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quarta-feira, 9 de março de 2011

Tá com pressa? Sai mais cedo

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 08 de março de 2011.

Um motorista para atrás de uma manifestação de ciclistas, acelera com o seu carro, atropela muitas pessoas e foge do local. Depois, diz à televisão que estava sendo ameaçado pelos ciclistas e que se sentia acuado, não tendo outra alternativa que não avançar contra a multidão. Justificando a sua fuga, argumentou que se ficasse no local, seria linchado. O fato ocorreu em Porto Alegre, no dia 25 de fevereiro, o carro era um Golf e o motorista que tentou assassinar os ciclistas chama-se Ricado José Neis.
A sua arrogância em tentar inverter as culpas e fazer dos ciclistas os vilões da história faz pensar que as pessoas, ainda, acreditam que desculpas de pré-escolares podem ser aceitas sem revolta. Não tem como engolir. A mentira é descabida e os vídeos gravados em celulares ilustram todo o desespero em que o Sr. Neis transformou aquele protesto.
Não é de hoje que é perigoso trafegar em vias próximas a Ricardo Neis. Ele já havia cometido outras infrações graves de trânsito. De acordo com o Jornal da Band de 1º de março, o Sr. Neis já fora flagrado andando na contramão e dirigindo com excesso de velocidade.
A Disney antecipou a história do Sr. Neis, chamando-o de Sr. Willer. No enredo, o motorista era um pacato cidadão chamado Sr. Walker que se transformava no temível motorista-assassino, Sr. Willer.
Desculpas desprovidas de qualquer coerência como a do Sr. Neis são encontradas de forma barata em nossa sociedade. Deputados e senadores argumentando que não recebem reajuste há anos e transformarem seus vencimentos em gordos 26 mil é tão surreal quanto as desculpas do motorista gaúcho.
A impunidade que esperamos não bater à porta de Ricardo Neis assombra-nos, atemoriza, pois é comum num país empanturrado de leis que não são cumpridas. Não vamos muito longe. No último novembro, no mesmo bairro de Porto Alegre, o Cidade-Baixa, uma juíza aposentada “furou” uma blitz e acidentou-se com outros sete veículos. E a pergunta que não quer calar: Vossa Excelência foi presa? De modo algum. Deu uma passeada na delegacia de polícia, recebeu sua CNH de volta sob a condição de comportar-se (lindo conselho!) e foi embora dormir, sossegada. Deveria ter sido presa, mas se negou a fazer o teste do bafômetro, e, mesmo andando cambaleante, o laudo médico da perícia conseguiu ser inconclusivo.
Não nos assustemos com o Sr. Neis. Muitos outros motoristas perigosos estão à solta nas ruas. Alguns já foram presos, outros multados, outros subornaram e alguns ainda não foram flagrados. Não é de hoje que ouvimos histórias de amigos que relatam que tiveram uma discussão “feia” no trânsito, ou que sabe de uma briga por vaga em estacionamento, ultrapassagem perigosa ou um bate-boca no semáforo.
Estamos inseridos numa cultura consumista, reprodutora dos prazeres e desejos norte-americanos. Lá no Hemisfério Norte, a palavra de ordem é comprar. Os carros necessitam ser grandes e potentes. Precisam ter um forte ronco do motor. Moto não é moto se for de baixa cilindrada. Velozes e Furiosos (The Fast and the Furious) é sucesso lá e aqui. E é feio o motorista que dirige usando o cinto. Ou o motorista que não rebaixa o carro, não põe uma roda esportiva e que anda devagar.
Ao Sr. Ricado Neis, que parecia tão apressado no boliche humano e insensível por não parar, mesmo depois do atropelamento em massa, relembro uma frase de parachoque de caminhão que gosto muito: tá com pressa? Sai mais cedo!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

NÃO ME JULGUES COMO OS JULGAM

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 28 Nov 2010
Sábado, 20 de novembro: “Juíza aposentada ignora blitz e provoca acidente com sete veículos em Porto Alegre” (Folha de São Paulo). A representação máxima da lei descumprindo a própria lei. A infratora: Rosmari Girardi, de 53 anos, ex-juíza em Uruguaiana-RS.

