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segunda-feira, 25 de julho de 2016

Cartas de final de ano aos meus alunos - Final

continuação da publicação das cartas de final de ano (2015) aos meus alunos...

Queridas alunas e queridos alunos da turma 8º Ano B,

2015 está terminando, as aulas também. Em breve vocês poderão dormir até tarde, não terão mais provas para fazer, ficarão livres das chateações dos professores. Ufa!, livres de todos esses incômodos...
Mas com certeza um pouquinho de saudade vai bater na porta de vocês. Se não for agora, vai ser daqui umas semanas. Também, pudera, é quase um ano inteiro vendo os colegas todos os dias, espiando aquela menina bonita da outra turma, o garoto gatinho da outra sala, e agora... só no ano que vem!
Pessoalmente, é uma alegria muito grande em ser professor de vocês! Ano retrasado não pudemos terminar o ano letivo juntos, em sala de aula, pois assumi a direção da escola. Ficamos na mesma escola, mas é diferente ser professor e ser vice-diretor.
Esse ano, sim, iniciamos e terminamos juntos. Para mim, particularmente, foi muito bom, maravilhoso. Gosto muito de vocês, do jeito que vocês são: alguns brincalhões, outros mais sérios; alguns quietinhos, outros tagarelas; uns amigos, outros se estranhando. Altos, baixos, magros, gordos, risonhos, sérios.
Quando vejo vocês vejo um mundo de oportunidade lhes esperando. Olho e penso “que bom que teremos esses adultos no futuro!” São adolescentes que estão descobrindo os prazeres e as responsabilidades da vida, as alegrias e as tristezas que o mundo nos proporciona. Essas coisas, boas e ruins que a vida nos traz, queiramos ou não, nos deixam mais fortes agora e no futuro.
Vejo vocês com um lindo futuro pela frente, mas não deixem de lutar! Não deixem de estudar, não deixem de se esforçar! O estudo não é tudo na vida, mas sem estudo a vida se torna mais difícil!
Lutem! Não decepcionem vocês mesmos! Lutem pelo que querem! Nunca desistam! Digam a si mesmos “não vou desistir” quando estiverem desanimados, quando acharem que nada vale a pena.
Tenham um ótimo Natal! Ótimas festas de final de ano! Férias divertidas! Aproveitem esse período de descanso!
No ano que vem tem mais! E será melhor ainda!!!


Com carinho,
profº Giovani.

sábado, 2 de abril de 2016

Carta de final de ano a meus alunos III

Continuação das publicações das cartas de final de ano de 2015 aos meus alunos...

Queridas alunas e queridos alunos do 7º Ano,


ESTÁ TERMINANDO O ANO... Vocês vão ter alguns meses para descansar, divertir-se, passear, viajar, acordar tarde e ficar longe da escola. Eba! Chega de provas, de professores chateando, de cadernos, de copiar, de exercícios no quadro, de ler em voz alta, de acordar cedo, de troca de período. Eba! vocês estão livres de Soletrando, concurso literário, poemas, contos, porquês, verbos, acentos, hiatos, pronomes, etc.
Ah... mas, também, chega de recreios, de passeios nos corredores, de espiar o menino bonito na turma da frente, a garota bonita no pátio, de grupinhos de guris e gurias, de conversar com os colegas...
A escola é um lugar legal! Sempre tem alguma coisa nela que não gostamos, mas sempre haverá algo que não é bacana em tudo o que fazemos, em todos os lugares por onde vamos.
Terminamos o segundo ano juntos, quase todos os dias nos vendo, todas as semanas tendo aula. Se não fui legal com alguém algum dia, em algum momento, peço-lhes desculpa. Sou humano e também tenho limitações, também erro. Mas fiz o que achava certo naquele momento.
Não achem que ser exigente é ser ruim, não achem que fui exigente porque não acreditava no potencial de vocês. Pelo contrário: fui exigente porque sabia do que vocês eram capazes, porque sabia que podiam ir além. E foram!
Que trabalhos maravilhosos fizeram! Falaram na frente da turma várias vezes, escreveram poemas lindos, resumiram livros, soletraram uma enormidade de palavras, trabalharam em grupo, trabalharam em trio, dupla, sozinhos...
VOVCÊS ESTÃO A CADA DIA MAIS MADUROS, MAIS ADULTOS! Ano passado eram crianças, adolescentes recém vindos da infância. Agora são muito mais que isso. Cresceram, ficaram mais espertos, mais inteligentes, mais responsáveis, mais tudo...
É verdade que têm muito o que melhorar, muito a crescer, mas é preciso admitir que vocês estão mais independentes a cada momento.
Conviver com vocês foi muito bom para mim. Ensinei o que pude e aprendi muito com cada um. Aprendi muito com a experiência de cada um de vocês. Adorei ser seu professor em 2015, mais ainda que em 2014!
Desejo-lhes um ótimo Natal, ótimas festas de final de ano, umas férias preguiçosas, dorminhocas, divertidas e alegres!
ATÉ O ANO QUE VEM!
Com carinho.

terça-feira, 15 de julho de 2014

HAY QUE DECIR "HASTA LUEGO"

Escrevo, na íntegra, a carta que redigi e li a meus alunos de Língua Espanhola (Rede Municipal de Ensino) ao informá-los que deixaria de dar aulas para eles, pois passaria a dar aulas na Rede Estadual. Essa foi uma decisão muito difícil para mim, mas necessária para a minha carreira profissional.

