terça-feira, 12 de outubro de 2010

OS ANÕES IGNORADOS

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 15 set 2010
e no Jornal da Cidade Online, em 27 set 2010.

A máxima de que “a união faz a força” foi retratada numa notícia, no mínimo interessante, da Revista Veja Online, dia 10 de setembro. Eis a manchete: “Em luta por árvore, formigas afastam elefante”. Quando o menor derruba o maior, faz-se alarde. Quando quem, naturalmente, estaria em desvantagem, muda a lógica do jogo e assume o poder, o fato é anunciado aos quatro ventos. E tem que ser, mesmo.
Essas minúsculas formigas são quenianas e conseguem afastar elefantes das árvores onde habitam, entrando nas suas trombas, incomodando-os. Dessa forma, os pesados mamíferos nem se aproximam das árvores. É a natureza se regulando, estabelecendo o equilíbrio de forças entre pequenos e gigantes. As árvores servem de lar às formigas, que as protegem dos elefantes, os quais se alimentam de outras árvores ilesas desses insetos.
A vitória do menor diante do maior também ocorreu com Davi e Golias, onde o gigante foi abatido por uma pedrada certeira. As micro e pequenas empresas lutam com todas as armas que dispõem para sobreviver entre um imposto e outro, queda nas vendas, assaltos e inflação. O guri da 5ª série quer ser como o adolescente do 3º ano, mas lhe tem medo. E em tempos eleitoreiros, os pequenos partidos lutam deslealmente contra as grandes alianças.
Percebe-se, facilmente, a diferença que tem as propagandas da Dilma e do Serra comparadas com a da Marina Silva e todos os demais candidatos. Enquanto nos presidenciáveis do PT e PSDB sobra tempo (10min38seg e 7min18seg, respectivamente), dinheiro e recursos multimídia, nos outros a simplicidade impera. Para quem desconhece o nome dos candidatos menos badalados, sabendo unicamente que existem Dilma, Serra e Marina Silva (PV), lá vão os demais: Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), Ivan Pinheiro (PCB), Levy Fidelix (PRTB), José Maria Eymael (PSDC), Rui Costa Pimenta (PCO) e Zé Maria (PSTU). Mas... como o estimado leitor conseguiria gravar algum desses nomes, se Marina Silva e Plínio Arruda têm pouco mais de 01 (um) minuto para pronunciar-se e os demais candidatos-nanicos, míseros 56 segundos?
Se somarmos os tempos de Marina Silva e dos demais minuteiros, não atingiremos o tempo que a presidenciável Dilma dispõe na televisão/rádio. E, se contabilizarmos os orçamentos das campanhas dos primeiros, necessitarão serem multiplicados por muito para que se atinja a igualdade com os valores de Dilma e Serra.
Nas propagandas do PT/PSDB, a abundância financeira e temporal proporcionam histórias tristes de pessoas que lutam diariamente para conseguir o sustento, acompanhadas de músicas apelativas. Tudo isso com o único intuito de persuadir o telespectador/ouvinte. E é lógico que não tem como saber se a história é, verdadeiramente, real; se não é uma exceção à regra; se não é a visão distorcida de um fato que foi apresentado daquela maneira apenas porque era conveniente. Se no comércio existem leis que favorecem os pequenos empresários a crescer, no regime eleitoral a lei é quem oprime os candidatos dos partidos menores, estreitando o tempo.
Claro que sempre há alguns candidatos bizarros que fazem piruetas para chamar a atenção, com um discurso vazio, o que faz o processo democrático de eleição perder um pouco a seriedade. Desconsiderados esses banais travestidos de candidato, há, também, o desespero em apresentar uma proposta de Governo, em nível federal, num irrisório minuto. Você acha que cabe em 56 segundos as propostas para um país como o nosso? Se alguns candidatos são insignificantes nas pesquisas eleitorais, da maneira como o processo eleitoral segue, jamais conseguirão galgar degraus nas intenções de voto. Ninguém os conhece, nem há tempo para que sejam conhecidos!
“Se, reduzidos ao desespero, os inimigos vêm dispostos a vencer ou morrer, evita o combate. Deixa uma saída a um inimigo acossado; caso contrário, ele lutará até a morte”. É o que traduziu, em 1772, o padre Amiot, dos escritos de Sun Tzu. Ele passou do chinês para o francês. Sun Tzu ainda gera dúvida se existiu realmente ou foi apenas uma lenda. O fato é que “A arte da Guerra” foi escrita há cerca de dois mil e quinhentos anos e o livro é utilizado atualmente por empresas, de onde depreendem dos ensinamentos militares as decisões que os executivos necessitam tomar frente às problemáticas empresariais. Mas o que Tzu não previu nesses seus tratados sobre o combate, é que o eleitor seria o telespectador de um absurdo: mesmo com os candidatos-nanicos acossados, lutando com as armas que têm (paus e pedras, apenas), o sistema os tolhe e, ainda que lutem até a morte, desesperadamente e com todas as suas forças, pouco crescerão, porque não lhes é aberto espaço para falar.
Mesmo que alianças sejam feitas para aumentar o tempo de propaganda eleitoral e somar simpatizantes, distribuir desuniformemente os tempos é uma prova que não evoluímos tanto assim no processo eleitoral. A urna eletrônica é um avanço maravilhoso. O cadastro biométrico é excelente. Mas ainda há falhas.
O circo está montado, dois palhaços digladiam e a plateia presta atenção em polvorosa, ignorando os anões que se debatem à volta da arena.

DECIFRA-ME OU TE DEVORO

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 09 set 2010.

Perdemos tanto tempo com coisas inúteis na vida... O mais sério é que na maioria das vezes que estamos ocupando nossas forças em algo que não valerá mais que alguns “por que eu fiz isto?”, temos uma sensação que acompanha o agir, dizendo ao pé do ouvido: não faça, não faça. Mas, é óbvio, não seguimos a razão e o coração assume a direção. Vá tomar um banho gelado, faça a barba, escove os dentes, faça algo diferente que lhe desvie da vontade de fazer o inútil.
Para ilustrar essas reflexões, baseio minha crônica numa história que um amigo relatou-me, profundamente cabisbaixo. Sua namorada disse-lhe, certa feita, nessas palavras “Tento decifrar, entender certas coisas, mas é esforço em vão...”. Isso o fez carregar consigo por dias um ponto de interrogação debaixo do braço. Ele supunha o que a garota queria dizer, mas não botava fé que realmente fosse.
A garota escreveu-lhe, ainda, um bilhetinho e entregou após os dois saírem de um jantar:

É como um filme de suspense ou policial onde tem as pistas e temos que juntar para decifrar o crime, quem é o assassino.
Geralmente sou boa nisso, mas tenho que admitir que dessa vez a emoção não dá espaço para o raciocínio e é difícil compreender as pistas.

Nem implorando ela falou-lhe o que significava. Ele que dissesse o que entendia. Quanta mística naquilo tudo! Decorreram mais alguns dias e o relacionamento estava acabado. O motivo? O mistério que ela tanto falava eram os relacionamentos paralelos que ele tinha enquanto se dizia apaixonado por ela. Descobrira em mensagens de celular que o esperto do meu amigo deixara. Além de cafajeste era burro! Mas tudo bem, teve o que merecia...
O público feminino que me odeie, mas entro em defesa desse meu amigo. Ao menos quanto ao que sentia por ela. O resto não entra na análise: foi mais que errado, uma demonstração de fraqueza moral, de covardia de dizer a ela que queria uma relação mais aberta, menos envolvente que um namoro. Quanto à defesa, digo que ele realmente gostava dela. Talvez não houvesse dito que a amasse ainda porque o relacionamento deles era recente ou porque fazia pouco que terminara outro, longo e de fim também amargo. Sei que ele sentia por ela muito mais que apenas amizade, mas seus atos negativos não refletiram, definitivamente, o que sentia por ela.
Ele estava querendo a liberdade (ou libertinagem) que não tivera no outro namoro. Saía de um e engatava em outro. Não era de acordo com seus planos, mas era melhor do que poderia imaginar. Porque aquela garota que escreveu o bilhete era alguém que certamente ele não veria duas vezes na vida. Porque ela acertava tanto com os seus pensamentos que chegava, por vezes, a grau de espanto mútuo. Você só pode ter copiado isso de mim. Nem sabia.
Ele estava querendo a liberdade e não tivera aquele momento mínimo de sinceridade com a garota. Não quero envolver-me agora contigo. A Medusa que se tornara a sua amiga, ficante e depois namorada, tinha poderes muito além dos seus.
Estava, de fato, investindo as suas energias inutilmente. Esgotava-as com outras mulheres, que não lhe preenchiam por dentro. Imprimia todas as forças na falsa sensação de bacanal, que aos dezessete anos também tivera, onde a quantia de mulheres era superiormente mais importante que a qualidade.
Mas tudo isso são conjecturas. Ele não me disse nada depois que mostrou o bilhete manchado de lágrimas e repetiu a frase enigmática da já ex-namorada. E chorou em meu ombro. Estava fraco agora. Gastara as forças onde não devia.

EFEITO BORBOLETA

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 1º Set 2010.

Neste último final-de-semana estava prestigiando a formatura de alguns amigos e deparei-me pensando em como o meu destino poderia ter sido diferente caso eu houvesse tomado outras decisões no decorrer da vida. Se não me mudasse daquela cidade, talvez estivesse junto aos formandos, seria um deles. Se não terminasse o primeiro namoro, estaria em outra formatura, noutra cidade. Se continuasse com a segunda namorada, talvez não estivesse nem em uma formatura, nem na outra. Destino modificado devido a uma série de escolhas. Algumas direcionam a vida para um caminho ou outro. Outras levam a esses momentos decisórios. Não se trata de atitudes deterministas como a fajuta mudança de destinos devido a detalhes, encontrado nos filmes da série “Efeito Borboleta”, e sim, de diversas ações que nos levam a algum lugar.