Contrapõe-se a este lamentável episódio urbano, a perda da carteira de habilitação de um garoto de seis anos. Ele comportou-se mal durante a aula e teve a carteirinha recolhida pela professora, que a fizera durante um projeto sobre trânsito na sua turma.

Comentei com essa professora, minha amiga, que leciona em uma escola de Educação Infantil de Uruguaiana, sobre o episódio da juíza-transgressora. Na mesma hora, ela contou-me sobre o projeto que realizou com seus alunos e citou-me este fato que veio na contramão do ocorrido em Porto Alegre. O projeto sobre trânsito foi desenvolvido com seus alunos de seis anos da pré-escola. Com o nome de “As rodinhas que fazem girar o mundo”, ela trabalhou a educação para o trânsito e valores que as crianças necessitam desenvolver nessa idade. Cada pequeno recebeu uma Carteira Nacional de Habilitação personalizada com o seu nome e desenhou nela seu rosto e assinou. Desde então, cada aluno poderia conduzir a bicicleta que estava pintada na carteirinha. A cada má atitude em sala de aula, os novos condutores perdiam um ponto na carteira. Somando-se cinco pontos, ela seria recolhida, ficando impossibilitados de andar de bicicleta. Um dos garotos acabou perdendo essa carteira, chorou e contou à mãe. Esta, felizmente entendeu a proposta da atividade e disse ao filho que ele não poderia mais pedalar porque não se agira bem em aula. Ele chorou novamente. Mais tarde, acabou recebendo de volta a sua CNH sob a condição de comportar-se a partir de então.

Essa valorização do direito de dirigir faltou à juíza aposentada, que possuía sinais de embriaguez. Tinha aspecto sonolento, falta de equilíbrio e fala arrastada. Depois de duas horas após o início do inconveniente acidente, pôde dormir sossegada em casa. Mas quem não deve, não teme: negou-se a fazer o teste do bafômetro e as coletas de urina e de sangue. É difícil acreditar que não estava alcoolizada. De acordo com a delegada Clarissa Rodrigues, delegada responsável pelo caso, a magistrada mal conseguia ficar em pé, articulava mal as palavras e apresentava hálito de quem havia consumido bebida alcoólica.

O Código de Trânsito Brasileiro fala com clareza quanto a dirigir sob influência de álcool em dois artigos. O artigo nº 165, que define como infração gravíssima dirigir sob influência de álcool em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, penalizando com multa, suspensão do direito de dirigir, retenção do veículo e recolhimento da habilitação. E o artigo nº 277, que diz que todo condutor envolvido em acidente de trânsito, sob suspeita de haver excedido aquele mesmo limite de seis decigramas, deverá ser submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que permita certificar o seu estado.

Ainda assim, o laudo da perícia conseguiu ser INCONCLUSIVO. É, em letras garrafais. Será que o mesmo ocorreria com um pedreiro, professor, arquiteto ou jornalista?

A fé na isonomia das instituições toma mais uma chibatada e enfraquece a credibilidade já debilitada. De acordo com a mesma delegada que confirmou os indícios de alcoolismo da juíza aposentada, não houve materialidade, ou seja, prova de que dirigia embriagada. Portanto, a transgressora não responderá por embriaguez no trânsito. As responsabilidades penais dizem respeito, somente, aos danos materiais causados aos proprietários dos veículos acidentados.

Menos de uma semana antes, no dia 14 de novembro, a Zero Hora havia publicado uma reportagem de capa mostrando o trauma de famílias que tiveram um dos familiares mortos em acidentes de trânsito. Algumas pessoas mantêm-se insensíveis a essa realidade. O desenho da Disney com o Pateta representado pelo pacato pedestre senhor Walker e pelo transtornado motorista senhor Willer, figura-se como um retrato semelhante à autoridade justa dos tribunais e à motorista destrambelhada da madrugada porto-alegrense.