Queridas alunas e queridos alunos,

poderia apenas dizer “tchau”, mas seria muito leviano de minha parte. Daria para falar “até logo”, só que também seria um eufemismo barato, ilusório. Ou então, “adeus”, entretanto é uma expressão muito pesada e também não é a pura verdade. Talvez não haja um termo exato para expressar uma coisa tão triste e complexa.
Durante quase dois anos como maestro, aproximadamente 450 pessoas diferentes passaram por minhas mãos, pelas minhas palavras, minhas aulas, minha consideração, meu esforço. Uns 450 alunos meus. Meus, só meus. Alunos também da Geografia, também da Matemática, de Português e das outras matérias, mas, principalmente, meus alunos.
Ser professor é muito mais que vir à escola e ensinar a matéria às 13h30min, voltar pra casa às 17h30min ou fazer duas provas diferentes. É mais que explicar tantas vezes quantos forem necessárias até o aluno aprender. Mais que fazer a chamada, que escrever “Fecha: hoy es...”. É muito mais que cobrar disciplina e pedir silêncio.
Ser professor não é apenas cantar no dia do aniversário “que los cumpla feliz”. É muito mais que ensinar os “saludos”, explicar “los verbos terminados em –ar, -er, -ir”, revisar “los numerales” ou vir aos sábados pra recuperação com um cafezinho e um sanduíche.
Ser professor é tudo isso que foi dito, mas é muito mais também. Ser professor é uma filosofia de vida. Ser professor é decir “buenas tardes” e receber um estupendo “buenas tardes” dos seus alunos adorados. É brigar com seus alunos porque quer o bem deles. Elogiar quando acertam e cobrar que deem o máximo de si porque tem certeza que podem mais, muito mais. É ouvir do seu aluno um “tiozão” e achar isso bacana. Ser professor é ter 10 alunos falando ao mesmo tempo e, ainda assim, adorar dar aula.
Ser professor é amar o que faz. É amar todos os seus alunos: os que bagunçam, os que são quietinhos, os dedicados e os displicentes. É dar dura quando necessário. É dar e receber carinho.
Isso é ser professor. Isso sou eu.
Quem ensina também aprende. Talvez tenham aprendido algo comigo. Com certeza eu aprendi muito com vocês. Talvez não tenha sido o professor ideal, o professor dos sonhos. Possivelmente vocês tenham conhecido ou conhecerão professores melhores que eu. Mas tenham certeza que me esforcei ao máximo para ser um bom mestre, que dei o melhor de mim.
Amei enseñar español a ustedes. Sinto muito não poder continuar caminhando com vocês até o final do ano letivo.
Se ao sair pensarem “foi bom aprender espanhol com o sor”, ficarei feliz. Mas ficarei feliz, mesmo!, se ao sair de cena, vocês pensarem “foi bom aprender a ser ALGUÉM MELHOR”.
¡Hasta luego y un beso grande!

Maestro Giovani Roehrs Gelati.

domingo, 25 de março de 2012

Os encantos do fogo

CHEGA O DOMINGO, AQUELA FOLGUINHA, o pessoal reunido, carne temperada, fogo aceso. Espeta a carne e põe assar. Dali um tempo fica pronta e todo mundo delicia-se com o manjar. Você liga a televisão durante o almoço e surge uma notícia de última hora: foi deflagrada uma queimada no Mato Grosso (mais uma) e os bombeiros não conseguem apagar. Aí aparece aquela filmagem feita num helicóptero, de longe, do campo agonizante em chamas. Enormes labaredas de fogo. O que esses dois fatos têm em comum? Pergunta fácil: o enorme poder do fogo em trabalhar para o bem e para o mal em intensidades iguais.
Ele pode ser utilizado para o bem, esquentando o lar, ajudando a preparar a comida ou protegendo nossos ancestrais dos animais da floresta indócil. E também pode queimar hectares de vegetação em muito pouco tempo, destruindo os lares de incontáveis animais, pode queimar gente viva como na inquisição e até mesmo deixar uma criança com queimaduras de segundo grau durante uma brincadeira na cozinha.


 É interminável a lista de ações do Sr. Fogo. E a sua importância é tão significante que inspira também o imaginário. Que o diga Camões, com a sua máxima “amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente...”, também adaptada na canção "Monte Castelo" de Renato Russo. Os dois não falavam sobre o fogo. Suas intenções eram exprimir o inexprimível, o Amor. E nesse intuito, valeram-se do fogo para metaforizar. Eis aí o nosso amigo incandescente fazendo-se presente também na literatura e na música.


Desde pequeno tenho o encantamento de ver o clarão dos relâmpagos cortarem o céu sem dó e ouvir o trovejar. Esse poder descomunal que a natureza tem e apresenta-nos em ocasiões como estas, seduz-me. Também gosto de parar ao lado de uma fogueira e ficar a admirar as labaredas do fogo, ouvir os estalidos da lenha e sentir a onda de calor aproximar-se e esquentar o rosto. Fico a olhar as chamas... Aí não penso em mais nada, só olho, admiro aquela fonte de energia.


Impressiona-me a questão de que o fogo pode iniciar com materiais nada infláveis, como simplórias pedras e pedaços de madeira que atritados gerarão uma faísca e dela evoluirá a uma pequena chama, dessa chama a outra maior e se não for controlada, a uma queimada que nunca parará de crescer. Pode até ser um humor negro, mas ao mesmo tempo em que me compadeço com as pessoas prejudicadas por um incêndio, vidro-me nas labaredas, na incrível velocidade que avançam sobre novos materiais, resumindo-os a cinzas ou n'algo retorcido, deformado. Juro que se aquele sinistro não fizesse mal a ninguém, assistiria com gosto às macabras cenas de queimada. A propósito, será que Nero também era um admirador do fogo e por isso decidiu entrar para a história, arrasando Roma com ele?


Gostaria de atribuir ao fogo uma última característica. É fato que uma chama pode multiplicar-se rapidamente sem diminuir de tamanho. Essa multiplicação do fogo é nada mais que uma belíssima prova de solidariedade. Porque ele não é egoísta, não se importa em crescer também na madeira vizinha. Aliás, ele é inteligente. Porque sabe que se for multiplicado, o todo ficará ainda mais forte. O fogo é solidário, empresta sem pedir de volta, porque sabe que tornará a crescer.
Ele é instigante, perigoso e bélico. Tudo isso ao mesmo tempo. E tão infindável quanto o fogo, somente a água, que penetra em todo e qualquer lugar e consegue apagá-lo. Mas isso gera um outro texto. Este termina por aqui.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