Aproveito e faço um gancho com a crônica da Martha Medeiros deste último domingo, dia 29 de agosto, na Zero Hora, “Em que esquina dobrei errado?”. Ela recorda de uma situação que passou, onde errou de esquina e foi parar “em lugar algum”. “Quanta gente perde a vida que almejou por ter virado numa esquina que não conduzia a lugar algum?” Já penso diferente da colega cronista: as decisões que tomamos, ainda que depois vejamos não terem sido as melhores, nos levarão a algum lugar sim, mas será um destino que não planejamos.

Uma amiga, sábia, disse certa vez: “Somos quem queremos ser, se optarmos podemos mudar. A decisão é nossa, não pedimos licença e nem mesmo perdão pelo que somos.” Um jogador, geralmente, não é expulso de um jogo de futebol pelo simples fato de uma entrada mais severa, mas por estar a todo momento cometendo faltas que são relevadas pelo juiz. Não perdemos um emprego simplesmente porque não agimos da melhor maneira numa situação, salvo os momentos de crise financeira, mas porque em diversos momentos deixamos a desejar. Não é só uma ação que nos determina. Precisamos de um conjunto de ações e motivos que nos conduzirão à ação principal.

Seguindo a lógica que apresentei, não podemos fazer recair a pequenos fatos toda a culpa pelos nossos fracassos. O sol brilha a todos e o relógio caminha na mesma velocidade, sempre, independentemente de credo, etnia ou classe social. O que fazemos com esse tempo é que vai, aos poucos, definirnos para a direção “A” ou para o caminho “B”.

E qual desses dois rumos é o melhor? Difícil dizer. Muitas vezes não conseguimos definir este antagonismo. Pode ser que ambos sejam bons, ruins ou que tenham doses de cada.

Desculpem-me os amantes de “Efeito borboleta”. Para um momento de curtição, divertimento, aqueles onde colocamos a chave do senso crítico em “off” e apenas queremos acreditar e iludir-nos com a história à frente, o filme é um bom entretenimento. Acreditar que, ao invés de deixar o amigo perto da explosão, salvá-lo irá mudar todo o seu destino, é ser um tanto bestial. Salvo casos isolados, haverá muitos outros fatores que no decorrer da vida definirão se a pessoa irá se tornar um viciado ou um intelectual. Ou os dois. O filme mostra que quando um fato da infância do protagonista é modificado, um novo futuro lhe é reservado. E essa mutação é constante. Jogar a culpa em Deus, no destino ou num fato que não é mais possível mudar é algo muito fácil. Difícil é enfrentar a realidade.

Há momentos na vida os quais queríamos que os fatos surreais do Efeito borboleta realmente pudessem ocorrer. Muita dor seria evitada. Mas não teríamos o senso crítico atual, porque não haveríamos sofrido o tal trauma, susto, seja o que for. E, quem vai saber se era, realmente, melhor ter trocado de opinião antes? Talvez seja melhor estar aqui onde está e deixar que o universo se ajeite de acordo como as coisas vão ocorrendo. Porque se não for, já está mais que na hora de ir em busca do tempo perdido.

OS 65 ANOS DE HIROSHIMA E NAGASAKI

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 25 ago 2010.

Quando grandes tragédias ocorrem, os primeiros cinco anos servem para todo tipo de análise e reportagens especiais serem feitas. Depois disso, perde relevância e só voltam a ser o foco da mídia quando são completados -vamos fazer aqui, um neologismo- “anos meio-redondos” 5, 15, 25 e “redondos” 10, 20, 30 anos. O intuito é relembrar esses fatos históricos de vulto.
Ano que vem, dez anos depois da destruição das Torres Gêmeas em Nova Iorque, o terrorismo será posto à luz, reanalizado, refletido e lamentado. Em 2004 foi assim com Senna e neste ano com Cazuza, data que completou 20 anos sem o “exagerado”.
O terremoto ocorrido no Haiti e que sangrou diversas famílias neste janeiro e o “primeiro ano sem Saramago”, falecido em junho, serão relembrados em 2011.
2010 é o ano de relembrar, com pesar, os 65 anos do término da 2ª Guerra Mundial e o indissociável ataque nuclear às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. A bestialidade norte-americana de exterminação humana (atingindo muito mais pessoas que a Al-Qaeda nove anos atrás!) e demonstração de poderio militar à extinta União Soviética assopraram velinhas cor-de-sangue neste agosto.
Nos dias seis e nove do mês do azar, o avião alcunhado de Enola Gay sacramentou a morte instantânea de milhares de pessoas, lançando sobre as cidades as bombas chamadas pelo carinhoso epíteto de Little Boy (pequeno garoto). Do hipocentro da explosão, num raio de 2 km, tudo foi destruído. A bomba atômica gera a explosão mecânica, provoca uma onda de calor e, para sacramentar, emite radiação. Esta última não foi a maior responsável pelas mortes momentâneas, e sim pela modificação do código genético daquelas pessoas e de seus descendentes. Consequência? Várias gerações com câncer e outras doenças.
A desgraçada explosão foi eternizada, para que nunca se esqueça nem haja dúvida quanto aos problemas que a exposição à radiação traz, na música “Rosa de Hiroshima”, pelo extinto Secos e Molhados, na voz de Ney Matogrosso.
Felizmente, depois de 1945, a radiação nuclear não foi mais utilizada como bomba para matar populações. O seu uso também pode ocorrer para a produção de energia, mas a má administração desta fonte de energia pode trazer conseqüências catastróficas.
Exemplo disso foi a madrugada de 26 de abril de 1986: a usina nuclear de Chernobyl, localizada em Pripyat (extinta União Soviética e atual Ucrânia), teve medidas de segurança negligenciadas e, consequentemente, vazamento de energia nuclear, radioativa portanto. Milhares de pessoas morreram.
Houve uma série de desinformações sobre o desastre que havia ocorrido, quase levando a uma precipitação radioativa 100 vezes maior que a soma das emissões em Hiroshima e Nagasaki. Para evitar o pânico, a população não foi informada sobre o que, efetivamente, estava ocorrendo. Essa incompetência das autoridades governamentais permitiu que toda a Europa passasse a receber as letais doses de radiação. Apenas depois de 30 horas após a explosão as pessoas foram evacuadas da cidade, porque os níveis de radiação existentes em Pripyat poderiam matá-las.
Ainda, hoje, o acesso às informações sobre Chernobyl é escasso. Porque quanto menos se falar sobre o assunto, menos pessoas lembrarão o acontecido, menos cobrança haverá. Essas “datas redondas” e “meio-redondas” têm grande valor, porque aqueles que não vivenciaram os dramas podem aprender sobre o acontecido. E aqueles contemporâneos aos desastres e que não puderam informar-se quando da ocorrência dos fatos, têm agora essa oportunidade.
No ano passado, elaborei o conto “O tempo parou” sobre os ataques a Hiroshima e Nagasaki e um vídeo com esta história e informações sobre o desastre nuclear. Está visível no meu site.
A nossa memória, que é seletiva e curta, não pode ficar à mercê de datas comemorativas, célebres. Não esquecer o que ocorreu de errado é imperativo para que a história não seja repetida. Como reza o ditado, “errar é humano, repetir o erro é burrice”. Acrescento: ignorá-lo é estar fadado a repeti-lo.

O DIREITO A RESPOSTA

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 18 ago 2010.

Aqueles que fazem das palavras sua ferramenta de trabalho sabem a importância que vírgulas, reticências, expressões bem ou mal posicionadas e argumentos tendenciosos têm numa fala ou texto. Os professores dispõem desse poder cotidianamente, diante de seus alunos. São os heróis que muitos estudantes não encontram em casa, o pai que a garota sempre quis ou a mão firme que reforça os recados chatos da mãe. Os jornalistas e todos aqueles que têm um breve espaço para pronunciar-se em meios de comunicação também desfrutam de uma influência gigante perante seus leitores, telespectadores e ouvintes. Suas palavras, seus artigos indefinidos e posicionamentos críticos, sarcásticos, humorados e, infelizmente, parciais algumas vezes, alcançam num piscar de olhos mais pessoas que os professores. Em contrapartida, não têm a enorme felicidade de conhecer bem aqueles que lhes ouvem, fato este que sobra ao professor.

Lembro das aulas de jornalismo, nos idos anos de 2003, quando os professores ressaltavam que o jornalista tem que procurar ser, ao máximo, imparcial. Lógico que essa utópica neutralidade não abençoa ninguém e nenhum repórter, porque a própria visão de mundo faz-nos simpatizar com uma ideia ou com outra. Mas a versão de ambas as partes envolvidas sempre necessitou ser apresentada ao público. É isto o que vemos em empresas sérias, preocupadas com a verdade. Há um posicionamento do jornal, ele simpatiza com determinada causa, mas nem por isso deixará de dar espaço ao outro lado da história.

Mesmo com escândalos que pudemos ver em Foz do Iguaçu, onde vereadores utilizavam ilegalmente dinheiro público, passeando a nossa custa, com família, periquito e papagaio, os ladrões tiveram o direito de falar. Muitos se calaram, mas lhes foi auferida a oportunidade, assim como num julgamento, dentro das formas da lei, onde acusados e acusadores falam, cada um no seu tempo destinado.

No final do mês passado colei grau pela PUCRS em Letras, junto a tantos outros colegas de Letras, Matemática e História. Estavam lá, prestigiando-me, meus pais, minha irmã, amigos, amigas e alguns parentes que vieram de longe para comemorar comigo esta vitória. Havia cinco lugares à disposição de familiares ou às pessoas mais próximas que cada formando escolhesse. Como eram muitos concluintes, multiplicados por cinco, os lugares reservados iniciavam próximos aos novos professores até quase o fundo do salão. Meus pais ficaram lá no fundo. Os tios, primos e amigos sentaram junto ao público geral, mais ao longe ainda. Nem por isso achei prejudicado com os organizadores da solenidade. Cada um tinha o seu lugar e eu, meus colegas e professores, ocupávamos posição de destaque, como prevê o protocolo. Aliás, nem deveria ser diferente, éramos nós as autoridades da festa, o motivo de todos estarem lá. Nada mais justo que quem é mais relevante na solenidade ocupar o local de maior prestígio.