Nunca é tarde para que aprendamos. Se essa cidadã, que deveria ser um exemplo de motorista ao guiar o seu veículo, frequentasse as aulas de reciclagem dos Centros de Formação de Condutores, quem sabe aprendesse que beber e dirigir não combina. Ou se ainda morasse em Uruguaiana e participasse das aulas daquela turma da pré-escola, talvez valorizasse mais o direito de dirigir, assim como o aluno-transgressor. Ela tem idade para ser avó do menino, mas é ele quem poderia ensiná-la, pelo exemplo, como valorizar a sua CNH.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

POR UM TRÂNSITO DECENTE

Publicado no jornal Tribuna de 04 jun 10

Aproveitando o verão e as férias, saí para correr. É um costume saudável e ajuda a diminuir os quilos adquiridos na época mais fria e gastronômica do ano, o inverno. O sol se põe mais tarde, grande parcela da população está em férias e pode dormir até mais tarde no outro dia. A vida noturna no verão é, definitivamente, muito mais próspera que nas outras épocas do ano. A maioria sai para caminhar, andar de bicicleta, vai para a academia. Tem os preguiçosos, que ficam em casa assistindo à tv, vendo filme, batendo papo. Nada contra, até porque me incluo nesse grupo, também. Cada um tem o seu ritmo, a sua rotina. E cada um sabe o que é melhor para si.
Durante a corrida de hoje vi um fato que creio ter sido privilegiado, porque poucas pessoas devem tê-lo presenciado em outra ocasião: um carro estacionou junto à lixeira e a carona jogou um pequeno pacote de lixo dentro da caixa a ele destinado. Após isso, o veículo arrancou e prosseguiu o seu caminho. Não é todo dia que alguém para a fim de pôr o seu lixo no devido lugar.
Seria banalmente normal ver algum ignorante abaixar a janela e simplesmente liberar os seus restos ao mundo. Os que vêm atrás que absorvam as minhas sobras. E qualquer um que visse situação como essa não aprovaria, contudo não estranharia.
Achava que guardar o lixo numa sacolinha até chegar a minha residência e pô-lo no lixo da casa era uma “coisa de certinho”, como diria uma amiga minha. Há coisas que todo certinho faz. O politicamente correto. Pensei ser um dos únicos que fazia isso. Não que seja um mérito. É, na verdade, um demérito não o fazer. Pois o casal daquele carro provou-me que educação no trânsito é possível, sim.
Possível mas muito difícil de ver nas ruas. O trânsito no Brasil é uma das maiores causas de morte. Está entre as dez principais. E olha que o trânsito deveria ser só para transportar, não para matar. Não é por menos: a transgressão das leis de circulação ocorre a cada esquina. Já faz parte da cultura, não só desta cidade, mas no país todo, a infração deliberada das leis de trânsito. Carro estacionado em fila dupla? Comum. Motoqueiro, carona e uma criança que não alcançará nem nos próximos dois anos os pés no pedal e sem capacete? Mais comum ainda. Motoqueiro deitado ao longo da motocicleta, apenas com as mãos empunhando o guidão? É algo rotineiro. Qualquer cachorro ou buraco transformará o condutor em poeira, porque isso sempre ocorre em alta velocidade. Fazer racha deitado sobre a moto, terminando-o numa ponte? Vi só uma vez, mas certamente ocorreram muitas mais.
Talvez porque as ruas da parte da cidade que foi planejada, no remoto ano de 1846, sejam largas e pavimentadas; quem cá dirige crê que Interlagos transferiu seu endereço ou que estamos no mais novo percurso do Rally Paris-Dakar.
Havia uma propaganda veiculada na televisão onde a cidade está numa fuzarca total. É carro andando na contramão, pelas paredes, voando, helicóptero dando rasante, pessoas descendo de rapel de helicóptero em plena avenida. Às vezes me sinto assim aqui. E olha que Uruguaiana tem apenas 125 mil habitantes. Em Porto Alegre essa sensação é constante. Só andando pelos bairros mais distantes do centro é que dá para sentir um quê de tranquilidade nas ruas.
Não sou nenhum especialista em trânsito, nem trabalho na área. Meu filão de estudo é a Língua Portuguesa, tudo o que tange educação. À primeira vista, educação quer dizer apenas escola, vestibular, Enem... Negativo! A educação abrange tanto os bancos escolares quanto as atitudes que adotamos no dia-a-dia. Educação é muito mais que cultura, que conhecimento cognitivo. Ela diz respeito ao modo que tratamos o meio ambiente, como nos relacionamos com outras pessoas, de que maneira exercemos o nosso papel de cidadão em todas as ações do dia-a-dia, inclusive no trânsito. E é essa educação, mínima, que imploro aos motoristas e pedestres. Pelo bem de todos e pelo exemplo que nossos pequenos estão vendo de seus pais.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O CACHORRINHO


