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terça-feira, 12 de outubro de 2010

O DIREITO A RESPOSTA

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 18 ago 2010.

Aqueles que fazem das palavras sua ferramenta de trabalho sabem a importância que vírgulas, reticências, expressões bem ou mal posicionadas e argumentos tendenciosos têm numa fala ou texto. Os professores dispõem desse poder cotidianamente, diante de seus alunos. São os heróis que muitos estudantes não encontram em casa, o pai que a garota sempre quis ou a mão firme que reforça os recados chatos da mãe. Os jornalistas e todos aqueles que têm um breve espaço para pronunciar-se em meios de comunicação também desfrutam de uma influência gigante perante seus leitores, telespectadores e ouvintes. Suas palavras, seus artigos indefinidos e posicionamentos críticos, sarcásticos, humorados e, infelizmente, parciais algumas vezes, alcançam num piscar de olhos mais pessoas que os professores. Em contrapartida, não têm a enorme felicidade de conhecer bem aqueles que lhes ouvem, fato este que sobra ao professor.

Lembro das aulas de jornalismo, nos idos anos de 2003, quando os professores ressaltavam que o jornalista tem que procurar ser, ao máximo, imparcial. Lógico que essa utópica neutralidade não abençoa ninguém e nenhum repórter, porque a própria visão de mundo faz-nos simpatizar com uma ideia ou com outra. Mas a versão de ambas as partes envolvidas sempre necessitou ser apresentada ao público. É isto o que vemos em empresas sérias, preocupadas com a verdade. Há um posicionamento do jornal, ele simpatiza com determinada causa, mas nem por isso deixará de dar espaço ao outro lado da história.

Mesmo com escândalos que pudemos ver em Foz do Iguaçu, onde vereadores utilizavam ilegalmente dinheiro público, passeando a nossa custa, com família, periquito e papagaio, os ladrões tiveram o direito de falar. Muitos se calaram, mas lhes foi auferida a oportunidade, assim como num julgamento, dentro das formas da lei, onde acusados e acusadores falam, cada um no seu tempo destinado.

No final do mês passado colei grau pela PUCRS em Letras, junto a tantos outros colegas de Letras, Matemática e História. Estavam lá, prestigiando-me, meus pais, minha irmã, amigos, amigas e alguns parentes que vieram de longe para comemorar comigo esta vitória. Havia cinco lugares à disposição de familiares ou às pessoas mais próximas que cada formando escolhesse. Como eram muitos concluintes, multiplicados por cinco, os lugares reservados iniciavam próximos aos novos professores até quase o fundo do salão. Meus pais ficaram lá no fundo. Os tios, primos e amigos sentaram junto ao público geral, mais ao longe ainda. Nem por isso achei prejudicado com os organizadores da solenidade. Cada um tinha o seu lugar e eu, meus colegas e professores, ocupávamos posição de destaque, como prevê o protocolo. Aliás, nem deveria ser diferente, éramos nós as autoridades da festa, o motivo de todos estarem lá. Nada mais justo que quem é mais relevante na solenidade ocupar o local de maior prestígio.

Dessa forma, pouco vejo de concreto no posicionamento, publicado em jornal local, de um advogado que se sentiu desprestigiado na formatura. Acompanhava-o o prefeito de Bagé. Assim como todos os demais familiares, puderam ocupar as cinco vagas disponíveis aos parentes daqueles que estavam pagando a festa, os formandos. Não foi reservado nenhum local específico para o prefeito e não era necessário. As autoridades da festividade eram os alunos, os professores. O espaço era particular, e não público. Ele não era mais importante que os pais dos demais formandos. Estava lá na condição de tio e possuía o mesmo grau de relevância que meu avô.

Assim como os demais jornais sérios que conheço, acredito que o semanário que publicou a opinião do ofendido também abrirá espaço para defesa, para a exposição da outra versão dos fatos. As palavras, como já disse, têm um poder enorme. Por isso, expor apenas uma das versões faz correr o risco de os leitores verem os fatos apenas sob uma ótica e uma nuvem espessa encobrir outros aspectos que envolvem o ocorrido. E não é uma verdade caolha que queremos.

Gosto muito do jornal, respeito e tenho grande admiração pelo trabalho que realiza, e é por este motivo que tenho a convicção de que será aberto o espaço para a réplica. Em tempos de eleição, acostumamo-nos com expressões e palavras do tipo “direito a resposta”, “réplica” e “tréplica”. E é assim que deverá ser conduzida esta questão.

O ESPETÁCULO DA SOLIDARIEDADE

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 28 julho 2010. 