Dessa forma, pouco vejo de concreto no posicionamento, publicado em jornal local, de um advogado que se sentiu desprestigiado na formatura. Acompanhava-o o prefeito de Bagé. Assim como todos os demais familiares, puderam ocupar as cinco vagas disponíveis aos parentes daqueles que estavam pagando a festa, os formandos. Não foi reservado nenhum local específico para o prefeito e não era necessário. As autoridades da festividade eram os alunos, os professores. O espaço era particular, e não público. Ele não era mais importante que os pais dos demais formandos. Estava lá na condição de tio e possuía o mesmo grau de relevância que meu avô.

Assim como os demais jornais sérios que conheço, acredito que o semanário que publicou a opinião do ofendido também abrirá espaço para defesa, para a exposição da outra versão dos fatos. As palavras, como já disse, têm um poder enorme. Por isso, expor apenas uma das versões faz correr o risco de os leitores verem os fatos apenas sob uma ótica e uma nuvem espessa encobrir outros aspectos que envolvem o ocorrido. E não é uma verdade caolha que queremos.

Gosto muito do jornal, respeito e tenho grande admiração pelo trabalho que realiza, e é por este motivo que tenho a convicção de que será aberto o espaço para a réplica. Em tempos de eleição, acostumamo-nos com expressões e palavras do tipo “direito a resposta”, “réplica” e “tréplica”. E é assim que deverá ser conduzida esta questão.

O GOLPE DO DISQUE-SEQUESTRO

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 11 ago 2010.

Estamos com o seu filho. Não desligue o telefone, senão apagamos ele. Se avisar a polícia, ele morre. Você quer o seu filho vivo? Então deverá fazer exatamente o que estou dizendo. Deposite cinco mil reais nesta conta, anota aí.... E nada de avisar a polícia, certo?
Foi mais ou menos esse o diálogo inicial de um conhecido com o suposto sequestrador do seu filho, na semana passada. Um ótimo presente antecipado de Dia dos Pais. Contudo, não havia sequestrador, muito menos sequestrado. É um golpe ao qual muitas pessoas já sucumbiram. Não é novidade aos bandidos essa maneira de ganhar dinheiro “fácil”. Infelizmente, a mente humana tem o seu brilhantismo também à disposição do mal.
A história acima ocorreu ao amanhecer da quinta passada, com dois idosos. Eles tomavam seu chimarrão costumeiro quando receberam a ligação pelo celular. Ao ouvir que o filho fora sequestrado, o pai mal conseguiu raciocinar e continuou acreditando na mentira maldosa. Era cedo e o banco não havia aberto ainda. Saiu o casal, desesperado pela rua, gritando que o filho iria morrer, a caminho do banco. “É caso de vida ou morte”, respondeu a mãe ao segurança do banco. Este chamou o gerente, que os mandou entrar. Enquanto a polícia dirigia-se ao banco, acionada pela gerência, o pai continuava ao telefone, sendo ameaçado pelos sequestradores. O desespero era tanto que a mãe não recordava o número do filho, até lembrar-se que estava anotado na sua agenda. A ligação foi realizada e o filho, que estava são e salvo em casa, tranquilizou todos. Ficou evidente que se tratava de um falso sequestro pelo telefone. Realmente, não passava de uma ligação feita por bandidos que tentavam subtrair dinheiro de duas pessoas que não conheciam, mas sabiam dos efeitos devastadores das suas palavras.
“Eu escutei a voz do meu filho, era ele mesmo”. O desespero em que a pessoa entra após ouvir que alguma pessoa muito próxima foi sequestrada acaba por diminuir o discernimento entre realidade e ficção. É o que afirmou o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, na edição de 12 de fevereiro de 2007, da Revista Veja: “O estado de desorganização mental que se segue a uma notícia de acidente ou sequestro do filho ou cônjuge faz com que a vítima entre em um estado de quase-hipnose”. A reportagem antiga faz perceber que o golpe é antigo. Ainda assim, muita gente continua sendo vítima de pilantragens como essa.
Outra modalidade semelhante ao “disque-sequestro” é a “ligação-premiada”, onde um suposto funcionário de uma empresa conhecida informa que a pessoa ganhou boa quantia em dinheiro e para que seja depositado na sua conta, deve comprar cartões telefônicos e informar o número do código, ou então depositar 500 reais para ganhar os dois mil da premiação.
Ligações como essas podem ocorrer tanto em São Paulo como em Uruguaiana. Ainda mais com a facilidade que existe, atualmente, em acessar as informações de qualquer pessoa. As lojas detêm um cadastro com incontáveis informações pessoais, que vão de nome completo a filiação, CPF e endereço.
As redes de relacionamento na internet dispõem de álbuns de foto, onde o internauta divulga imagens da sua casa, dos pais, filhos, irmãos, amigos de maior convivência, local de trabalho, isso se não escancarar o endereço e o número do celular. Basta um acesso rápido aos álbuns, nem sempre disponíveis apenas a amigos, mas a amigos dos amigos ou àqueles que são adicionados sem realmente sabermos quem são e, pronto, tem-se uma ficha completa. Também são encontradas informações que você quer que apareçam e também o que não quer se digitar o seu nome no site do Google: concursos realizados, aprovações, promoções em empresa pública ou caso seja citado num site; tudo isto estará/está disponível na web.
É muita informação solta, livre e fácil de ser encontrada e fica difícil manter em segredo, na internet, a própria atividade profissional, rede de amigos e demais dados pessoais. Ajuda se controlar o impulso de postar na internet tudo o que ocorre consigo. A foto está tão bonita, dá tanta vontade de deixá-la pública para que os meus amigos vejam. E para que os inimigos invejem. É um enorme campo para contraventores aproveitarem-se e usarem contra nós. Não se desesperar ao ouvir o anúncio do sequestro, quando ele pode ser verdadeiro, é uma tarefa difícil. Mas é possível bloquear imagens, selecioná-las melhor para que nossa vida fique menos exposta e tentar permanecer sempre atento a qualquer chamada fora do usual.

O HERÓI, CONSELHEIRO E PAI

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 04 ago 2010.

“Você culpa seus pais por tudo
Isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?”
Nas palavras de Renato Russo inicio esta crônica que reflete sobre os mais diversos pais que comemoram o seu dia no próximo domingo, dia 8 de agosto. Sejam eles pais bons ou nem tanto assim, conselheiros, negligentes, zelosos ou superprotetores. Esses pais que já foram crianças e por vezes têm atitudes de crianças, são as mesmas pessoas que seremos no futuro, salvo se não tivermos filhos e nunca assumirmos esse papel com outros entes queridos.
Vi neste final de semana que passou, um jovem subindo para o ônibus, rumo a Santa Maria, e seus pais parados, olhando o coletivo ir, levar seu filho, o tesouro das suas vidas e sumir na esquina. A mãe usava óculos escuros, mas algumas lágrimas eram visíveis escorrendo pelas beiradas dos óculos, acusando o seu pranto interior. Abraçado a ela o pai postava-se sério, sem chorar, olhando com profundidade para o ônibus que desaparecia. Claro que se derramava em lágrimas por dentro, mas precisava secar o choro da esposa, acolhê-la, dizer-lhe que no próximo final de semana, dali a um mês ou nas férias seguintes ele estaria de novo, chegando naquele mesmo ônibus, inteiro, são e salvo. Talvez sem as lágrimas do embarque e possivelmente com um largo sorriso no rosto.
Não que os pais sejam insensíveis, mas é típico do homem segurar o choro, aparentar estar menos sensibilizado. Interiormente a pessoa é um chorão, dengoso, mas a mãe dos seus filhos poucas vezes o verá em prantos por causa do filho que mora longe. Se chorar ela chora também. Então é melhor segurar. Ao menos quando tem alguém por perto.
Infelizmente, algumas vezes esses jovens não reaparecem nos ônibus. Nesses casos os pais recebem a notícia que o filho faleceu em outra cidade. Acidente de carro, desastre natural, suicídio ou outros motivos. É o pior reencontro com o filho que um pai pode ter. Meu primo faleceu há exatos sete anos atrás quando retornava de uma festa ao final da madrugada. Colidiu o carro num poste e não suportou os ferimentos. Chegaria em casa e viajaria com o pai.
Não menos trágico foi viajar até a cidade natal de um jovem que trabalhava comigo e se suicidara, em 2006, e entregar os pertences dele aos seus pais. A mãe olhava consternada para as roupas e demais materiais dele. O pai parecia mais sereno. Talvez estivesse assim porque sua esposa precisava contar com alguém. E seria com ele.
Mas também de momentos felizes os pais recheiam a vida dos filhos. São os heróis até a adolescência, aconselham na escolha da profissão, na decisão de largar o emprego, apoiam o orçamento que furou nesse mês ou simplesmente têm um abraço gostoso e seguro quando tudo em volta amedronta.
Muitos desses pais comemoram pela segunda semana consecutiva o seu dia. No domingo passado celebrou-se o Dia do Motorista, profissão predominantemente masculina. São eles que mereceram um dia especial para celebrar sua nobre profissão perigosa, desgastante e importante.
Estes pais merecem ser louvados. Vivos ou mortos, se contribuíram para o crescimento de seus filhos, fazem jus ao Dia. Já pais como o conhecido em cadeia nacional Alexandre Nardoni, condenado pela morte da filha Isabella, não deveriam receber este honroso nome. Ganhou sua fama junto à madrasta Anna Jatobá após Isabella cair do apartamento onde morava e ser o principal suspeito, inicialmente, pela morte da pequena. Após considerável tempo que só ricos e políticos conseguem protelar, foi julgado e considerado culpado. Ele é pai, sim, biológico, mas só mereceria ser chamado de pai quem levasse amor ao descendente, educasse e protegesse. Porque como ele há muitos outros homens que só devem ser considerados pais biológicos. Não assumem a paternidade, batem nos filhos, vendem para o tráfico de inocentes, abusam sexualmente e fazem barbáries com aqueles que deveriam receber proteção.
A estes últimos, o domingo é um dia como os outros. A todos os demais, é uma data para comemorar, parabenizar os pais que estão vivos e tentar aproveitar ao máximo o tempo com eles. E se não estão mais entre nós, vale agradecer a Deus (ou da maneira que o credo orientar) por um dia terem passado por nossas vidas.