Publicado no Jornal Letras Santiaguenses jan/fev 2006
 
O cachorro que corre louco pela rua
Não sabe a importância do seu gesto
Nem que o carro que vem no seu sentido
Freará bruscamente para não o atropelar.
E o carro que perto deste está não poderá
Parar a tempo de evitar um choque brusco.
E o caminhoneiro cansado que dirige o arisco caminhão
Nem se dará por conta de frear ou desviar.

E os três aglomerar-se-ão e machucar-se-ão
Mas o cachorrinho, encolhido e apavorado no meio da rua
Nem imagina o que acaba de acontecer a sua volta
Nem do que os jornais publicarão no outro dia.
O cachorrinho não verá a sua foto estampada de manchete
No jornal e ao fundo, o emaranhado de ferro dos três veículos.
Ele acaba de realizar um feito e de encaminhar a sua fama
E nem sabe disso
Não sabe que a esposa e os filhos do caminhoneiro chorarão
Durante dias a morte do motorista que dirigia sonâmbulo e sem cinto.
Não sabe que os parentes ficarão aflitos durante uma semana,
Tempo em que o segundo motorista ficará hospitalizado antes do óbito.
E a pequena angústia frustrante dos filhos do primeiro motorista
Que foi retirado dentre as ferragens depois de minutos, sem vida.

Incrível como ele se surpreenderia se soubesse o que lhe aconteceria
Mais tarde. Se soubesse que seria exaltado e odiado
Que levaria legiões a odiar cães e outras a compadecer e amá-los
Discussões que seriam feitas a seu respeito
Dividindo o mundo em dois pólos parônimos à Guerra Fria
Os pró-cão e os anti-cão.
Alguns ainda diriam “ou neutro mas acho que ele não teve culpa”

Se fosse humano, muito provavelmente seria julgado
E não mais biólogos e veterinários estariam ao seu lado
Teria a companhia de advogados e a antipatia de promotores
Prestaria depoimento em um tribunal
Teria a sua personalidade analisada por estudiosos
Seus atos impressos nos documentos policiais e na retrospectiva

Se tivesse consciência, veria que a sua fama acabaria em pouco tempo
Nem um mês e o cão do acidente não seria mais manchete
E estaria na lembrança de poucos, só na dos parentes
E amigos.

Se ele tivesse consciência de tudo o que acontecesse a sua volta
Demoraria a entender o gesto dos filhos do primeiro homem
O do carro que parou. Mas aceitaria o fato
Pois era mesmo um cão das ruas e não tinha local de morada.
Entenderia porque os filhos o pegariam no colo
Alheios aos comentários funestos das pessoas
Passariam a mão nele, o acariciariam, murmurariam alguma
Coisa doce, mas triste, e o adotariam.

Ah, se ele entendesse o mundo e soubesse...

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