terça-feira, 12 de outubro de 2010

POR UM TRÂNSITO DECENTE

Publicado no jornal Tribuna de 04 jun 10

Aproveitando o verão e as férias, saí para correr. É um costume saudável e ajuda a diminuir os quilos adquiridos na época mais fria e gastronômica do ano, o inverno. O sol se põe mais tarde, grande parcela da população está em férias e pode dormir até mais tarde no outro dia. A vida noturna no verão é, definitivamente, muito mais próspera que nas outras épocas do ano. A maioria sai para caminhar, andar de bicicleta, vai para a academia. Tem os preguiçosos, que ficam em casa assistindo à tv, vendo filme, batendo papo. Nada contra, até porque me incluo nesse grupo, também. Cada um tem o seu ritmo, a sua rotina. E cada um sabe o que é melhor para si.
Durante a corrida de hoje vi um fato que creio ter sido privilegiado, porque poucas pessoas devem tê-lo presenciado em outra ocasião: um carro estacionou junto à lixeira e a carona jogou um pequeno pacote de lixo dentro da caixa a ele destinado. Após isso, o veículo arrancou e prosseguiu o seu caminho. Não é todo dia que alguém para a fim de pôr o seu lixo no devido lugar.
Seria banalmente normal ver algum ignorante abaixar a janela e simplesmente liberar os seus restos ao mundo. Os que vêm atrás que absorvam as minhas sobras. E qualquer um que visse situação como essa não aprovaria, contudo não estranharia.
Achava que guardar o lixo numa sacolinha até chegar a minha residência e pô-lo no lixo da casa era uma “coisa de certinho”, como diria uma amiga minha. Há coisas que todo certinho faz. O politicamente correto. Pensei ser um dos únicos que fazia isso. Não que seja um mérito. É, na verdade, um demérito não o fazer. Pois o casal daquele carro provou-me que educação no trânsito é possível, sim.
Possível mas muito difícil de ver nas ruas. O trânsito no Brasil é uma das maiores causas de morte. Está entre as dez principais. E olha que o trânsito deveria ser só para transportar, não para matar. Não é por menos: a transgressão das leis de circulação ocorre a cada esquina. Já faz parte da cultura, não só desta cidade, mas no país todo, a infração deliberada das leis de trânsito. Carro estacionado em fila dupla? Comum. Motoqueiro, carona e uma criança que não alcançará nem nos próximos dois anos os pés no pedal e sem capacete? Mais comum ainda. Motoqueiro deitado ao longo da motocicleta, apenas com as mãos empunhando o guidão? É algo rotineiro. Qualquer cachorro ou buraco transformará o condutor em poeira, porque isso sempre ocorre em alta velocidade. Fazer racha deitado sobre a moto, terminando-o numa ponte? Vi só uma vez, mas certamente ocorreram muitas mais.
Talvez porque as ruas da parte da cidade que foi planejada, no remoto ano de 1846, sejam largas e pavimentadas; quem cá dirige crê que Interlagos transferiu seu endereço ou que estamos no mais novo percurso do Rally Paris-Dakar.
Havia uma propaganda veiculada na televisão onde a cidade está numa fuzarca total. É carro andando na contramão, pelas paredes, voando, helicóptero dando rasante, pessoas descendo de rapel de helicóptero em plena avenida. Às vezes me sinto assim aqui. E olha que Uruguaiana tem apenas 125 mil habitantes. Em Porto Alegre essa sensação é constante. Só andando pelos bairros mais distantes do centro é que dá para sentir um quê de tranquilidade nas ruas.
Não sou nenhum especialista em trânsito, nem trabalho na área. Meu filão de estudo é a Língua Portuguesa, tudo o que tange educação. À primeira vista, educação quer dizer apenas escola, vestibular, Enem... Negativo! A educação abrange tanto os bancos escolares quanto as atitudes que adotamos no dia-a-dia. Educação é muito mais que cultura, que conhecimento cognitivo. Ela diz respeito ao modo que tratamos o meio ambiente, como nos relacionamos com outras pessoas, de que maneira exercemos o nosso papel de cidadão em todas as ações do dia-a-dia, inclusive no trânsito. E é essa educação, mínima, que imploro aos motoristas e pedestres. Pelo bem de todos e pelo exemplo que nossos pequenos estão vendo de seus pais.