O ESPETÁCULO DA SOLIDARIEDADE

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 28 julho 2010. 

Há quem ajude pessoas e não conte isso a ninguém. Mas existem aquelas pessoas ou entidades que fazem da doação um grande espetáculo para promover-se. Pura jogada de marketing. Essa supervalorização de si acaba diminuindo a importância da doação e põe em dúvida a real intenção de ajudar o próximo. É o que vimos na reportagem do Jornal do Almoço do último dia 20.
A jornalista Cristina Ranzolin valeu-se excessivamente dos pronomes “eu” e “minha”, parecendo propaganda eleitoral. Demonstrava em cadeia estadual que ela e a RBS são pessoa e instituição solidários. Retratando a Ilha da Pintada, uma das tantas ilhas de Porto Alegre, retornou ao local depois da reportagem que o jornal exibira na semana anterior, mostrando as condições precárias de vida dos moradores de lá.
Acobertado por um motivo social e que sensibiliza as pessoas, voltou à Ilha da Pintada dizendo que veria se a reportagem da semana anterior surtira o efeito esperado de levar a população a doar alimentos e roupas àqueles miseráveis. “Cenas como estas que impressionam não só vocês que estão em casa, mas também nós jornalistas”. A reportagem começou mostrando ela acondicionando roupas e comidas (da população e dela, como bem destacou) numa caminhonete e o deslocamento da equipe de reportagem até a ilha. Pouco antes de chegar, ela disse “Logo que passei a primeira ponte, o cenário mudou: difícil imaginar que famílias inteiras morem nessas casas, se é que podem ser chamadas assim”. E lá está o uso do verbo em primeira pessoa: “logo que passei a primeira ponte”. Difícil imaginar, isso sim, que sendo jornalista há anos, ela ainda não tenha se deparado com a pobreza. Ou será que era drama para mostrar-se sensibilizada?
Retratou nada além da realidade que conhecemos em Porto Alegre, Uruguaiana e em qualquer cidade brasileira: barracos ancorados por madeiras velhas e crianças dormindo apertadas e passando fome. A visão das casas sob a ótica dela e frases como “cenas que não me saíram da cabeça” e “eu resolvi ir até lá para ver se alguma coisa mudou depois que a história deles foi mostrada aqui no JA (Jornal do Almoço) e também para levar algumas doações minhas” deixaram claro que a intenção não era mostrar como os moradores da ilha viviam, mas para que todos pudessem ver o tamanho da solidariedade da Cristina Ranzolin.
As condições subumanas daqueles moradores realmente entristecem, mas não são diferentes dos moradores de outra região periférica de qualquer cidade ou de Uruguaiana. Chocou, sim, ver uma criança nua, naquele frio (chovia e ventava) e a mãe, ao ser interpelada pela repórter o motivo de seu filho estar sem roupa e os demais descalços, responder que os calçados estavam para chegar e “ele (o menino) fica assim mesmo. Ele é que nem índio. É só tentar colocar a roupa nele que ele tira”. É difícil aceitar que os pais não consigam vestir uma criança de cinco anos. Quiçá dos filhos mais velhos. Parecendo candidata eleitoral, Cristina fechou aquela cena dizendo “O garotinho que não queria saber de colocar roupa, acabou aceitando que eu o vestisse com uma roupinha que eu levei da minha filha”. Precisava dizer que era da filha dela?
A preocupação residiu em demonstrar a solidariedade da emissora. Autopromoção velada e barata. O ápice da autopropaganda ocorreu no final da reportagem “Só mesmo indo até lá, como eu fui, para ver como a vida é dura para eles”. Realmente, no eixo estúdio-shopping-casa não existem casebres.
Caso semelhante presenciei numa formatura de conclusão da 8ª Série de uma turma de Educação de Jovens e Adultos, tempo atrás. A escola era particular, mas seus alunos não pagavam mensalidade. Eram pessoas carentes e recebiam, inclusive, transporte gratuito: um ônibus buscava-os em pontos-chave da cidade e levava-os para casa ao final das aulas. Até então, uma iniciativa louvável. Mas no discurso, o então diretor falou-lhes “tenham orgulho em estudar nesta instituição, pela qualidade do ensino”. Nada de aludir ao fato de serem adultos que retomaram os estudos depois de anos e concluíam o Ensino Fundamental conciliando a escola ao trabalho dentro e fora de casa. Não os encarou como lutadores, perseverantes, mas como sortudos que tiveram a felicidade de estudarem numa escola de primeira linhagem. Se o objetivo era destacá-los, não teve sucesso. O que ocorreu, em verdade, foi uma supervalorização da escola. Os alunos não eram mais o foco e sim, a escola. Da mesma maneira, a reportagem do Jornal do Almoço não objetivou mostrar que os moradores da Ilha da Pintada necessitam de um programa do Governo que preste assistência e melhore as suas condições de vida. Intencionou-se, sobremaneira, mostrar que a RBS é solidária e que a Cristina Ranzolin é uma excelente cidadã, prestativa e preocupada com o bem-estar social. A ajuda ao próximo fica em segundo lugar. Em primeiro está o quão bonzinho somos.

TAPA DE LUVA DE PELICA

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 21 julho 2010

Não sei quando surgiu a expressão “tapa de luva”, mas foi muito bem bolada. Se empregada oportunamente, consegue exprimir com exatidão o que outras palavras não conseguiriam com tanta eficiência. Pois foi esse “tapa suave” ou “com classe” que presenciei pouco tempo atrás. E constantemente flagramos tapas desse naipe ocorrendo. Talvez não notemos, assim como meu avô não percebeu recebê-lo.

Quando mais novo e responsável pela educação de minha mãe e seus três irmãos, ele jamais os apoiou em quaisquer atividades que seja. A família era uma entidade que provavelmente pesava nas suas costas, mas certamente era quem lhe dava um pouco de conforto e sustento. Era alcoólatra e suas bebedeiras refletiam na esposa e nos quatro filhos: distanciamento, perda de qualquer demonstração de carinho e respeito, medo. Total desestrutura familiar. Assim como ele, milhares de famílias sofrem esse drama, hoje ainda.

Na suas pobres ignorâncias de trabalhadores braçais, ele e minha avó nunca puseram um livro nas mãos de seus filhos. Pelo contrário. Recomendavam que não lessem, pois era bobagem, tempo perdido. Infelizmente, essa realidade também não sumiu com o passar dos anos. Minha mãe lia os poucos livros que tinha acesso escondida, entricheirada no seu quarto. Sumia com os volumes literários debaixo da cama assim que ouvia algum rumor. Chegava a ensaiar como fazê-lo, tal era o medo de represálias. Ironicamente, hoje ela é professora de Língua Portuguesa e a principal responsável pelo meu gosto pelo mundo da escrita. Mas esse não é o tapa de luva. Ele vem logo abaixo, também devido a uma ironia do destino.

As bebedeiras de meu avô diminuíram e as monossilábicas palavras de outrora foram substituídas por longos diálogos. Atualmente ele não perde um encontro de família, visita todos que pode e conversa, parecendo uma caturrita. Numa dessas visitas, passou lá em casa e por coincidência, no dia seguinte chegaram os exemplares da antologia que eu e minha mãe participamos, cada um com um conto.

Ele pousara lá e os exemplares chegaram durante a tarde. Antes que eu chegasse em casa para vê-los, meu avô já os havia pego, guardado consigo e retornado a São Borja, cidade que reside. Levara um jornal literário com contos e crônicas e um livro com um conto, todos de sua filha. A mesma que lia escondida, apreensiva caso ele visse. Mas dessa vez ele não brigara com ela. Pelo contrário, abrira um largo sorriso ao saber da existência do jornal e do livro, orgulhoso do sangue do seu sangue.

Levara um “tapa de luva”, de luva de pelica e, provavelmente, nem tenha notado. Recebera uma lição de vida aos 71 anos e talvez não tenha consciência disso. Mas certamente saiu feliz pelo sucesso da filha, independente de perceber que ela superou a sua reprimenda, prosseguiu lendo e começou a escrever.

A dificuldade encontrada para ler não é um caso isolado. Basta olharmos um pouco para nosso umbigo. Uruguaiana sofre todos os anos para conseguir ter uma feira do livro. Muita gente fica sem saber. Quem ouve falar, não vai. Meia dúzia de leitores prestigiam-na e ela permanece às moscas. Claro que o preço de um livro custa muito caro para uma família que mal consegue alimentar-se. E na disputa entre refeição e leitura, o papel perde com facilidade. Mas, também, em casa as crianças são pouco estimuladas a ler.

Quando o acesso ao mundo literário é possível, que é o caso da escola, o aluno tem o direito indissociável de entrar em contato com as histórias infantis. Contudo, ainda que aprenda a ler e escrever no colégio, é muito importante ouvir histórias das bocas dos seus pais. Para que não surjam histórias como essa. Até porque tapas de pelica não são tão comuns no dia-a-dia.

