas. Por anônimos internautas. Pessoas as quais nunca saberemos o nome, mas que sabem o que fizeram e qual foi a consequência de suas palavras. O jovem Vinicius se autodenominava Yoñlu. Produzia músicas e as divulgava pela internet. Seu fim precoce foi relatado na reportagem daquela revista e alerta pais para esse problema seriíssimo.
Em abril de 2008 foi lançado o disco póstumo de Yoñlu, através da Gavadora Allegro. Faço essa referência ao jovem, pois me deixou muito triste ver o modo como partiu. Alertou, contudo, para mais uma armadilha que pessoas de mau caráter realizam. Alarmo os pais a este risco. Alarmo para a necessidade de verificar os sites que seus filhos acessam. Alarmo para acompanhar o crescimento, o desenvolvimento dos seus filhos, seja nesse mundo ou no virtual.

ESCOLHAS NECESSÁRIAS

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses set/out 2007

Nem sempre valorizamos nossos amigos. E até mesmo aquelas pessoas que são meramente colegas de profissão ou estudo têm a possibilidade de um dia se achegarem mais e ter uma boa conversa ao pé do ouvido. Falar sobre assuntos internos, não apenas os superficialmente diários, mas aqueles que mexem com a emoção, que nos fazem ficar tristes, ou alegres, por que não?
Todos os dias conversando com as mesmas pessoas. Dá pra ficar nessa por anos e não valorizar tempo de convívio. Mas eis que o destino se divide e os rumos passam a ser outros, diferentes. A notícia do distanciamento surge no meio do nada. O papo ia tranqüilo, legal até então. Aí a bomba cai na mesa, à frente de todos. Escutam com espanto. Mas, desde quando você planejava isso? Por que não nos disse nada antes? Alguns sentem pesar, outros ficam indiferentes. Um bom observador, ou até mesmo alguém com a sensibilidade um pouco mais aguçada consegue notar os olhos brilhando à direita. A boca camufla com um sorriso, amarelado, disfarça. Mas não tem como esconder por completo. Sim, brilhando o olhar, lágrimas ansiosas por sair, mas contidas pela publicidade da situação. Começa a apertar o coração e aquela convicção de ir embora já nem é tão convicta assim. E nós, como é que fica? O que será da turma sem você? Quando você for arrumar as suas coisas, empacotar tudo, me chama que eu quero te ajudar. Lindo gesto. Ai de nós...
Dá dois dias e aqueles em que se passam dias sem conversar porque saíram do contato já estão sabendo. Você não disse nada, mas já têm conhecimento de causa. É verdade que você está partindo? Por quê?
Mas há um outro coraçãozinho permanentemente apertado lá longe, sofrendo há tempos. Sempre na desvantagem, já passa a ver uma pequena luzinha no final do túnel. E a luminosidade tende a aumentar com o passar dos dias. Será que os tempos de sofreguidão irão terminar? Será que a esperança pode ser alimentada? Ou é precipitado já cantar a vitória? E a tristeza vai dando lugar à angústia que tem data para acabar, mas parece nunca chegar. Interminável. E, lógico, sofrida. Muito.
Foi contar sobre a possibilidade e, mesmo sem estar vendo, só ouvindo, notar que o corpinho todo se encheu de alegria. O humor melhorou, rosas apareceram à sua volta e o sol esquentou ainda mais. Mesmo sendo noite. Um mundo de possibilidades e “serás” abriu-se. Será que...? Ou será que não? Será que dará para...? Será melhor! Aprontou-se para gritar de alegria, mas se conteve. Fora alertada pelo seu amor que nada era certo, tudo poderia cair por terra e a decepção tomaria proporções colossais. O melhor seria manter-se serena, como se fosse possível, e deixar as coisas acontecerem. Restava pensar que se o pirulito estava à sua frente, não era por acaso. Se não fosse para tê-lo, que nem lhe mostrassem. Pois é um pecado apresentar a uma criança sedenta um belo pirulito, fazer-lhe sentir o doce aroma e, bem próximo ao nariz, tirar-lhe dizendo que não o dará. “Eu espero você, o tempo que for, pra ficarmos juntos, mais uma vez”. Talvez a espera esteja acabando...
Dois corações em situações opostas. Cada um com os seus interesses em jogo. Amizade que se vai, amor que se aprochega. Realmente, nada é perfeito. Quando a gente se acostuma, cria raízes, cultiva amigos, engaja-se na rotina. Eis que aparece uma oportunidade. Tão desejada oportunidade. É ela. À sua frente. Desnuda, desejando-te. Não mais que você, mas desejosa. E surge, pra complicar a vida, o conflito de idéias. Deixo os amigos e vou de encontro ao meu amor? Ou mantenho as coisas como estão? Sim, isso é possível. É só não fazer nada. Será trabalhoso ir embora. Dispendioso de tempo e muita paciência. Além de altas taxas de azia devido à incerteza dos fatos. Se era o sonho a ser alcançado, por que não lutar por ele? A menos que os anseios tenham mudado, que os desejos não sejam os mesmos. Mas ainda são.
Conquistas só assim o são se forem difíceis, lutadas, suadas, trabalhadas. E sacrifícios têm que ser feitos, infelizmente, em prol de um bem maior. Por experiência própria, já é sabido a dor da separação de entes queridos. No passado, ficaram lá eles, cá cheguei. Mas à mesma época, o mesmo terno coraçãozinho já estava longe e continuou distante. E resiste até então às intempéries. O tempo passou e a distância dos primeiros amigos cada vez cresceu mais, mesmo sem termos saído do lugar. O carinho por todos continua o mesmo, mas a intimidade, tristemente, evaporou-se aos poucos.
A história repete-se com os entes atuais. Replay do drama. É por opção. Poderia decidir por deixar o coraçãozinho onde está, mas a escolha é esta. Sendo assim, que venha o coraçãozinho e fiquem os amigos. E também, ninguém vai morrer. Não é o fim dos dias. Apenas o término de um convívio alegre e construtivo a ambas as partes. Cada um cresceu com o outro, riram-se, foram admirados e admiraram, ficaram bravos e algumas praguejadas escapuliram. Faz parte do ser humano. Do convívio. Uns choram-se, há perda. Outros, riem-se, um futuro bom nos aguarda. Ao menos é o que se acredita. O bom é que vai ficar uma melancólica, mas muito boa lembrança da estadia.