VIDAS CRUZADAS

Por Bruna Martini Madril

Publicado no BLOG DA BRU, em http://www.brumadril.blogspot.com/

Nossa existência é um presente divino. Não percebemos o quanto somos importantes na vida de outras pessoas, mesmo que estas não sejam tão próximas. Existem três acontecimentos que me fizeram refletir sobre minha existência: A leitura de um livro, meu irmão e a morte de um primo.
O livro Veronika decide morrer do Paulo Coelho é uma história encantadora que conheci em 2002, indicado por uma amiga. Conta a história de uma mulher jovem e solitária que tentou suicídio ingerindo remédios, acorda dias depois no hospital psiquiátrico com o diagnóstico grave: sete dias de vida, apenas. Porém, na espera de sua partida ela decide viver cada minuto como se fosse o último e, assim, aproxima-se do esquizofrênico Eduard e eles fogem no sétimo dia. Ao acordar no dia seguinte ao lado do rapaz, ficou surpresa, ocorrera um milagre, estava viva. Seu diagnóstico era uma mentira sabiamente arquitetada pelo Dr. Igor, a maneira que ele encontrara de Veronika decidir viver.
Ainda em 2002, conheci a história de uma família cuja mãe morreu após uma gravidez complicada e doenças respiratórias. O bebê teve que aprender desde cedo a lutar para sobreviver às doenças, à falta de cuidados de mãe e à falta de recursos da família para cuidar e mantê-lo. Essa criança guerreira que passou por duas cirurgias e por todos esses problemas, hoje é parte da minha família. É meu irmão de coração, esbanja saúde, energia e alegria pela casa.
O último e mais recente acontecimento foi a morte trágica e prematura de um primo, Emanuel, na data com 2 anos de idade. Foi vítima de um atropelamento, infelizmente não resistiu. Eu estava na sua casa no momento do acidente. Cheguei minutos antes para escolher um presente de aniversário para uma colega entre as bijuterias confeccionadas pela minha tia. Quando entrei na casa, deparei-me com uma carinha toda suja de sopa, estava sentado sozinho à mesa. Dei um beijo em sua bochecha, como de costume, foi o último. A mãe do menino estava grávida e presenciei os gritos, a correria, a culpa do motorista e a notícia inesperada.
Cada uma dessas histórias tocaram-me de uma maneira diferente: o livro, o irmão e o primo. Nunca pensamos o quanto somos importantes para a vida de alguém, de muitos na verdade. Quem diria que a criança que perdeu a mãe tão cedo faria parte da minha família? Quem imaginaria um ciclo de vida tão curto para o Emanuel? Como eu saberia que aquele seria o último contato com meu priminho? Paulo Coelho jamais pensou que suas palavras atingiriam com tanta persuasão a minha vida.
Mesmo indiretamente, cruzamos a história de muita gente e a nossa existência faz a diferença. Precisamos acreditar que cada dia de vida é um milagre, que deve ser celebrado e bem vivido ao lado de pessoas que nos fazem feliz.

domingo, 22 de maio de 2011

Um cara chato

Destaque no 3º Concurso Literário Farroupilha 2011, categoria poesia


o passado


deu um oizinho hoje pela manhã


dei tchau


mas ele encontrou-me novamente.


que cara chato.


que nunca vai embora.


que jamais irá.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

DECIFRA-ME OU TE DEVORO

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 09 set 2010.

Perdemos tanto tempo com coisas inúteis na vida... O mais sério é que na maioria das vezes que estamos ocupando nossas forças em algo que não valerá mais que alguns “por que eu fiz isto?”, temos uma sensação que acompanha o agir, dizendo ao pé do ouvido: não faça, não faça. Mas, é óbvio, não seguimos a razão e o coração assume a direção. Vá tomar um banho gelado, faça a barba, escove os dentes, faça algo diferente que lhe desvie da vontade de fazer o inútil.
Para ilustrar essas reflexões, baseio minha crônica numa história que um amigo relatou-me, profundamente cabisbaixo. Sua namorada disse-lhe, certa feita, nessas palavras “Tento decifrar, entender certas coisas, mas é esforço em vão...”. Isso o fez carregar consigo por dias um ponto de interrogação debaixo do braço. Ele supunha o que a garota queria dizer, mas não botava fé que realmente fosse.
A garota escreveu-lhe, ainda, um bilhetinho e entregou após os dois saírem de um jantar:

É como um filme de suspense ou policial onde tem as pistas e temos que juntar para decifrar o crime, quem é o assassino.
Geralmente sou boa nisso, mas tenho que admitir que dessa vez a emoção não dá espaço para o raciocínio e é difícil compreender as pistas.

Nem implorando ela falou-lhe o que significava. Ele que dissesse o que entendia. Quanta mística naquilo tudo! Decorreram mais alguns dias e o relacionamento estava acabado. O motivo? O mistério que ela tanto falava eram os relacionamentos paralelos que ele tinha enquanto se dizia apaixonado por ela. Descobrira em mensagens de celular que o esperto do meu amigo deixara. Além de cafajeste era burro! Mas tudo bem, teve o que merecia...
O público feminino que me odeie, mas entro em defesa desse meu amigo. Ao menos quanto ao que sentia por ela. O resto não entra na análise: foi mais que errado, uma demonstração de fraqueza moral, de covardia de dizer a ela que queria uma relação mais aberta, menos envolvente que um namoro. Quanto à defesa, digo que ele realmente gostava dela. Talvez não houvesse dito que a amasse ainda porque o relacionamento deles era recente ou porque fazia pouco que terminara outro, longo e de fim também amargo. Sei que ele sentia por ela muito mais que apenas amizade, mas seus atos negativos não refletiram, definitivamente, o que sentia por ela.
Ele estava querendo a liberdade (ou libertinagem) que não tivera no outro namoro. Saía de um e engatava em outro. Não era de acordo com seus planos, mas era melhor do que poderia imaginar. Porque aquela garota que escreveu o bilhete era alguém que certamente ele não veria duas vezes na vida. Porque ela acertava tanto com os seus pensamentos que chegava, por vezes, a grau de espanto mútuo. Você só pode ter copiado isso de mim. Nem sabia.
Ele estava querendo a liberdade e não tivera aquele momento mínimo de sinceridade com a garota. Não quero envolver-me agora contigo. A Medusa que se tornara a sua amiga, ficante e depois namorada, tinha poderes muito além dos seus.
Estava, de fato, investindo as suas energias inutilmente. Esgotava-as com outras mulheres, que não lhe preenchiam por dentro. Imprimia todas as forças na falsa sensação de bacanal, que aos dezessete anos também tivera, onde a quantia de mulheres era superiormente mais importante que a qualidade.
Mas tudo isso são conjecturas. Ele não me disse nada depois que mostrou o bilhete manchado de lágrimas e repetiu a frase enigmática da já ex-namorada. E chorou em meu ombro. Estava fraco agora. Gastara as forças onde não devia.

