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terça-feira, 12 de outubro de 2010

OS 65 ANOS DE HIROSHIMA E NAGASAKI

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 25 ago 2010.

Quando grandes tragédias ocorrem, os primeiros cinco anos servem para todo tipo de análise e reportagens especiais serem feitas. Depois disso, perde relevância e só voltam a ser o foco da mídia quando são completados -vamos fazer aqui, um neologismo- “anos meio-redondos” 5, 15, 25 e “redondos” 10, 20, 30 anos. O intuito é relembrar esses fatos históricos de vulto.
Ano que vem, dez anos depois da destruição das Torres Gêmeas em Nova Iorque, o terrorismo será posto à luz, reanalizado, refletido e lamentado. Em 2004 foi assim com Senna e neste ano com Cazuza, data que completou 20 anos sem o “exagerado”.
O terremoto ocorrido no Haiti e que sangrou diversas famílias neste janeiro e o “primeiro ano sem Saramago”, falecido em junho, serão relembrados em 2011.
2010 é o ano de relembrar, com pesar, os 65 anos do término da 2ª Guerra Mundial e o indissociável ataque nuclear às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. A bestialidade norte-americana de exterminação humana (atingindo muito mais pessoas que a Al-Qaeda nove anos atrás!) e demonstração de poderio militar à extinta União Soviética assopraram velinhas cor-de-sangue neste agosto.
Nos dias seis e nove do mês do azar, o avião alcunhado de Enola Gay sacramentou a morte instantânea de milhares de pessoas, lançando sobre as cidades as bombas chamadas pelo carinhoso epíteto de Little Boy (pequeno garoto). Do hipocentro da explosão, num raio de 2 km, tudo foi destruído. A bomba atômica gera a explosão mecânica, provoca uma onda de calor e, para sacramentar, emite radiação. Esta última não foi a maior responsável pelas mortes momentâneas, e sim pela modificação do código genético daquelas pessoas e de seus descendentes. Consequência? Várias gerações com câncer e outras doenças.
A desgraçada explosão foi eternizada, para que nunca se esqueça nem haja dúvida quanto aos problemas que a exposição à radiação traz, na música “Rosa de Hiroshima”, pelo extinto Secos e Molhados, na voz de Ney Matogrosso.
Felizmente, depois de 1945, a radiação nuclear não foi mais utilizada como bomba para matar populações. O seu uso também pode ocorrer para a produção de energia, mas a má administração desta fonte de energia pode trazer conseqüências catastróficas.
Exemplo disso foi a madrugada de 26 de abril de 1986: a usina nuclear de Chernobyl, localizada em Pripyat (extinta União Soviética e atual Ucrânia), teve medidas de segurança negligenciadas e, consequentemente, vazamento de energia nuclear, radioativa portanto. Milhares de pessoas morreram.
Houve uma série de desinformações sobre o desastre que havia ocorrido, quase levando a uma precipitação radioativa 100 vezes maior que a soma das emissões em Hiroshima e Nagasaki. Para evitar o pânico, a população não foi informada sobre o que, efetivamente, estava ocorrendo. Essa incompetência das autoridades governamentais permitiu que toda a Europa passasse a receber as letais doses de radiação. Apenas depois de 30 horas após a explosão as pessoas foram evacuadas da cidade, porque os níveis de radiação existentes em Pripyat poderiam matá-las.
Ainda, hoje, o acesso às informações sobre Chernobyl é escasso. Porque quanto menos se falar sobre o assunto, menos pessoas lembrarão o acontecido, menos cobrança haverá. Essas “datas redondas” e “meio-redondas” têm grande valor, porque aqueles que não vivenciaram os dramas podem aprender sobre o acontecido. E aqueles contemporâneos aos desastres e que não puderam informar-se quando da ocorrência dos fatos, têm agora essa oportunidade.
No ano passado, elaborei o conto “O tempo parou” sobre os ataques a Hiroshima e Nagasaki e um vídeo com esta história e informações sobre o desastre nuclear. Está visível no meu site.
A nossa memória, que é seletiva e curta, não pode ficar à mercê de datas comemorativas, célebres. Não esquecer o que ocorreu de errado é imperativo para que a história não seja repetida. Como reza o ditado, “errar é humano, repetir o erro é burrice”. Acrescento: ignorá-lo é estar fadado a repeti-lo.

O TEMPO PAROU




Publicado no jornal Letras Santiaguenses de jul/ago 2010

Pelos milhões de japoneses que sofreram as agruras da inconcebível Bomba Atômica em Hiroshima e Nagasaki.