O MENINO

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses jul/ago 2006

O garotinho parou e olhou
Assustado, coitado, estava muito frio
Mas não, não! Precisava continuar caminhando
Imagina se parasse e viesse
Não havia erro, perderia tudo!
E amanhã, o que teria?
Nada.

Apertou com sua mãozinha o máximo que pôde
E ele estava vindo!
Manteve o passo apertado, o vento frio cortava
Olhou para trás e para a frente. De novo. Correu...
Como seria amanhã, se ele alcançasse?

Pensava naquilo com todas as forças do mundo
Era o mais importante, o resto não passava de resto.
Foi quando deu um trupicão e o corpo lançou-se à frente
Mãozinhas frágeis abriram-se
A moedinha, única e singela, desprendeu-se de seu dono
O que fez os olhos marejarem
E um rio de água salgada escorrer pela face pálida

Fora-se o dinheiro, a vida, o pão
Seu alimento tão sagrado e desejoso
Agora distante e nas mãos de outro garoto
De rua...

A LINDA FOTOGRAFIA

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mai/jun 2006

Mais um dia cai e o sol, radiante, aquela bola vermelho-alaranjada, fumegante, morre aos poucos no horizonte. Esconde-se, belo, atrás da casa da Paulinha, mas seus raios poderosos flamejam, vivos, encantando a minha visão por mais meia hora. Até que a penumbra reina completa, também dando o seu show particular. Nesse meio tempo, o movimento de pessoas aumenta na rua. A pé e motorizadas. São os sedentários que se apressam a chegar em casa, ilhados nos seus veículos; são os desportistas que põem seus corpos em forma, tomados em suor; mas também há aqueles que não se encaixam em nenhuma das duas categorias e por motivos outros passam enlouquecidos aqui pela frente, despreocupados com os demais, olhos fixos apenas para seus objetivos.
Um casal de passarinhos brinca no fio de luz e, ah, se tivesse uma máquina fotográfica à mão, haveria de tornar-se uma magnífica foto. Um empoleirado no fio elétrico, o outro a bater as asas e os raios solares iluminando aqueles dois minúsculos corpos, tornando as penas meio escuras, meio alaranjadas. Imediatamente abaixo, um garoto, sentado no banco da praça olha vagamente para o acontecimento animal, curioso, porém com o semblante pesado.
E o garoto observa atentamente os bichinhos. Eles não saem dali! Mantém um movimento estranho, batendo asas, voando pra lá e pra cá, indecisos. Isso não poderia ser assim... Que ficassem quietos, economizassem energias. Talvez inicie chover e necessitarão voar desesperadamente até seus lares apertados, sem televisão nem luz. Se um deles soltar qualquer coisa aí de cima, terão, com certeza, que voar para longe, pois choverão pedras, sem perdão! E a chance de chover é grande, o sol já foi, finalmente aquele calor infernal passou e algumas nuvens pesadas aproximam-se, ocultas pela escuridão.
Há muita gente nas ruas e calçadas, dentro das casas e nos pátios, brincando, conversando ou então olhando para o céu. Muitos dos que correm são pessoas atarefadas que levam trabalho para casa. Outras apenas gostam de andar rápido. Mas há aqueles que não têm o que fazer e ficam por aí, parados, jogando papo fora. E tem aquele cara, mora umas duas quadras daqui, todos os fins de tarde está lá na sacada, olhando o movimento. Qual será a atração, haverá alguma coisa bonita de se enxergar?

UM CERTO TRABALHADOR

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mar/abr 2006 

Ele era pintor. Datava vinte anos, cinco de árdua labuta. Um trabalho aqui, outro ali. As finanças cada vez mais curtas e um filho nas costas já havia um ano e meio. Uma luta diária que Marcel enfrenta, entre gostos e desgostos.
Seu conforto era sagrado, mas primeiro vinha o bem-estar do pequeno: Mateus. Ele lhe pedia colo, mas não podia: o Sr. Antônio tinha que ter toda a casa pintada até o sábado e ainda lhe faltava quase metade do imóvel e dois dias pra tudo isso.
O pequeno ficaria novamente com a irmã, Estela. Que aperto no coração, pois tinha uma vontade danada de deixá-lo com a mãe! Por mil anjos, se pudesse, ah, como o faria... Mas a doce Mariana não resistira ao parto e nem pôde presenciar o doce crescer do jovem primogênito.
Tão suave como uma brisa do ar, o hálito de Mariana calara-se definitivamente na madrugada de 12 de julho. Sua alegria contagiante cessara junto com aqueles olhos amendoados que perderam o brilho, depois a força, então a vida.
E esta continuava. Danava de querer parar, mas um serzinho reabastecia as forças para novos trabalhos. Uma luta diária que Marcel enfrenta, entre gostos e desgostos.

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