AMOR PARA NUNCA ESQUECER


Publicado no Jornal da Cidade Online, em 30 mai 2010

O primeiro dia de qualquer ano geralmente é reservado para o descanso. Se não foi realizado ainda, fazemos o balanço do ano que acabou e as projeções para o bebê que nasceu à meia-noite. Mas para Genuíno Ferri e Wanda Scarello Ferri a data marcou o início de uma longa história de amor. Os dois casavam no dia 1º de janeiro de 1949. Hoje, com 87 e 83 anos, respectivamente, ambos protagonizam uma história ainda mais linda que aquela do fim da década de 40. Wanda possui a doença de Alzheimer e com o passar dos dias, sua memória fica cada vez mais fraca. No intuito de fazer com que a esposa não esqueça os momentos passados juntos, seu esposo decidiu escrever a história de ambos em forma de romance.
A reportagem foi feita pelo jornal Zero Hora, publicada no dia 23 de janeiro de 2010. Mas fiquei sabendo não por abrir o jornal e deparar-me com a história de Genuíno, ou Seu Gino como é conhecido. Uma amiga mandou-me um e-mail comentando sobre a história romanceada de Gino e Wanda: “A história me encantou. Lê, tenho certeza que vai te inspirar uma nova crônica”. Com certeza inspiraria qualquer um a divagar sobre o amor, a filosofar sobre o casamento, a olhar para a sua amada e pensar, puxa, isso é que é prova de amor...
E Gino não é nenhum super-homem. Mas é um escritor. E isso já lhe facilita escrever sobre a longa caminhada do casal. Os dois moram em Encantado, nada mais sugestivo. São poucas as pessoas que têm condições de concretizar um feito desses. Porque é difícil haver um casamento que dure tanto. Geralmente as histórias de amor têm sido no prazo de meses ou poucos anos. Ou então, um dos dois já faleceu. São 61 anos de casamento, de cumplicidade. Não é pouco, não.
Lendo a reportagem recordei de meu bisavô, falecido em junho de 2008, após 91 anos de vida. Eu estava viajando a trabalho e não tive como ir ao seu velório. Mas assim que pude fui a sua cidade e tratei de ver minha bisavó, que ficava sozinha no mundo após 69 anos de casamento. Conversava com ela e por vezes não era reconhecido. Ela logo retomava o fio da meada e conversava normalmente. Fiquei tão triste quando ouvi essas palavras: “O meu velhinho se foi e eu fiquei aqui, sozinha”. Ao mesmo tempo achei incrível a cumplicidade que tinham, maravilhoso o amor entre os dois. Estava desamparada. Por mais que os filhos estejam com ela, lhe auxiliem nas atividades que agora são um tanto trabalhosas, ela não possui mais o espelho da sua alma, aquele senhor que a ouvia com paciência e chorava junto. Não digo que a relação dos dois sempre foi de rosas. Mas se existiu até então, é porque algum valor havia.
Pode ser que essa não tenha sido a primeira vez que alguém decidiu documentar a história para seu amor porque ele não se lembraria mais tarde do ocorrido. Não conheço nenhuma histórias dessas que seja real, antes do Seu Gino. Mas o cinema já dera a ideia antes, com o Como se fosse a primeira vez, com Drew Barrymore e Adam Sandler. Ela possuía uma doença que a fazia esquecer tudo o que ocorrera consigo após levantar-se no dia seguinte. E para mantê-la apaixonada e sabedora do amor entre os dois, ele decidiu filmá-los. Era uma conquista diária. Uma difícil arte de conquistar a cada amanhecer.
Wanda não está numa situação tão crítica quanto a personagem de Drew. Mas ao ler o romance de Gino, se manterá apaixonada da mesma forma. Em vida, meu bisavô talvez nem soubesse direito o que era um romance. Mas ambos viveram história tão bela quanto a noticiada. O diferencial é que Seu Gino pôde eternizar tudo o que passou e ultrapassou a simples questão de fazer sua esposa recordar as histórias dos dois. Ele fez uma homenagem a Wanda e todos que contracenaram na história do casal e que lerem o livro serão testemunhas disso.

BOA NOITE, CINDERELA

Publicado n'O Jornal de Uruguaiana de 09 jun 2010
e no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Eis que num dos tempos ociosos do meu dia deparei-me pensando em algumas coisas interessantes para se fazer na vida com a pessoa que gosta, seja ela a esposa, namorada, ficante ou qualquer outra relação afetiva. Presentear com pétalas de rosa num buquê grande e lindo, para quem nunca fez, é a primeira providência. Mas não esqueça do cartão. Nem que seja feito à mão, pequeno, com duas linhas escritas. E que seja de coração.
Basicamente, precisamos de um jantar romântico. Se houver ocasião especial, perfeito! Se não houver, perfeito também! Vamos ao tradicional, porque faz parte do imaginário de todo mundo, especialmente das mulheres. Vela, toalhinha delicada e bonita, balde com champanhe e muito gelo, som com a seleção de músicas que ela adora. É um trabalho pra ser iniciado alguns dias antes. Só no dia vira correria.
Ah, caso não se garanta na cozinha, o melhor é encomendar uma pizza.
Outra coisa interessante seria, enquanto a garota se prepara no banheiro, antevendo aquela noite maravilhosa com ela, puxar da mochila um pacotinho de pétalas de flores e espalhar na cama. Se der tempo e a criatividade ajudar, escreva as iniciais dos dois ou faça um desenho inspirador. Receber rosas é legal e as pétalas na cama certamente serão tanto quanto.
Realize um sonho da garota que ama. Se ela não conhece a praia, convide-a para viajar num feriadão. Mas não diga o lugar. Ou invente outro. À medida que forem chegando, possivelmente a ficha irá cair. Mas aí a surpresa estará feita. Ela terá que comprar um novo biquíni, mas isso faz parte do suspense.
Costumeiramente os pores-do-sol e nasceres são lindos. Se houver um rio ou mar próximos, a chance de ser uma visão encantadora é muito grande. O pôr-do-sol é mais fácil de ser degustado, uma vez que já estamos acordados quando ele ocorre. Mas não deixe de ir ver com sua querida. Um tanto mais sofrível é vê-lo nascer. Mas o resultado compensa. Ponha o celular para despertar um pouco mais cedo. Previna-se com um som e dentro dele um CD. Senão a única opção poderá ser ouvir a Rádio Gaúcha, o que não tem nada de romântico nisso.
Se vocês namoram ou ao menos há acesso até o quarto dela, espalhe por todo ele bilhetes. Pode estar escrito apenas OI, ou BEIJOS, ou TE ADORO, ou TE AMO. Qualquer coisa que faça lembrar vocês dois. Se ela passar a semana inteira encontrando ao acaso esses bilhetes, a cesta será de três pontos!
Além disso, fuja um dia com ela. Rapte-a. Ainda que a garota more sozinha. O destino? Só vocês dois sabem. Hospedem-se num hotel e contem outra história em casa. Não tem como viajar? Fiquem num hotel da própria cidade. Permitam-se turistas por um dia. E fica sendo um segredo só de vocês dois.
Surpreenda sua garota. Surpreenda-se. Crie e recrie. Só não deixe a relação amornar na mesmice. A nossa vida é muito curta para desperdiçar tempo com água morna. Que seja quente. Mas não fervente, porque queima. Não podemos esquecer que se não fizermos coisas diferentes com as pessoas que gostamos, ou elas farão algum dia com outra pessoa, ou você e ela terão se privado de algo que seria bom para os dois.
Li certa vez e nunca esqueci, mas não recordo onde. As melhores coisas que ocorrem conosco acontecem em dias normais, cotidianos, na rotina. É num dia comum. Porque os astros não alinham, não ocorre um eclipse solar só para louvar o que está fazendo, o Brasil não para esperando o desenrolar da sua surpresa.
Se as dicas forem muito românticas, desconsidere o que achar mais meloso. Se não concordar com o que é dito aqui, tudo bem. Há quem concorde. Tire proveito do que não lhe agrada para, então, fazer diferente. Está aí a multiplicidade de pensamentos e modos de ser das pessoas. Independente do ponto de vista, faça a sua garota sentir-se melhor, perceber-se sua. Para que você mereça dar-lhe um boa noite, Cinderela.