Há quem ajude pessoas e não conte isso a ninguém. Mas existem aquelas pessoas ou entidades que fazem da doação um grande espetáculo para promover-se. Pura jogada de marketing. Essa supervalorização de si acaba diminuindo a importância da doação e põe em dúvida a real intenção de ajudar o próximo. É o que vimos na reportagem do Jornal do Almoço do último dia 20.
A jornalista Cristina Ranzolin valeu-se excessivamente dos pronomes “eu” e “minha”, parecendo propaganda eleitoral. Demonstrava em cadeia estadual que ela e a RBS são pessoa e instituição solidários. Retratando a Ilha da Pintada, uma das tantas ilhas de Porto Alegre, retornou ao local depois da reportagem que o jornal exibira na semana anterior, mostrando as condições precárias de vida dos moradores de lá.
Acobertado por um motivo social e que sensibiliza as pessoas, voltou à Ilha da Pintada dizendo que veria se a reportagem da semana anterior surtira o efeito esperado de levar a população a doar alimentos e roupas àqueles miseráveis. “Cenas como estas que impressionam não só vocês que estão em casa, mas também nós jornalistas”. A reportagem começou mostrando ela acondicionando roupas e comidas (da população e dela, como bem destacou) numa caminhonete e o deslocamento da equipe de reportagem até a ilha. Pouco antes de chegar, ela disse “Logo que passei a primeira ponte, o cenário mudou: difícil imaginar que famílias inteiras morem nessas casas, se é que podem ser chamadas assim”. E lá está o uso do verbo em primeira pessoa: “logo que passei a primeira ponte”. Difícil imaginar, isso sim, que sendo jornalista há anos, ela ainda não tenha se deparado com a pobreza. Ou será que era drama para mostrar-se sensibilizada?
Retratou nada além da realidade que conhecemos em Porto Alegre, Uruguaiana e em qualquer cidade brasileira: barracos ancorados por madeiras velhas e crianças dormindo apertadas e passando fome. A visão das casas sob a ótica dela e frases como “cenas que não me saíram da cabeça” e “eu resolvi ir até lá para ver se alguma coisa mudou depois que a história deles foi mostrada aqui no JA (Jornal do Almoço) e também para levar algumas doações minhas” deixaram claro que a intenção não era mostrar como os moradores da ilha viviam, mas para que todos pudessem ver o tamanho da solidariedade da Cristina Ranzolin.
As condições subumanas daqueles moradores realmente entristecem, mas não são diferentes dos moradores de outra região periférica de qualquer cidade ou de Uruguaiana. Chocou, sim, ver uma criança nua, naquele frio (chovia e ventava) e a mãe, ao ser interpelada pela repórter o motivo de seu filho estar sem roupa e os demais descalços, responder que os calçados estavam para chegar e “ele (o menino) fica assim mesmo. Ele é que nem índio. É só tentar colocar a roupa nele que ele tira”. É difícil aceitar que os pais não consigam vestir uma criança de cinco anos. Quiçá dos filhos mais velhos. Parecendo candidata eleitoral, Cristina fechou aquela cena dizendo “O garotinho que não queria saber de colocar roupa, acabou aceitando que eu o vestisse com uma roupinha que eu levei da minha filha”. Precisava dizer que era da filha dela?
A preocupação residiu em demonstrar a solidariedade da emissora. Autopromoção velada e barata. O ápice da autopropaganda ocorreu no final da reportagem “Só mesmo indo até lá, como eu fui, para ver como a vida é dura para eles”. Realmente, no eixo estúdio-shopping-casa não existem casebres.
Caso semelhante presenciei numa formatura de conclusão da 8ª Série de uma turma de Educação de Jovens e Adultos, tempo atrás. A escola era particular, mas seus alunos não pagavam mensalidade. Eram pessoas carentes e recebiam, inclusive, transporte gratuito: um ônibus buscava-os em pontos-chave da cidade e levava-os para casa ao final das aulas. Até então, uma iniciativa louvável. Mas no discurso, o então diretor falou-lhes “tenham orgulho em estudar nesta instituição, pela qualidade do ensino”. Nada de aludir ao fato de serem adultos que retomaram os estudos depois de anos e concluíam o Ensino Fundamental conciliando a escola ao trabalho dentro e fora de casa. Não os encarou como lutadores, perseverantes, mas como sortudos que tiveram a felicidade de estudarem numa escola de primeira linhagem. Se o objetivo era destacá-los, não teve sucesso. O que ocorreu, em verdade, foi uma supervalorização da escola. Os alunos não eram mais o foco e sim, a escola. Da mesma maneira, a reportagem do Jornal do Almoço não objetivou mostrar que os moradores da Ilha da Pintada necessitam de um programa do Governo que preste assistência e melhore as suas condições de vida. Intencionou-se, sobremaneira, mostrar que a RBS é solidária e que a Cristina Ranzolin é uma excelente cidadã, prestativa e preocupada com o bem-estar social. A ajuda ao próximo fica em segundo lugar. Em primeiro está o quão bonzinho somos.

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