TEMÍVEIS 15 MINUTOS

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 14 julho 2010

Na semana passada apresentei meu trabalho de conclusão de curso, a última etapa antes de poder considerar-me graduado. Consistia numa explanação oral de 15 minutos a uma banca de três professores que poderia agradar-se ou rejeitar o monólogo. Os momentos de angústia que antecederam os da apresentação fizeram-me refletir sobre a maneira como encaramos os momentos decisivos em nossas vidas.
Situações críticas são, definitivamente, terríveis de suportar. Quando não criamos coragem de enfrentar um desafio, fugimos. E sentimo-nos mal, impotentes, fracos, covardes. Há aquelas pessoas que não fogem, mas travam no mesmo lugar que receberam a notícia que provocou o choque. Enervam-se e riem, parecendo debochadas. Ou então, absorvem a tensão dos outros, como a mãe que não se controla nervosa torcendo pelo filho que está competindo na final de natação do clube.
Normalmente, na hora “H” as coisas mudam. Há corajosos que dizem “vou fazer isso, fazer aquilo”, mas não fazem nada. Ou porque a raiva diminuiu ou porque na hora pensou melhor e achou mais ponderado e civilizado não realizar.
Já ouvi amigos falarem “sob pressão eu não funciono”. Em jogos decisivos, costumeiramente, ocorrem amarelões. Nos concursos, provas, festivais de dança, de teatro, musicais ou quaisquer testes, dá o branco. Todos os competidores são tecnicamente iguais, mas na situação estressante uns sobressaem-se aos outros devido ao autocontrole. Howard Gardner, cientista norteamericano e criador da Teoria das Inteligências Múltiplas na década de 80, definiu como inteligência intrapessoal essa capacidade do indivíduo controlar as próprias emoções diante de uma situação de estresse. Acreditar no próprio potencial é um fator importantíssimo para enfrentar esses momentos decisivos.
Não receberemos nenhum fardo que não possamos carregar. Diante dos problemas descobrimo-nos fortes, persistentes, capazes de muito mais do que acreditávamos. Àqueles que acham difícil falar em público, trabalhar um pouco mais além do expediente ou levantar cedo no frio, acredito que notarão que é verdadeiramente difícil sustentar uma família, custear o tratamento de um filho dependente químico, visitar o pai na prisão ou estar sempre solícito a um irmão portador de necessidades especiais. Não ter o pão dentro de casa, acordar preocupado com o que os filhos irão alimentar-se durante o dia, isso, sim, é um problema.
Diante de dramas como esses, parece fácil falar à frente de três professores e alguns colegas sobre um trabalho realizado durante um ano.
Acompanhei quase todas as apresentações dos meus colegas e ficou nítida a enorme apreensão antes de apresentar os seus trabalhos. Alguns já andavam angustiados há dias, outros horas antes. Encontrei-me neste segundo grupo. Lógico que cada um tem as suas limitações. Falar em público é um desafio para grande parte das pessoas. Mesmo professores formando-se. Ao assistir à apresentação da colega que me antecedia, suspirei fundo várias vezes, esfreguei as mãos e bati o pé direito no chão como tique nervoso, tentando encontrar uma válvula de escape para a tensão. E procurei convencer-me que tudo aquilo não passava de uma apresentação normal, como qualquer outra realizada antes. Sim, valia nota. Mas não tirava pedaço. Fez perder o sono, mas não machucava ninguém, nem matava. E... passou! Foi apresentado, elogiado e acabou.
Querendo ou não, é inevitável passarmos por momentos de tensão em nossa vida. O primeiro encontro com a futura esposa, o casamento, a entrevista para o novo emprego, a conversa séria com a filha adolescente, a notícia do falecimento do primo onde você é o encarregado de contar. Se é inevitável modificar o problema à nossa frente, é totalmente possível empenharmos o máximo do nosso esforço em controlar a maneira como enfrentaremos o problema. Porque cedo ou tarde teremos, mais uma vez, a nossa coragem confrontada.

AMOR PARA NUNCA ESQUECER


Publicado no Jornal da Cidade Online, em 30 mai 2010

O primeiro dia de qualquer ano geralmente é reservado para o descanso. Se não foi realizado ainda, fazemos o balanço do ano que acabou e as projeções para o bebê que nasceu à meia-noite. Mas para Genuíno Ferri e Wanda Scarello Ferri a data marcou o início de uma longa história de amor. Os dois casavam no dia 1º de janeiro de 1949. Hoje, com 87 e 83 anos, respectivamente, ambos protagonizam uma história ainda mais linda que aquela do fim da década de 40. Wanda possui a doença de Alzheimer e com o passar dos dias, sua memória fica cada vez mais fraca. No intuito de fazer com que a esposa não esqueça os momentos passados juntos, seu esposo decidiu escrever a história de ambos em forma de romance.
A reportagem foi feita pelo jornal Zero Hora, publicada no dia 23 de janeiro de 2010. Mas fiquei sabendo não por abrir o jornal e deparar-me com a história de Genuíno, ou Seu Gino como é conhecido. Uma amiga mandou-me um e-mail comentando sobre a história romanceada de Gino e Wanda: “A história me encantou. Lê, tenho certeza que vai te inspirar uma nova crônica”. Com certeza inspiraria qualquer um a divagar sobre o amor, a filosofar sobre o casamento, a olhar para a sua amada e pensar, puxa, isso é que é prova de amor...
E Gino não é nenhum super-homem. Mas é um escritor. E isso já lhe facilita escrever sobre a longa caminhada do casal. Os dois moram em Encantado, nada mais sugestivo. São poucas as pessoas que têm condições de concretizar um feito desses. Porque é difícil haver um casamento que dure tanto. Geralmente as histórias de amor têm sido no prazo de meses ou poucos anos. Ou então, um dos dois já faleceu. São 61 anos de casamento, de cumplicidade. Não é pouco, não.
Lendo a reportagem recordei de meu bisavô, falecido em junho de 2008, após 91 anos de vida. Eu estava viajando a trabalho e não tive como ir ao seu velório. Mas assim que pude fui a sua cidade e tratei de ver minha bisavó, que ficava sozinha no mundo após 69 anos de casamento. Conversava com ela e por vezes não era reconhecido. Ela logo retomava o fio da meada e conversava normalmente. Fiquei tão triste quando ouvi essas palavras: “O meu velhinho se foi e eu fiquei aqui, sozinha”. Ao mesmo tempo achei incrível a cumplicidade que tinham, maravilhoso o amor entre os dois. Estava desamparada. Por mais que os filhos estejam com ela, lhe auxiliem nas atividades que agora são um tanto trabalhosas, ela não possui mais o espelho da sua alma, aquele senhor que a ouvia com paciência e chorava junto. Não digo que a relação dos dois sempre foi de rosas. Mas se existiu até então, é porque algum valor havia.
Pode ser que essa não tenha sido a primeira vez que alguém decidiu documentar a história para seu amor porque ele não se lembraria mais tarde do ocorrido. Não conheço nenhuma histórias dessas que seja real, antes do Seu Gino. Mas o cinema já dera a ideia antes, com o Como se fosse a primeira vez, com Drew Barrymore e Adam Sandler. Ela possuía uma doença que a fazia esquecer tudo o que ocorrera consigo após levantar-se no dia seguinte. E para mantê-la apaixonada e sabedora do amor entre os dois, ele decidiu filmá-los. Era uma conquista diária. Uma difícil arte de conquistar a cada amanhecer.
Wanda não está numa situação tão crítica quanto a personagem de Drew. Mas ao ler o romance de Gino, se manterá apaixonada da mesma forma. Em vida, meu bisavô talvez nem soubesse direito o que era um romance. Mas ambos viveram história tão bela quanto a noticiada. O diferencial é que Seu Gino pôde eternizar tudo o que passou e ultrapassou a simples questão de fazer sua esposa recordar as histórias dos dois. Ele fez uma homenagem a Wanda e todos que contracenaram na história do casal e que lerem o livro serão testemunhas disso.