ÁGUAS TERMAIS

Menção Honrosa no 27º Concurso Literário Yoshio Takemoto
Publicado no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Eram vinte e três horas, ventava. O ginásio onde ficava a piscina térmica estava vazio, com apenas uma luz fraca iluminando um pequeno banheiro ao fundo. A piscina estava coberta com uma lona azul, impedindo que qualquer sujeira caísse na água até a manhã do dia seguinte, quando iniciavam as aulas de natação. Começou uma garoa fraca e o telhado de zinco aumentava dramaticamente o som da chuva. As inumeráveis frestas proporcionavam uma sinfonia assustadora do vento.
Jonas empunhava uma toalha, shampoo, sabonete e uma nova muda de roupa. Arrastava o chinelo havaianas e a barra da calça jeans roçava o chão, molhando nas poças d’água. Chegara uma hora atrás de viagem. Ele, Pedro, Airton, Vinicius e Maiara. Os anos nobres da juventude incitaram-lhes a percorrer seiscentos quilômetros pedindo carona. O destino, a casa de praia de Airton. Andavam uma centena de quilômetros e entravam na cidade mais perto. Arranjavam algum lugar para dormir e na manhã do dia seguinte prosseguiam com sua aventura. Já era o quarto dia e menos de cem quilômetros separavam-os das águas salgadas do mar. Decidiram dormir aquela noite e na madrugada do dia seguinte levantar acampamento.
Jonas gostava de Maiara. Airton também gostava de dela. Ela namorava Pedro. Vinicius não gostava de ninguém. Todos sabiam disso. Mas conviviam pacificamente. Até o momento.
Ficaram alojados num salão de festas de um clube, na entrada da cidade. Algumas teias de aranha, papeis higiênicos jogados ao chão, tocos de cigarro em cima das mesas e um engradado de cerveja num canto. Todas as garrafas estavam vazias. Realmente, fazia muito tempo que ninguém entrava naquela sala. As cadeiras e mesas estavam tomadas pelo pó.
Pedro já se banhara, Airton saía do chuveiro e Vinicius disse que não tomaria naquele dia. Maiara estava no banheiro. Jonas chegou à porta de vidro do ginásio e observou a piscina. Abriu devagar a porta e ela rangeu. Dissera-lhe que a seguisse sem que Pedro visse. E não houve problema com isso. O namorado já dormia faziam quinze minutos.
Contornou a piscina e dirigiu-se ao banheiro. Um chuveiro estava ligado. Tirou a roupa e deixou-a num canto. Entrou no banheiro e abriu o box. Lá estava ela, linda, exuberante, assobiando, com o corpo todo ensaboado.
Passou meia hora e os dois ouviram um barulho na porta da entrada. Seria Pedro? Vou lá ver, disse Maiara. Jonas aproveitou e lavou-se. Secou o corpo e vestiu as roupas. Maiara não voltava.
Foi quando Vinicius também entrou no banheiro. Despiu-se. Era você? Eu o quê? Ouvi um barulho na porta, mas não sabia quem era. Hum... apenas disse. Vinicius entrou para o banho. Jonas saiu e não encontrou Maiara. Onde ela estava? Saíra seminua e precisava pegar suas roupas antes de voltar para o pseudodormitório.
Empunhando o mesmo sabonete, o mesmo shampoo, a mesma toalha e a roupa suja, dirigiu-se à saída. Foi quando viu um canto da lona que cobria a piscina com um volume sob ele. Meio assustado, abaixou-se cautelosamente e descobriu a lona. Uma água avermelhada envolvia o corpo desfalecido de Maiara. O pescoço havia sido cortado.
Jonas gostava de Maiara. Airton também gostava dela. Ela namorava Pedro. Todos sabiam disso. Mas não sabiam que Vinicius gostava de Jonas.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

AMOR ESTRANHO AMOR

 Publicado no Jornal Letras Santiaguenses Set/Out 2009
e no jornal Tribuna em 1º de agosto de 2009