Oito horas mais quinze minutos. Era de manhã. Chovia. Pedro olhava pela janela do seu carro e a respiração embaçava o vidro. Agosto fazia frio. O mês do azar. Muito frio, mesmo. Precisava ligar o carro para o ar condicionado funcionar. Senão petrificaria em meio aos seus devaneios. As gotas grandes que precipitavam do céu batiam com força no vidro e faziam aquele barulho gostoso de sono. Viu um garoto lá fora, abrigado entre as colunas da igreja matriz e uma reentrância da construção. Batia queixo o coitado. Tinha os pés molhados e o chão estava úmido. Um cachorro abrigou-se entre as pernas e o colo do garoto e ali largou seus pelos encharcados. Aninhou-se no seu protetor e fechou os olhinhos. Mas o garoto não conseguia cerrar as pestanas. Era muito frio. Seria mais uma noite que não dormiria. Migraria entre um sono curto e outro, um pesadelo com histórias de bichos do mar e do dilúvio que ouvira quando era menor e ainda morava com sua avó, depois outro com rostos de garotos mais velhos gritando, cuspindo, rindo, tocando.
A chuva engrossou e Pedro não conseguiu ver mais nada. Começaram a cair granizos. Relâmpagos no céu. A noite que viera com o temporal findava-se rápida e surpreendente com os clarões. Poucos segundos depois chegou o barulho. Sinal que o raio caíra perto. Engatou a primeira no carro e saiu devagar. Faróis ligados, acionou o pisca. Melhor estacionar num lugar coberto, antes que alguma coisa aconteça com o carro. Pegou a agenda e como não chegaria no horário ao trabalho, iria reorganizar seus compromissos. Hoje, dia seis.

E se o tempo parasse? Se travasse o seu relógio e todas as coisas a sua volta também congelassem, ficassem imóveis?

Chegaria a tempo nos seus compromissos, poderia fazer muitas coisas que sendo apenas uma pessoa, não teria tempo. Nada mais onipresente que isto. Tire as pilhas do relógio e tudo é possível. Quero ir até o outro lado da cidade, posso. Porque por mais que eu demore a chegar, quando puser as pilhas novamente, nem um segundo terei perdido.

Pedro abriu a porta do seu possante e viu que seu desejo havia se tornado realidade. Todos se tornaram estátuas com vida. As pedras deixaram de cair e a chuva cessou. Começou a andar por entre todos e ninguém o percebia. Andou mais um pouco e viu aquele garoto lá do início. Em posição fetal, cerrava os pulsos e fazia careta. Tocou-lhe os pés e percebeu-os gelados. Os dedos nem mexiam. O cachorro era o único confortável. Fizera o menino de travesseiro e largara o corpo por sobre o dele.

Tudo parecia sem vida. Na esquina, uma senhora olhava à esquerda, com o cenho franzido, descrente que atravessaria a rua na próxima hora. O trânsito intenso, as buzinas intermitentes e os palavrões desferidos haviam se dissipado. O caos no trânsito não mudava, mas ao menos tudo era silencioso.

E silencioso até demais. Nem os pássaros cantavam. Nem o vento estragava os cabelos embelezados à laquê. Só a temperatura é que aumentava. O sol ocupara o lugar deixado pela chuva e ofuscava a visão de Pedro. Parecia mais brilhante que mil sóis de um dia normal. Torrava. Não olhou para os rios, mas supunha que as águas não corriam mais.

Continuou seu passeio andarilho pelo instante fotográfico que recebeu de Deus. Que privilégio tinha de poder ver tudo tal qual era, sem tempo de as pessoas arrumarem-se para ficar mais bonitas, sem tempo de correrem antes de serem vistas, sem tempo de nada.

Entrou numa casa qualquer, a primeira que tinha a porta da frente entreaberta. Tentação era poder pegar o que quisesse e saber que ninguém saberia... Viu um jovem na sala, as mãos apoiando a cabeça, os olhos empapados em lágrimas. Chocou-se, mas continuou caminhando. Viu um quarto pequeno, com a porta escancarada. Um senhor quase centenário estava deitado numa cama. Tinha a veia puncionada e soro. Uma possível enfermeira empunhava um lençol, o qual pretendia cobrir o rosto morfético daquele senhor. A filha dele já não o assistia mais. Não tinha mais poderes de modificar o que acontecera. Estava tudo acabado e a doença vencera. Uma força maior que as suas e de todos que lá estavam ganhara a briga eterna entre a vida e a morte. A barriga do senhor estava cheia de bolhas, inchada e tomada de hematomas por toda ela.

Sentiu náuseas e saiu apressado do quarto. Foi quando olhou para o fundo do corredor e viu que uma criança corria. Usava um vestidinho colorido, com estampas e saltitava. Um dos pés estava no ar e o outro tocava o solo. Não compreendia o que estava ocorrendo. Vovô foi passear. Mas não volta. Como assim? Foi para bem longe. Lá pra onde foi a vovó? Isso mesmo, ele foi encontrar a vovó. E eu posso ir junto? Não, você não pode.

Cansou-se de ver tamanha tragédia e retornou ao carro. Fechou a porta e a chuva de granizo veio de novo. A água estava mais forte que nunca. Ligou o carro novamente e acionou mais uma vez o pisca. Sinalizava. Buscou a agenda e verificou os compromissos.

Não tinha perdido nenhum segundo. Olhou para o relógio. Ainda eram 8:15h. E retomou a sua vida.

No dia 9 do mesmo agosto o mesmo fato inusitado ocorreria novamente.

Protegido