MARLEY & EU

Publicado no O Jornal de Uruguaiana de 07 jul 10

Uma cena que não sai da cabeça: o cachorro e o seu dono. O primeiro ouvindo as reclamações do outro e nem se importando, muito mais preocupado se receberá algum carinho após o monólogo. Marley era assim. E igual a ele, encontramos muitos outros da sua raça, de codinomes diferentes. São Benjis, Gugas, Bobs, Catitas. Talvez estes sejam menos barulhentos que o de Marley & eu, mas não menos amáveis e companheiros.
Os cães são adoráveis confidentes, perfeitos guardadores do nosso silêncio quando ficamos a esmo, pensando na vida. Não reclamam se caminhamos por muito mais tempo que gostariam, se suas patas estão cansadas e até mesmo se ignoramos a sua presença. Esperam, latejantes como sempre, um pouco da nossa atenção. De algumas palavras mágicas que lhes chamem. E voam ao nosso colo. São eles os peritos em estabelecer relações.
Dois amigos encontram-se depois de certo tempo e eis que o assunto principia pelo tempo distantes, rodeia em torno do cachorro na coleira, do que têm feito, retoma-se ao cachorro, pede-se desculpa pela pressa e já chega uma despedida. E vem aquela boa sensação que acontece quando encontramos uma pessoa querida há muito esquecida, porque trabalhamos como ensandecidos e deixamos de lado os donos dos Benjis, Gugas e Bobs.
Mas há uma necessidade enorme em estabelecer relações com as outras pessoas, comunicar-se. Ouvir e ser ouvido muito mais. É uma ânsia tremenda em não ficar sozinho. Não permanecer sozinho, principalmente. Porque fomos feitos para viver na coletividade. A evolução da sociedade é que é a culpada, que nos desenraizou dos laços familiares e deixou-nos solitários, cada um vivendo a sua vida em busca do auge, de uma carreira de sucesso. Diminuiu a perspectiva de se formarem amizades sólidas como as do Marley com o seu dono.
Ouvi uma vez de um amigo que estamos não apenas buscando na outra pessoa alguém que nos complete. E sim que testemunhe os nossos feitos, receba o nosso legado durante toda a existência. Não precisa ser uma contribuição homérica ao mundo. Basta que seja importante para as duas partes. Talvez seja a busca por um companheiro que melhor massageie o nosso ego, sem ser um puxassaco ou qualquer outro interesseiro puramente no que podemos gerar de bom. Porque a nossa herança é vasta. E pende para atos positivos e negativos muitas vezes na mesma intensidade.
Precisamos de uma pessoa que divida conosco as nossas fraquezas. Que ouça nossa história e se compadeça. Mesmo tendo uma mais triste. Que compartilhe as transgressões que fazemos. Porque não sendo únicos no delito, confortamo-nos. Uma pessoa que divida os medos, os anseios, as dúvidas. Uma testemunha das coisas boas que realizamos. E que minimize as tantas bobagens feitas. Talvez não se trate de um Marley, com amor infinito e incondicional igual ao de mãe. Mas alguém que não nos faça sentir tolos em nosso mundo.
Cachorros cometem erros. Muitas vezes desconsideram todas as recomendações que fazemos em bom e claro português. Talvez porque acreditam que somos como eles, aceitaremos os seus erros e os esqueceremos em menos de minuto. Aí se tocam, percebem nossa limitação, mas logo minimizam tudo isso e em nada fica afetado o carinho que por nós sentem.
Um Marley suporta-nos por muito tempo. Trocamos de endereço, de trabalho, amigos, namorada, humor, de aperto financeiro. E se nesse meio tempo o bichinho não morrer num acidente ou de velhice, não nos terá trocado. Ainda que não sejamos tão companheiros e risonhos quanto no começo. Basta afagar-lhe a cabeça e falar mansinho. Porque um Marley não perde a chance de criar novos vínculos. Não deixa passar a oportunidade de descobrir coisas maravilhosas nas outras pessoas. Relaciona-se desinteressado. E pede em troca apenas um afago de vez em quando.
Ele escolhe-nos como testemunhas das suas proezas. Mesmo sendo ele quem escuta as nossas ladainhas, somos nós que vemos as suas artimanhas e rimos delas. Somos nós que brigamos com ele. É isso que o Marley quer. Alguém que ele possa confiar e que estará ao seu lado até os últimos dias. Um companheiro para a sua vida. E morte. Menos instintivos e mais racionais, fazemos a mesma busca. Talvez não nos entregamos tanto quanto o Marley, nem somos tão sinceros, mas é o que buscamos. E se encontrarmos, tudo o que tiver sido realizado até então terá valido a pena.

A FESTA QUE É PARA POUCOS

Publicado no O Jornal de Uruguaiana de 30 jun 10

Mais certo que previsão do tempo foi dizer duas semanas atrás aqui neste espaço que a Copa do Mundo é o melhor espetáculo para fazer o povo esquecer tudo e os políticos iniciarem a festa. Usava o computador e olhava de relance o que passava na televisão. Nenhuma novidade: vuvuzelas, estatísticas de classificação das equipes no mundial e outras tantas análises dos jogos. Era dia 23 de junho. Eis que ouvi a notícia do Jornal Nacional: Senado aprova aumento médio de 25%. Falta aprovação da Câmara e sanção do Lula. Se tudo isso ocorrer antes do dia 2 de julho, passa a valer para esse ano. E como não poderia ser diferente, depois dos intervalos, mais Copa do Mundo.
Nada contra a festa do futebol. Mas tudo contra a não cobertura dos fatos que REALMENTE interferem no nosso dia-a-dia. Porque a seleção brasileira ganhando a Copa não garantirá o meu emprego nem me dará bonificação por “entusiasta torcedor”. Mas um aumento de 217 milhões de reais nas despesas do Senado ainda em 2010 e R$ 464 milhões para o ano que vem dizem-me respeito. E não só a mim, mas a todo contribuinte e seus dependentes, porque é dinheiro público que está para ser subtraído dos cofres da União e engordar o contra-cheque do funcionalismo da Casa.
Palavras do site da Folha de São Paulo do dia 23 de junho “Com agilidade incomum, Senado aprova reajuste a servidores com impacto de R$ 464 milhões”. Coincidência ou não, agilizou-se um aumento durante a Copa do Mundo... que novidade! Incomum seria se o Legislativo aprovasse o aumento do mínimo durante a Copa. Lá no País das Maravilhas da Alice, ou na Terra do Nunca, do nosso amigo Peter Pan, quem sabe um dia haverá a notícia “Com agilidade incomum, Senado aprova reajuste a professores”, “Câmara dos Deputados aprova a diminuição da carga tributária em votação relâmpago”, ou algo assim. Um pensamento um tanto utópico, não?
Está ocorrendo uma terrível enchente no Nordeste, leis desfavoráveis ao povo são votadas, outras problemáticas ocorrem e o que é noticiado? O que permeia as rodas de conversa? O som estridente das vuvuzelas, a queda da França na primeira fase do mundial, o primeiro cartão vermelho do Kaká pela seleção brasileira.
Cedendo a pressões dos seus servidores, o Senado aprovou o reajuste reformulando o plano de carreira de seus concursados e comissionados. O que mais me assusta é a urgência com que tudo está ocorrendo. E o desconhecimento da população sobre o ocorrido. Já não surpreende a cara-de-compensado de senadores como o Sr. Heráclito Fortes (DEM), relator da proposta, que diz "Tínhamos uma reserva orçamentária em torno de R$ 300 milhões. Estamos economizando, portanto, R$ 100 milhões" (site da Folha de São Paulo, 23/06/10). Ora, é realmente urgente reajustar os gastos no Senado: atualmente a folha de pagamento anual bate a casa dos R$ 2,2 bilhões!
Já dizia a música “Perfeição”, da Legião Urbana: “Vamos celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nações; o meu país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões”. Vamos celebrar o pão e circo da Copa do Mundo e deixar os ladrões aumentarem os seus salários...
Não sou nenhuma espécie de cientista político, mas peço que a mídia dê mais valor a esses absurdos que ocorrem com as pessoas que definem os rumos do nosso país. Um pouco menos de Bafana Bafana e um pouco mais de realidade. E, senhores leitores, não sejamos ingênuos em achar que quando todas as atenções estão voltadas para fora do Brasil, não haverá festa aqui também. Ela ocorre, mas não estamos na relação de convidados.
(CURIOSIDADES DA COPA: O Senado aprovou, também, no dia 17/06/10, projeto que reajusta salários de mais de 30 mil funcionários de órgãos federais).

O (DES) AMPARO FRATERNAL

Publicado no O Jornal de Uruguaiana de 23 jun 10

As nossas mães já são motivo de muitas crônicas, poesias e contos. O amor fraterno, os conselhos e toda a mística que envolve a figura da mãe já foram motivo de algum comentário em algum lugar que você já tenha lido. E a história que conheci de um jovem na semana passada, fez-me repensar a posição das figuras familiares na formação de uma pessoa.
Estava realizando algumas entrevistas para o meu trabalho de conclusão do curso de Letras. Os entrevistados eram jovens que nasceram na região do Alto Uruguai e estão morando aqui na cidade. A vinda deles para Uruguaiana gerou um grande choque cultural. Eles vêm de cidades muito menores, de costumes diferentes e sotaque totalmente estranho aos uruguaianenses. Saem das suas terras natais para servir ao Exército em quartéis daqui. Muitos ficam apenas alguns meses e os que permanecem tocam as suas vidas, incorporando a nossa cultura de fronteira.
Esse jovem entrevistado viveu até os 17 anos na zona rural, trabalhando com o pai. Auxiliava nas tarefas do campo. Guardava algum dinheiro para si. A mãe separou-se do pai. Ela e o garoto não travam contato há cerca de 12 anos, com exceção a uma vez: pouco tempo antes de servir, encontraram-se, conversaram meia dúzia de palavras e não se viram mais. Na ocasião disse mãe, quero servir. Guri, deixa de ser besta... e não mais se falaram. Meses antes de incorporar às fileiras do Exército, mudou-se para Santa Catarina para trabalhar. Chegou a data de apresentar-se no quartel, deixou o emprego lá e veio direto a Uruguaiana. Para não cair em tentação, não foi à terra natal. Dois meses após já ser militar contou ao pai que estava servindo. Ele ficou uma semana sem falar com o filho. A mãe ainda não sabe. Acredita que ainda trabalhe com o pai.
Sensibilizei-me com a história. Quem é a família dele? A mãe, com quem não conversa? O pai, que o ama, mas quase não dialoga? Ou o amigo que o trouxe de Santa Catarina até aqui e os seus colegas que convivem diariamente e provavelmente já conheçam a sua história? E quem é, efetivamente, a família de alguém? São os parentes de sangue ou aqueles que nos dão conforto, independente dos laços de parentesco que tenham...
Um filme assistido ontem me lembrou a história desse jovem. N'A vida por um fio, o jovem Clay (Hayden Christensen) perdera o pai e passou a viver com a mãe (Lena Olin), superprotetora por sinal. Encantou-se por uma funcionária da mãe (Jessica Alba) e os dois casaram, a contragosto da matriarca.
O rapaz tinha uma doença grave e necessitava de um coração novo. Finalmente a espera terminou e foi para a sala de cirurgia. Durante a cirurgia os fatos que se sucederam demonstraram que havia uma grande rede de bandidos que queria a fortuna de Clay. A sua esposa e o cirurgião, que também era seu “amigo”, eram membros da rede e todas as demais pessoas a sua volta não eram mais confiáveis. Quem íntegro sobrou? A mãe, que desde o início não queria o casamento nem que fosse aquele o médico a fazer-lhe a cirurgia. Durante o processo cirúrgico, ela pressentiu que algo errado estivesse acontecendo e tentou descobrir o que era. Mexeu na bolsa da esposa e desmascarou-lhe. Antes que ele morresse, suicidou-se para doar o coração. Ao lado de Clay ficara só a mãe.
É aquela coisa de sexto sentido de mãe que ouvimos em conversas e em relatos emocionados de vez em quando: a mãe teve algum mal estar e pensou no filho, na filha; depois descobriu que algo de muito ruim ocorreu com ele/ela. Parece que o cordão umbilical é cortado no parto, mas um canal sem-fio ainda permanece existindo.
Confrontam-se as duas histórias. A mãe zelosa demais e a ausente. A família unida e a desestruturada. Urge, assim, o questionamento: os produtos de um lar exemplar ou depreciável trarão sempre reflexos determinantes nas pessoas? Não apoio essa teoria. Mas é o que muita gente diz. Tive a infância sofrida, abusaram, pulei estágios da minha vida, presenciei um crime, dormi nas ruas até ser acolhido pelo Conselho Tutelar... e é por isso que sou assim: um fracasso.
Caso isso fosse uma verdade incontestável, certamente o primeiro personagem desta crônica não teria prosperado. Se seguisse os conselhos dos pais, estaria até hoje morando e trabalhando no interior. Não que isso seja ruim. Mas não procuraria nenhuma outra forma de levar a vida que talvez gostasse. Não teria saído de casa. Hoje não estaria vestindo a farda verde-oliva. Ele gosta do quartel. Se fizesse sempre o que fosse orientado pelos mais próximos, não estudaria além da 4ª série. Ele concluiu o Ensino Fundamental. Falta-lhe apenas o Médio. Há hoje tantas pessoas com melhores condições de estudar e não o fazem por pura falta de vontade. Ou também porque os pais não incentivam e eles próprios não têm interesse.
Quem é, então, a família? Aqueles que acolhem e servem de suporte físico e emocional. Não resolve ser independente financeira e não emocionalmente. Ou o contrário. Que não sejam desmerecidos os pais, sendo bons conselheiros ou não. Serão sempre pais, porque não há ex-pai ou ex-mãe. Mas os amigos que quebram o galho, com os quais contamos debaixo de temporal ou dia bom, esses também não podem ser esquecidos. E devem ser destacados.