O passado das pessoas às vezes pode ser bem sinistro. Constatei isso conversando com uma amiga. Ela disse que ficara decepcionada quando descobriu a história oculta da Xuxa. Ao menos oculta até então para ela. Do que você está falando? Que ela posou na Playboy? Não acho a coisa mais correta moralmente para a Rainha dos Baixinhos, mas não vejo problema nisso. Não, sobre o filme que ela fez anos atrás. Não estou sabendo de filme nenhum. Ela fez um filme com um garoto de 12 anos. Como não acreditasse recorri ao Aurélio digital, o amigo de todos, Google.
E procurando no Google descobri um vídeo, lançado em 1982, onde a Xuxa representa o papel de uma prostituta de um bordel e seduz um garoto de 12 anos. O filme? Amor estranho amor. É só procurar nos sites de busca que aparecem incontáveis páginas. Pois então a Rainha dos Baixinhos participou de um filme onde um garoto, menor de idade, realiza cenas de sexo. Ao que me consta, isso é, sempre foi e sempre será crime. Junto com a loira, que à época não era famosa, também era menor de idade e buscava a fama, encontramos um elenco de peso: Vera Fischer, Tarcísio Meira e Mauro Mendonça.
Muita coisa que se encontra na internet é montagem ou edição de vídeos que fazem parecer real o que não é. O filme foi proibido e tirado de circulação no Brasil, mas lançado nos Estados Unidos com o título “Love strange love”. Ainda cauteloso, procurei algum trecho dele, o que foi facilmente encontrado, até mesmo na íntegra, com cenas de nudez completa e beijos na boca entre as adultas do filme e o garoto. Maria da Graça Meneghel também contracena com o pequeno. Assim como minha amiga, fiquei muito decepcionado com o que vi, pois descobri uma pessoa sem maquiagem, músicas bonitas, nem palavras cândidas.
Não que eu tenha a audácia de acreditar que esse texto chegará às mãos de pessoas influentes e que se incomodem a ponto de quererem processar-me, mas sempre é bom precaver-se. Então, não faço nenhum posicionamento, apenas relato os fatos que se apresentam na internet, disponíveis a qualquer pessoa que se interesse em saber um pouco mais sobre um filme da época da pornochanchada e que foi proibido no Brasil. Não sei por que o foi!
Pergunto-me como um fato tão relevante conseguiu ser abafado com tanta eficiência. E também como ninguém foi preso. E inclusive o que pensavam os pais daquele inocente que por ser menor de idade, não respondia pelos seus atos. Por consequência, se o rapaz não poderia responder pelo “crime” (ou devo utilizar sem aspas?), os pais deveriam.
Procurei no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) um artigo que me dissesse “Giovani, você está exagerando os fatos” ou “realmente, você tem razão”. Encontrei alguma coisa. O Artigo 240 fala o seguinte “produzir ou dirigir representação teatral, televisiva ou película cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica. Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste artigo, contracena com criança ou adolescente”. Lamento que o ECA tenha sido criado apenas em 13 de julho de 1990, através da lei nº 8069 para, dentre outros objetivos, impedir a repetição de aberrações como esta relatada.
Além d’Os Trapalhões -Didi, Dedé e dos saudosos Mussum e Zacarias-, Xuxa participou da formação da minha infância. Eram manhãs inteiras assistindo a seus programas. Foi uma tristeza muito grande ouvir esta história e confirmá-la.
Pergunto-me, ainda, o que pensou o inocente durante as gravações. Porque se ele representava um rapaz assustado no filme, o fazia de maneira tão perfeita que me faz crer que assim demonstrou porque realmente devia estar. Se essa história morreu nos ecos vazios do passado, no esquecimento que só o tempo e o silêncio podem trazer, rezo para que não se repita. Seja com o amparo da lei, seja com o amparo da moralidade, artigo de baixa incidência em algumas pessoas.

ESPERANDO O ÔNIBUS

Menção Honrosa no Prêmio Literário de Porto Seguro de Contos 2009
Publicado no jornal Letras Santiaguenses Mai/Jun 2009
e na antologia poética do Prêmio Literário de Porto Seguro de Contos 2009

Ambos riam e já fazia uma hora que conversavam compulsivamente. Ela falava com ele e sorria. E dizia mais duas palavras e alargava os lindos lábios de novo. Ele, monossilábico, ria contido e concordava. Piadista era ela, falava muito, todas as suas palavras eram agradáveis.
Então olhou para a frente, sério. Estavam o chamando. A fila andava.
Pagou a conta e retirou-se da lotérica. Era o dinheiro que se tinha ido mais um pouco. E que importava, se estava na companhia dela?
Sentaram no banco à espera do ônibus. Fernanda estava cansada. Recostou sua cabeça no ombro dele e reclamou da estafa. Não fosse esse movimento suave dela, tudo seria normal. Mas por que a cabeça no ombro, se poderia falar-lhe normalmente sem fazer isto?
Ao ouvi-la, procurava fitar seus olhos, num ângulo difícil que formava entre a cabeça apoiada no ombro e os seus olhos, mas não resistia à boca e encarava-a. Que lindos lábios, que carnudos lábios. Sorria, pois isto desarma qualquer um. Estou desarmado. Não me peça para comprar uma roupa cara, pois não saberei dizer não. Não peça para afastar-me de você, não conseguirei. Nem ouse pedir algo impossível. Eu esquecerei este detalhe e irei atrás para dar-lhe.
Entre esses e outros devaneios, Arthur não notou o tempo armar-se e iniciarem os primeiros pingos. Fernanda dormia no seu ombro. Pecado acordar-lhe. Mas o ônibus atrasava e se demorasse pouco mais, ela haveria de molhar-se, ficar resfriada e por dias não se veriam. Ela em casa, doente; ele sem saber onde morava, angustiado por notícias. Tirou sua jaqueta ainda com cheiro de nova enquanto Fernanda acordava, sem entender muito o que ocorria.
Toma, veste isto. O vento está começando e a chuva também. Não quero que você resfrie. Mas e você? Não vou desvestir um santo para que outro vista. Eu me viro, você é mulher. E...? E daí que sou mulher? Você também sente frio. Fique com a jaqueta que me abrigo em você.
Não é a questão de ser mulher. É que você é a minha mulher e não quero que passe frio. Aceite, por favor.
Não disse isso. Não foi por vontade e sim por cautela. Que pensaria ela? Não era hora de declarar-se, nem sabia se era isso que sentia de verdade. Talvez fosse só carência. E um corpo feminino sempre supre a falta de qualquer carinho.
Não falou que era sua mulher, mas ignorou as palavras dela e entregou-lhe a jaqueta.
E não aceito um não.
Muito bem, disse-lhe a moça, se você faz questão, aceito.
Vestiu a jaqueta e esquentou-se. O tempo piorou e o ventou aumentou. Arthur sentiu a espinha gelar, o ar gelado a entrar-lhe pelas canelas, pela gola da camiseta. Ela quentinha, confortável. Não demorou muito para que percebesse a sua condição. Olhou compadecida. Algo estranho ocorria entre eles, mas não conseguia perceber. Algo havia, sim.
A chuva engrossou e os relâmpagos dramatizaram ainda mais a situação. Escurecia e nada do ônibus aparecer. Arthur sentiu o rosto molhar e não havia lugar nenhum para ir, nenhum abrigo melhor que aquele. Estou com medo dos raios. O ônibus não vem nunca. E encostou novamente a cabeça ao ombro dele. Por que, raios, isso? Por que se aconchegava, se não demonstrava o sentimento que desejava?
Então chegou o ônibus. Obrigado pelo casaco.
Pode ficar com ele. Quando você descer do ônibus, vai precisar dele. Mas e você? Eu fico bem assim. Muito obrigado.
Fernanda deu-lhe um tchau, já distante e abanou com a mão direita. Poderia ter sido com um beijo, não?
Subiu as escadas e o ônibus sumiu aos poucos no horizonte.