POR UM TRÂNSITO DECENTE

Publicado no jornal Tribuna de 04 jun 10

Aproveitando o verão e as férias, saí para correr. É um costume saudável e ajuda a diminuir os quilos adquiridos na época mais fria e gastronômica do ano, o inverno. O sol se põe mais tarde, grande parcela da população está em férias e pode dormir até mais tarde no outro dia. A vida noturna no verão é, definitivamente, muito mais próspera que nas outras épocas do ano. A maioria sai para caminhar, andar de bicicleta, vai para a academia. Tem os preguiçosos, que ficam em casa assistindo à tv, vendo filme, batendo papo. Nada contra, até porque me incluo nesse grupo, também. Cada um tem o seu ritmo, a sua rotina. E cada um sabe o que é melhor para si.
Durante a corrida de hoje vi um fato que creio ter sido privilegiado, porque poucas pessoas devem tê-lo presenciado em outra ocasião: um carro estacionou junto à lixeira e a carona jogou um pequeno pacote de lixo dentro da caixa a ele destinado. Após isso, o veículo arrancou e prosseguiu o seu caminho. Não é todo dia que alguém para a fim de pôr o seu lixo no devido lugar.
Seria banalmente normal ver algum ignorante abaixar a janela e simplesmente liberar os seus restos ao mundo. Os que vêm atrás que absorvam as minhas sobras. E qualquer um que visse situação como essa não aprovaria, contudo não estranharia.
Achava que guardar o lixo numa sacolinha até chegar a minha residência e pô-lo no lixo da casa era uma “coisa de certinho”, como diria uma amiga minha. Há coisas que todo certinho faz. O politicamente correto. Pensei ser um dos únicos que fazia isso. Não que seja um mérito. É, na verdade, um demérito não o fazer. Pois o casal daquele carro provou-me que educação no trânsito é possível, sim.
Possível mas muito difícil de ver nas ruas. O trânsito no Brasil é uma das maiores causas de morte. Está entre as dez principais. E olha que o trânsito deveria ser só para transportar, não para matar. Não é por menos: a transgressão das leis de circulação ocorre a cada esquina. Já faz parte da cultura, não só desta cidade, mas no país todo, a infração deliberada das leis de trânsito. Carro estacionado em fila dupla? Comum. Motoqueiro, carona e uma criança que não alcançará nem nos próximos dois anos os pés no pedal e sem capacete? Mais comum ainda. Motoqueiro deitado ao longo da motocicleta, apenas com as mãos empunhando o guidão? É algo rotineiro. Qualquer cachorro ou buraco transformará o condutor em poeira, porque isso sempre ocorre em alta velocidade. Fazer racha deitado sobre a moto, terminando-o numa ponte? Vi só uma vez, mas certamente ocorreram muitas mais.
Talvez porque as ruas da parte da cidade que foi planejada, no remoto ano de 1846, sejam largas e pavimentadas; quem cá dirige crê que Interlagos transferiu seu endereço ou que estamos no mais novo percurso do Rally Paris-Dakar.
Havia uma propaganda veiculada na televisão onde a cidade está numa fuzarca total. É carro andando na contramão, pelas paredes, voando, helicóptero dando rasante, pessoas descendo de rapel de helicóptero em plena avenida. Às vezes me sinto assim aqui. E olha que Uruguaiana tem apenas 125 mil habitantes. Em Porto Alegre essa sensação é constante. Só andando pelos bairros mais distantes do centro é que dá para sentir um quê de tranquilidade nas ruas.
Não sou nenhum especialista em trânsito, nem trabalho na área. Meu filão de estudo é a Língua Portuguesa, tudo o que tange educação. À primeira vista, educação quer dizer apenas escola, vestibular, Enem... Negativo! A educação abrange tanto os bancos escolares quanto as atitudes que adotamos no dia-a-dia. Educação é muito mais que cultura, que conhecimento cognitivo. Ela diz respeito ao modo que tratamos o meio ambiente, como nos relacionamos com outras pessoas, de que maneira exercemos o nosso papel de cidadão em todas as ações do dia-a-dia, inclusive no trânsito. E é essa educação, mínima, que imploro aos motoristas e pedestres. Pelo bem de todos e pelo exemplo que nossos pequenos estão vendo de seus pais.

O LEITOR

Publicado no jornal Tribuna, em 30 abril 2010

Talvez um dos filmes mais transcendentais que já tenha visto, certamente o mais profundo dos últimos anos. Um filme que deveria se tornar obrigatório nas salas acadêmicas de licenciatura, em especial de Letras e Pedagogia. Aliás, todo aluno de Letras e Pedagogia deveria fazer um ensaio sobre o filme. Falo d'O Leitor, contracenado com os incríveis Ralph Fiennes e Kate Winslet.
O filme decorre no ano de 1958, na Alemanha Ocidental. Kate Winslet é Hanna, uma mulher comum que se envolve com um garoto, Michael. Ele adora literatura e lê para ela os romances que vê na escola. Os dois afastam-se por um tempo e reencontram-se apenas no julgamento de Hanna por crimes cometidos em Auschwitz, momento em que Michael descobre o novo ofício que ela exerceu após a separação dos dois. Hanna é condenada à prisão perpétua e Michael conduz a sua vida distante desse fato. Até então, não vemos nada de especial no filme. Temos uma história, com um enredo amoroso, a justificativa do título, dois atores excelentes e ponto final. Não fosse o fato de Hanna ser analfabeta e não admitir isso. Nem para Michael. E esse segredo a condena à pena máxima, fato que poderia ser amenizado caso confessasse.
Não se trata de tornar leviano o crime cometido pelos nazistas na 2ª Grande Guerra, e sim da vergonha que ela e tantos outros analfabetos têm em assumir a sua condição. Da prisão, Hanna passa a receber fitas K7 (lembram-se das fitas K7? As crianças e adolescentes de hoje talvez desconheçam) com narrações de histórias que Michael grava. A motivação para viver retorna aos seus olhos, ao coração. Isso faz com que se motive a aprender a escrever por conta própria. Autodidata.
A história cinematográfica e literária faz-me recordar que Machado de Assis era pobre, gago e negro, discriminado na sociedade e aprendeu sozinho a ler e a escrever, vindo a tornar-se um dos maiores escritores da literatura mundial. E no filme “O terminal”, Tom Hanks é Viktor Navorski, um estrangeiro vindo de um país fictício, a Krakozhia, que sofreu um golpe de estado e não teve a nova autonomia reconhecida pelo Governo Norte-Americano como nação, o que impossibilita ao protagonista ingressar nos Estados Unidos. Consequentemente, não pôde regressar à terra natal. Essa situação faz com que ele fique sem ter para onde ir no terminal do aeroporto, considerado área internacional. Para sustentar-se, o estrangeiro pega livros e revistas em inglês e no seu idioma e compara as escritas. Assim, aprende a ler e a escrever na língua local. Essa forma de superação, de aprendizagem de escrita é a mesma que Hanna adota em “O leitor”, com mais de 50 anos. Ela ouve as gravações das histórias e com os livros, compara as letras e, galgando aos poucos, aprende a expressar-se por escrito.
Mas não é dessa maneira que as pessoas que não tiveram antes oportunidade são alfabetizadas. Muitas retornam às salas de aula depois de muitos anos, já casadas, com filhos (que muitas vezes frequentam os bancos escolares), por vezes não para recolocarem-se no mercado de trabalho, mas para concretizarem um sonho pessoal, o de conseguir escrever e ler não só o próprio nome, mas as informações que estão impressas no mundo a sua volta. Outras pessoas não têm essa oportunidade. E continuam analfabetas ou analfabetas funcionais (quando sabem escrever apenas algumas palavras, mas não possuem habilidade de interpretar sentenças simples). Contudo, não raro também encontramos alunos do Ensino Médio lendo igual a uma criança do 2º ano das séries iniciais, pois sempre foram passados de ano e nada houve que lhes motivasse a ler ou escrever.
O leitor faz o professor refletir sobre o seu papel. Faz o educador questionar-se até que ponto está sendo efetivamente competente na aprendizagem de seus alunos. Faz questionar-se o porquê da perda de vontade de ler à medida que a criança cresce. Por que atualmente é tão pouco sedutor ler um livro, um conto, uma crônica, uma notícia? Seria o poder que a televisão e o Playstation têm? Ou porque simplesmente não se procuram mais formar leitores, mas apenas bonequinhos que saibam a gramática e passem no vestibular. Será que a leitura era antes um passatempo por simplesmente não haver nada mais interessante para fazer? Faz os pais voltarem-se para si e procurarem ver se não estão transferindo toda a responsabilidade da educação dos seus pequenos à escola. Questiona-os se deixaram de contar a história da Branca de Neve antes de dormir simplesmente porque a menininha tornou-se mulher ou porque pensaram não ser mais tão importante. Fá-los duvidar se está certa a conduta de não mais acompanhar o desempenho na escola, não olhar mais os cadernos porque cresceram e já necessitam exercitar a responsabilidade pelos seus atos. Ou se há um tanto de negligência na ausência dessa preocupação. Um filme onde o telespectador se diverte, chora com o desenlace da história e reflete sobre as suas atitudes.

POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA

Publicado no Jornal Pampiano de 30 de janeiro de 2010

Dizem que sempre é bom manter uma boa política de vizinhança. Relacionar-se bem com os vizinhos, ser querido pelos demais moradores do prédio, pelos inquilinos das casas ao lado. Mas nem sempre é uma tarefa fácil. Ainda mais se houver um vizinho decididamente inconveniente. Se alguém estiver determinado a tirar-nos do sério. Se é descabido com suas atitudes, desrespeitando o espaço do outro. Mas vamos falar de algo mais palpável, concreto.
Em toda a vizinhança há apenas uma lixeira. Em frente onde moro. Minha. Serve para pôr os detritos que sobram das minhas comidas, as minhas sobras. Sim, dei-me ao trabalho de comprar uma lixeira, fazer massa, concretar a base, tudo isso para não colocar o lixo no chão até o caminhão da empresa licitada passar. Os demais moradores da rua, apesar de não possuírem lixeira, colocam-os como podem, em cima dos seus muros, pendurado em árvores à frente das suas casas. Até o momento, nenhum problema na situação. Não fosse algum vizinho, ainda não identificado até o momento, colocar o seu lixo na lixeira de casa, não deixando espaço nenhum para nosso lixo. Quer colocar o lixo, ponha depois que o de casa estiver posto. Não quero ser egoísta em dizer que não podem colocar o lixo lá. Desde que o meu espaço esteja respeitado.
Vou contar o fato que fez com que investisse o meu tempo falando sobre pessoas desagradáveis e situações também desgostosas como essas. Com as festas de final de ano muito lixo ficou acumulado. Era segunda-feira, o primeiro dia útil do ano, dia de o caminhão do lixo passar. No domingo à noite, por surpresa minha, a lixeira já estava abarrotada de porcarias e nenhuma delas era lá de casa. Onde ficou o meu lixo até o outro dia, quando passaram pra recolher? No chão, é obvio. Jogado a toda sorte, propício a cachorros de rua passarem, pegarem alguma comida, bagunçarem tudo e saírem. Adonar-se do que é seu não é algo legal. Nem um pouco.
No momento de raiva, imediatamente após verificar o que haviam feito, cheguei a pensar em ficar de tocaia na véspera do próximo dia que passasse o lixeiro, pegar o meliante no flagra, dar um sermão, xingá-lo. Mas a cabeça esfriou e vi a idiotice que pensava. Um erro não justifica fazer outro erro. Se não respeitam, não é desrespeitando o outro também que o erro será corrigido.
Assim como há pessoas assim, que agem intencionalmente, há muitas outras que não se tocam quando são inconvenientes, desagradáveis. Ou percebem tarde. Nessas horas, quando a ficha cai que o não quisto é você, o melhor a fazer e sair o quanto antes, de fininho.
Podemos encontrar espécimes em todo o canto. No MSN, então, há uma récua desses. O meio virtual faz as pessoas tornarem-se mais desinibidas. E muitas não sabem como lidar com isso. Cada palavra tem um emoticon correspondente e quando vai falar aparece coração, seta, bichinho correndo, explosão, letra animada, frase e aí vai. Se a pessoa não está acostumada com a linguagem virtual é um sofrimento pra decifrar. Ou então não para de chamar a atenção, escreve um monte de coisa e pede opinião toda hora. É o chato online. Existe, inclusive, reportagens que dão dicas de boas maneiras na internet. Porque é importante ser agradável ao vivo e virtualmente também.
Essa fato faz-me lembrar de uma amiga minha que no meio da conversa ficou offline e continuou a conversar comigo. Disse que tinha um colega de trabalho importunando, não parava de falar de trabalho. E isso era domingo, o dia da folga merecida. Ao menos deveria ser da folga. Ficou aparecendo offline para que não fosse incomodada.
E é disso que tenho medo. De ser como esse colega de trabalho. Porque o chato geralmente é o outro. Mas um dia pode ser que sejamos nós. A Martha Medeiros até fez uma crônica tempo atrás questionando quando somos nós os chatos.
Encontramos gente de todo estilo, bem e mau intencionadas. Seja o chato, que é bem intencionado, exagerado. Sejam meus vizinhos do lixo, desrespeitando o convívio harmonioso entre as pessoas. De qualquer modo, sempre haverá alguém assim próximo de nós, na internet ou seremos nós mesmos.

AMIGOS DE SEMPRE

Publicado no site da Casa do Poeta de Santiago,
em 08 junho 2010

Semanas atrás fui para Santa Maria a trabalho. Uma semana. Inicialmente fiquei chateado, pois essa viagem atrapalharia muito os meus estudos. Mas eu sabia que coisas boas estariam por vir. Isso porque já morei lá e quando saí deixei muitos amigos que até hoje converso. Não com a mesma periodicidade, mas ainda tão íntimos quanto um irmão mais velho. E também ficou um casal de velhinhos (vamos chamá-los de melhor idade, porque o espírito jovem deles torna injusto alcunhar-lhes dessa maneira). Os eternos tio Newton e a tia Criseida.
Conheci-os em 2004 num Grupo de Jovens chamado Jufra. O local? Paróquia de Nossa Senhora de Fátima. O significado de Jufra? Juventude Franciscana. Podes procurar no Orkut. Vais encontrar muitas comunidades inspiradas em São Francisco de Assis, o protetor dos animais. Assimilei esses conceitos e muitos outros com os tios. Mas o mais importante foi a experiência de vida que eles me transmitiram. Os valores que passaram com seu exemplo. E a sempre solicitude que eram e ainda são com todos a sua volta.
Retornar à casa amiga sempre é bom. Traz consigo um pouco de nostalgia. Mas novos ares, por mais conhecidos que sejam, sempre são bons. Pessoas novas que se encontra. Tio Newton e tia Criseida reencontrados.
No sábado dei uma espacapadinha do trabalho e fui à reunião semanal da Jufra. Cheguei antes dos tios. E encontrei dois ou três rostos conhecidos ainda de 2004 e o resto era tudo pessoal novo. Conversava com o Guilherme quando brados e canções davam salvas a quem chegava. Eram os tios. Uma rapazeada de 15 a 18 anos, quase ninguém passava dessa idade, todos louvando a presença dos tios. Fiquei feliz por isso. Abraçamo-nos e atualizamos alguns fatos. Porque pôr em dia tudo precisaria de mais uma semana.
Ao final do encontro cada um fez uma prece em voz alta. Agradeci a receptividade de todos e em especial do tio Newton e da tia Criseida. Salientei que como meus pais moravam em Uruguaiana em 2004, foram eles os meus pais de Santa Maria. E acho que ainda são. Porque pai não é somente aquele gerou, mas quem criou, quem amparou nos momentos ruins e quem inspirou confiança quando um mar de dúvidas nos domina. E não continuei. Porque prosseguir falando como eles haviam sido bons comigo far-me-ia derramar algumas lágrimas.
Foi bom vê-los. Também ótimo descobrir que outro amigo que fazia agronomia desencantou-se com a vida do campo e rumou à filosofia. Tenho, então, um amigo filósofo! disse-lhe. Quase isso, redarguiu-me, talvez achando um tanto elevado o título dado. Mas como ele não seria se andava à volta de Kant, Rousseau, Sócrates e tinha na cabeceira um livro de Platão? Era gostoso conversar com ele e ver-lhe os questionamentos intermináveis e relativismos sempre ponderados com a teoria lida e o conflitante empirismo. Perdia um pouco a graça quando chegava ao ponto de, mesmo esforçando-me muito, não conseguir acompanhar seu raciocínio e abstrair suas ideias.
Também achei incrível quando o Guilherme, outro amigo meu e anfitrião da minha morada naqueles dias, ligou para outro conhecido dos tempos de Santa Maria. Adivinha quem está aqui? Uma chance. E do outro lado veio o tiro na mosca. O Giovani. Dois anos depois eu retornava a passeio ao centro do estado e ainda assim ele acertara supondo que eu lá estava. Assustei-me com isso, pra não dizer que fiquei lisonjeado.
Voltei a Uruguaiana no domingo, exata uma semana depois de haver abandonado a Fronteira Oeste temporariamente. E muita história para contar. E com um sorriso nos lábios. E com as amizades reforçadas. E com a certeza de serem os tios, o filósofo e todos os outros, as pessoas que verdadeiramente fazem uma cidade ser hospitaleira ou não. Que tornam acolhedora ou insensível, Santa Maria. Serem as pessoas que lá vivem as causadoras de boas ou más lembranças. Com Uruguaiana é a mesma coisa. É uma cidade longe de Porto Alegre? Depende do ponto de vista. Eu responderia que não é longe da capital e sim perto de Buenos Aires. Se aqui falta alguma coisa que num centro maior tem, falo sobre o que é material. Porque as pessoas boas que encontrei em Santa Maria existem aqui também. Com outros nomes e sobrenomes, mas são de carne e osso. E coração.

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