VIERNES

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mai/jun 2009

Hoy tenemos todo el tiempo del mundo
Y muchas cosas para hacer
Para decir, para pensar
Tenemos todo el tiempo que querramos

Hasta los veintidós años es viernes
Y mañana por la mañana
Será otro viernes:
El último día de trabajo
El primer día de amor contigo

No tengamos prisa, pero tengamos ganas
De oír los pájaros
De mirar el día que se muere
De sentir la lluvia, de mojarnos

Hoy hay tiempo
Mucho más que ayer
Mucho más que mañana
Mucho más que siempre

MEU VÍCIO


Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mar/abr 2008

Como é bom te ver
Como é bom te olhar
Como é bom te beijar
E como é bom, mas muito bom mesmo
Muito bom te amar...

Te amo com minhas palavras
E quando elas são poucas
Te amo com o meu olhar
E quando ele é pouco
Te amo com a minha alma
E com tudo isso ao mesmo tempo.
Te amo com as palavras
Que expressam meu olhar
Que é o que há de mais sincero em minh’alma
Tudo isto guardado no meu coração
E lateja no meu corpo
Na minha mente

Te olhar nos olhos e
Ver a tua alma profunda e serena
Linda e bela
Te olhar e dizer, vendo esse rosto lindo
Te dizer TE AMO!

Porque eu te amo e isso basta
Porque eu te amo e isso é o que importa
Porque eu te desejo e isso é o que vale
Porque sou teu e isto não mudo mais
E desse modo vive o nosso amor

E a distância é grande
E isso não importa,
E quando aperta o coração
Quando ele se espreme num cantinho, coitado
Torcido de saudade de paixão
Pego-o com minhas mãos e o aconchego
Digo pra se acalmar
Porque mais tarde ele vai te ver
E poder te amar!

ESCOLHAS NECESSÁRIAS

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses set/out 2007

Nem sempre valorizamos nossos amigos. E até mesmo aquelas pessoas que são meramente colegas de profissão ou estudo têm a possibilidade de um dia se achegarem mais e ter uma boa conversa ao pé do ouvido. Falar sobre assuntos internos, não apenas os superficialmente diários, mas aqueles que mexem com a emoção, que nos fazem ficar tristes, ou alegres, por que não?
Todos os dias conversando com as mesmas pessoas. Dá pra ficar nessa por anos e não valorizar tempo de convívio. Mas eis que o destino se divide e os rumos passam a ser outros, diferentes. A notícia do distanciamento surge no meio do nada. O papo ia tranqüilo, legal até então. Aí a bomba cai na mesa, à frente de todos. Escutam com espanto. Mas, desde quando você planejava isso? Por que não nos disse nada antes? Alguns sentem pesar, outros ficam indiferentes. Um bom observador, ou até mesmo alguém com a sensibilidade um pouco mais aguçada consegue notar os olhos brilhando à direita. A boca camufla com um sorriso, amarelado, disfarça. Mas não tem como esconder por completo. Sim, brilhando o olhar, lágrimas ansiosas por sair, mas contidas pela publicidade da situação. Começa a apertar o coração e aquela convicção de ir embora já nem é tão convicta assim. E nós, como é que fica? O que será da turma sem você? Quando você for arrumar as suas coisas, empacotar tudo, me chama que eu quero te ajudar. Lindo gesto. Ai de nós...
Dá dois dias e aqueles em que se passam dias sem conversar porque saíram do contato já estão sabendo. Você não disse nada, mas já têm conhecimento de causa. É verdade que você está partindo? Por quê?
Mas há um outro coraçãozinho permanentemente apertado lá longe, sofrendo há tempos. Sempre na desvantagem, já passa a ver uma pequena luzinha no final do túnel. E a luminosidade tende a aumentar com o passar dos dias. Será que os tempos de sofreguidão irão terminar? Será que a esperança pode ser alimentada? Ou é precipitado já cantar a vitória? E a tristeza vai dando lugar à angústia que tem data para acabar, mas parece nunca chegar. Interminável. E, lógico, sofrida. Muito.
Foi contar sobre a possibilidade e, mesmo sem estar vendo, só ouvindo, notar que o corpinho todo se encheu de alegria. O humor melhorou, rosas apareceram à sua volta e o sol esquentou ainda mais. Mesmo sendo noite. Um mundo de possibilidades e “serás” abriu-se. Será que...? Ou será que não? Será que dará para...? Será melhor! Aprontou-se para gritar de alegria, mas se conteve. Fora alertada pelo seu amor que nada era certo, tudo poderia cair por terra e a decepção tomaria proporções colossais. O melhor seria manter-se serena, como se fosse possível, e deixar as coisas acontecerem. Restava pensar que se o pirulito estava à sua frente, não era por acaso. Se não fosse para tê-lo, que nem lhe mostrassem. Pois é um pecado apresentar a uma criança sedenta um belo pirulito, fazer-lhe sentir o doce aroma e, bem próximo ao nariz, tirar-lhe dizendo que não o dará. “Eu espero você, o tempo que for, pra ficarmos juntos, mais uma vez”. Talvez a espera esteja acabando...
Dois corações em situações opostas. Cada um com os seus interesses em jogo. Amizade que se vai, amor que se aprochega. Realmente, nada é perfeito. Quando a gente se acostuma, cria raízes, cultiva amigos, engaja-se na rotina. Eis que aparece uma oportunidade. Tão desejada oportunidade. É ela. À sua frente. Desnuda, desejando-te. Não mais que você, mas desejosa. E surge, pra complicar a vida, o conflito de idéias. Deixo os amigos e vou de encontro ao meu amor? Ou mantenho as coisas como estão? Sim, isso é possível. É só não fazer nada. Será trabalhoso ir embora. Dispendioso de tempo e muita paciência. Além de altas taxas de azia devido à incerteza dos fatos. Se era o sonho a ser alcançado, por que não lutar por ele? A menos que os anseios tenham mudado, que os desejos não sejam os mesmos. Mas ainda são.
Conquistas só assim o são se forem difíceis, lutadas, suadas, trabalhadas. E sacrifícios têm que ser feitos, infelizmente, em prol de um bem maior. Por experiência própria, já é sabido a dor da separação de entes queridos. No passado, ficaram lá eles, cá cheguei. Mas à mesma época, o mesmo terno coraçãozinho já estava longe e continuou distante. E resiste até então às intempéries. O tempo passou e a distância dos primeiros amigos cada vez cresceu mais, mesmo sem termos saído do lugar. O carinho por todos continua o mesmo, mas a intimidade, tristemente, evaporou-se aos poucos.
A história repete-se com os entes atuais. Replay do drama. É por opção. Poderia decidir por deixar o coraçãozinho onde está, mas a escolha é esta. Sendo assim, que venha o coraçãozinho e fiquem os amigos. E também, ninguém vai morrer. Não é o fim dos dias. Apenas o término de um convívio alegre e construtivo a ambas as partes. Cada um cresceu com o outro, riram-se, foram admirados e admiraram, ficaram bravos e algumas praguejadas escapuliram. Faz parte do ser humano. Do convívio. Uns choram-se, há perda. Outros, riem-se, um futuro bom nos aguarda. Ao menos é o que se acredita. O bom é que vai ficar uma melancólica, mas muito boa lembrança da estadia.

O VÍRUS DO AMOR

Publicado no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2006 
O amor é como vírus
Não se sabe ao certo de onde surgiu
Demora um pouco para aparecer os sintomas
Mas em pouco tempo está em todo o corpo.

Ele causa esquecimento, distração
Uma alegria constante e um eterno bom humor
Como pode uma coisa dessas
Que a gente nem vê,
Causar tamanho estrago?

Mas o vírus do amor
Não se transmite muito fácil
E o incrível é que ele só passa para uma pessoa
Que com a mesma intensidade sofre

E atenção!
Uma vez que o vírus do amor te invade
Ele sempre estará em ti.
Tu poderás até acabar com os sintomas
Fazer de conta que não tem
Agir como se o vírus não fosse teu
Mas jamais deixarás de tê-lo
E para sempre amarás!

NA ROÇA

Publicado no jornal Letras Santiaguenses em nov/dez 2005

Eu era filho do “Doutô Magera”, o Senhor dos Senhores. Respeitavam-me como filho de um deus. Principalmente o Lázaro. Caboclo, filho de pai branco com mãe índia, era de característica física típica: os cabelos lisos e a pele cor acobreada. Dizia ele: “Devo tudo ao sinhô seu pai. Me dá roupa, cama, comida, trabaio, e ainda resta uns trocadinho pra mó di juntá e tê minhas coisinha...” Muito simpático ele. E prestativo: Era só falar que corria fazer o serviço. Cinco minutos e não tardava em Ter tudo pronto. Assim como lhe queria bem, por puro zelo fazia-me as vontades.
Mas meu pai não. Bem diferente dos criados que tinha. Sério como todos os pais, passava pouco tempo comigo. Muito menos com meus outros dois irmãos. A mãe era falecida pós-parto. O meu. Sendo o caçula, e sem conhecer a falecida, tão somente por fotos, fazia as vezes da casa. Ambos os irmãos eram homens, e já feitos. O mais velho, Nestor, passava dos 24 anos e logo-logo sairia de casa. E Júpter, o do meio, estava a ir embora final-de-semana próximo.
Voltando ao Magera (não se assustem com a impessoalidade do meu tratamento costumeiro com ele), trabalhava numa mecânica de um primo. A empresa era grande e a jornada de trabalho, árdua. Ele trabalhava na gerência. Ganhou o título de “Senhor dos Senhores” de seus subalternos devida à grande firmeza com que os tratava. Não era cruel, sequer injusto, mas exigia rapidez e qualidade dos empregados.
Morávamos no campo. A renda era vinda, mesmo, do trabalho de Magera na mecânica, porque a lida com o gado só não dava era prejuízo, lucro há muito não se conhecia. Lázaro administrava os peões e tomava conta de mim quando meus irmãos se ausentavam.
É até estranho o Magera trabalhar na cidade numa oficina mecânica. Mas o seu conhecimento profundo da engrenagem de caminhões e tratores fê-lo ir à zona urbana em busca de emprego, uma vez que o campo iria afundar-nos financeiramente. Aprendeu um pouco sobre carro e o resto deduziu. Sempre amparado pelo primo, pôde crescer na carreira e chegar aonde chegou. Claro que fez um curso de gestão de negócios, mas a esperteza nata fez com que merecesse o cargo.
Não reclamo da vida que tenho. Vivo quase sempre “solito” em casa, com o Lázaro volta-e-meia aparecendo pra ver como estou. Meus irmãos trabalham na cidade, mas nem sei no quê. A filha da vizinha, moça mui guapa, dia sim, dia não, aparece cá por casa. Aproveito a deixa a dou-lhe uns beijos. Não namoramos. Ela se encanta por meu primo, Carlos, que é da cidade e só aparece nos finais-de-semana. Para felicidade minha, ela não o agrada. E nesse contexto, vou me aproveitando enquanto ela deixa. Sabe, isso parece meio errado, mas pela falta de moças que há na região, creio ser a única medida a ser tomada por um rapaz, digamos, “solitário” como eu.
E sobre a rotina daqui do campo, digo que é a mesma das outras propriedades. Quero estudar Direito, mas o Magera disse ser muito caro o curso. Então, acho que farei Engenharia Mecânica. Daí, poderei trabalhar na empresa do primo e me livrar do campo. Aqui é muito parado. Ah, sim, quando eu me for pra cidade, levo a vizinha junto comigo.

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