O LEITOR

Publicado no jornal Tribuna, em 30 abril 2010

Talvez um dos filmes mais transcendentais que já tenha visto, certamente o mais profundo dos últimos anos. Um filme que deveria se tornar obrigatório nas salas acadêmicas de licenciatura, em especial de Letras e Pedagogia. Aliás, todo aluno de Letras e Pedagogia deveria fazer um ensaio sobre o filme. Falo d'O Leitor, contracenado com os incríveis Ralph Fiennes e Kate Winslet.
O filme decorre no ano de 1958, na Alemanha Ocidental. Kate Winslet é Hanna, uma mulher comum que se envolve com um garoto, Michael. Ele adora literatura e lê para ela os romances que vê na escola. Os dois afastam-se por um tempo e reencontram-se apenas no julgamento de Hanna por crimes cometidos em Auschwitz, momento em que Michael descobre o novo ofício que ela exerceu após a separação dos dois. Hanna é condenada à prisão perpétua e Michael conduz a sua vida distante desse fato. Até então, não vemos nada de especial no filme. Temos uma história, com um enredo amoroso, a justificativa do título, dois atores excelentes e ponto final. Não fosse o fato de Hanna ser analfabeta e não admitir isso. Nem para Michael. E esse segredo a condena à pena máxima, fato que poderia ser amenizado caso confessasse.
Não se trata de tornar leviano o crime cometido pelos nazistas na 2ª Grande Guerra, e sim da vergonha que ela e tantos outros analfabetos têm em assumir a sua condição. Da prisão, Hanna passa a receber fitas K7 (lembram-se das fitas K7? As crianças e adolescentes de hoje talvez desconheçam) com narrações de histórias que Michael grava. A motivação para viver retorna aos seus olhos, ao coração. Isso faz com que se motive a aprender a escrever por conta própria. Autodidata.
A história cinematográfica e literária faz-me recordar que Machado de Assis era pobre, gago e negro, discriminado na sociedade e aprendeu sozinho a ler e a escrever, vindo a tornar-se um dos maiores escritores da literatura mundial. E no filme “O terminal”, Tom Hanks é Viktor Navorski, um estrangeiro vindo de um país fictício, a Krakozhia, que sofreu um golpe de estado e não teve a nova autonomia reconhecida pelo Governo Norte-Americano como nação, o que impossibilita ao protagonista ingressar nos Estados Unidos. Consequentemente, não pôde regressar à terra natal. Essa situação faz com que ele fique sem ter para onde ir no terminal do aeroporto, considerado área internacional. Para sustentar-se, o estrangeiro pega livros e revistas em inglês e no seu idioma e compara as escritas. Assim, aprende a ler e a escrever na língua local. Essa forma de superação, de aprendizagem de escrita é a mesma que Hanna adota em “O leitor”, com mais de 50 anos. Ela ouve as gravações das histórias e com os livros, compara as letras e, galgando aos poucos, aprende a expressar-se por escrito.
Mas não é dessa maneira que as pessoas que não tiveram antes oportunidade são alfabetizadas. Muitas retornam às salas de aula depois de muitos anos, já casadas, com filhos (que muitas vezes frequentam os bancos escolares), por vezes não para recolocarem-se no mercado de trabalho, mas para concretizarem um sonho pessoal, o de conseguir escrever e ler não só o próprio nome, mas as informações que estão impressas no mundo a sua volta. Outras pessoas não têm essa oportunidade. E continuam analfabetas ou analfabetas funcionais (quando sabem escrever apenas algumas palavras, mas não possuem habilidade de interpretar sentenças simples). Contudo, não raro também encontramos alunos do Ensino Médio lendo igual a uma criança do 2º ano das séries iniciais, pois sempre foram passados de ano e nada houve que lhes motivasse a ler ou escrever.
O leitor faz o professor refletir sobre o seu papel. Faz o educador questionar-se até que ponto está sendo efetivamente competente na aprendizagem de seus alunos. Faz questionar-se o porquê da perda de vontade de ler à medida que a criança cresce. Por que atualmente é tão pouco sedutor ler um livro, um conto, uma crônica, uma notícia? Seria o poder que a televisão e o Playstation têm? Ou porque simplesmente não se procuram mais formar leitores, mas apenas bonequinhos que saibam a gramática e passem no vestibular. Será que a leitura era antes um passatempo por simplesmente não haver nada mais interessante para fazer? Faz os pais voltarem-se para si e procurarem ver se não estão transferindo toda a responsabilidade da educação dos seus pequenos à escola. Questiona-os se deixaram de contar a história da Branca de Neve antes de dormir simplesmente porque a menininha tornou-se mulher ou porque pensaram não ser mais tão importante. Fá-los duvidar se está certa a conduta de não mais acompanhar o desempenho na escola, não olhar mais os cadernos porque cresceram e já necessitam exercitar a responsabilidade pelos seus atos. Ou se há um tanto de negligência na ausência dessa preocupação. Um filme onde o telespectador se diverte, chora com o desenlace da história e reflete sobre as suas atitudes.

POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA

Publicado no Jornal Pampiano de 30 de janeiro de 2010

Dizem que sempre é bom manter uma boa política de vizinhança. Relacionar-se bem com os vizinhos, ser querido pelos demais moradores do prédio, pelos inquilinos das casas ao lado. Mas nem sempre é uma tarefa fácil. Ainda mais se houver um vizinho decididamente inconveniente. Se alguém estiver determinado a tirar-nos do sério. Se é descabido com suas atitudes, desrespeitando o espaço do outro. Mas vamos falar de algo mais palpável, concreto.
Em toda a vizinhança há apenas uma lixeira. Em frente onde moro. Minha. Serve para pôr os detritos que sobram das minhas comidas, as minhas sobras. Sim, dei-me ao trabalho de comprar uma lixeira, fazer massa, concretar a base, tudo isso para não colocar o lixo no chão até o caminhão da empresa licitada passar. Os demais moradores da rua, apesar de não possuírem lixeira, colocam-os como podem, em cima dos seus muros, pendurado em árvores à frente das suas casas. Até o momento, nenhum problema na situação. Não fosse algum vizinho, ainda não identificado até o momento, colocar o seu lixo na lixeira de casa, não deixando espaço nenhum para nosso lixo. Quer colocar o lixo, ponha depois que o de casa estiver posto. Não quero ser egoísta em dizer que não podem colocar o lixo lá. Desde que o meu espaço esteja respeitado.
Vou contar o fato que fez com que investisse o meu tempo falando sobre pessoas desagradáveis e situações também desgostosas como essas. Com as festas de final de ano muito lixo ficou acumulado. Era segunda-feira, o primeiro dia útil do ano, dia de o caminhão do lixo passar. No domingo à noite, por surpresa minha, a lixeira já estava abarrotada de porcarias e nenhuma delas era lá de casa. Onde ficou o meu lixo até o outro dia, quando passaram pra recolher? No chão, é obvio. Jogado a toda sorte, propício a cachorros de rua passarem, pegarem alguma comida, bagunçarem tudo e saírem. Adonar-se do que é seu não é algo legal. Nem um pouco.
No momento de raiva, imediatamente após verificar o que haviam feito, cheguei a pensar em ficar de tocaia na véspera do próximo dia que passasse o lixeiro, pegar o meliante no flagra, dar um sermão, xingá-lo. Mas a cabeça esfriou e vi a idiotice que pensava. Um erro não justifica fazer outro erro. Se não respeitam, não é desrespeitando o outro também que o erro será corrigido.
Assim como há pessoas assim, que agem intencionalmente, há muitas outras que não se tocam quando são inconvenientes, desagradáveis. Ou percebem tarde. Nessas horas, quando a ficha cai que o não quisto é você, o melhor a fazer e sair o quanto antes, de fininho.
Podemos encontrar espécimes em todo o canto. No MSN, então, há uma récua desses. O meio virtual faz as pessoas tornarem-se mais desinibidas. E muitas não sabem como lidar com isso. Cada palavra tem um emoticon correspondente e quando vai falar aparece coração, seta, bichinho correndo, explosão, letra animada, frase e aí vai. Se a pessoa não está acostumada com a linguagem virtual é um sofrimento pra decifrar. Ou então não para de chamar a atenção, escreve um monte de coisa e pede opinião toda hora. É o chato online. Existe, inclusive, reportagens que dão dicas de boas maneiras na internet. Porque é importante ser agradável ao vivo e virtualmente também.
Essa fato faz-me lembrar de uma amiga minha que no meio da conversa ficou offline e continuou a conversar comigo. Disse que tinha um colega de trabalho importunando, não parava de falar de trabalho. E isso era domingo, o dia da folga merecida. Ao menos deveria ser da folga. Ficou aparecendo offline para que não fosse incomodada.
E é disso que tenho medo. De ser como esse colega de trabalho. Porque o chato geralmente é o outro. Mas um dia pode ser que sejamos nós. A Martha Medeiros até fez uma crônica tempo atrás questionando quando somos nós os chatos.
Encontramos gente de todo estilo, bem e mau intencionadas. Seja o chato, que é bem intencionado, exagerado. Sejam meus vizinhos do lixo, desrespeitando o convívio harmonioso entre as pessoas. De qualquer modo, sempre haverá alguém assim próximo de nós, na internet ou seremos nós mesmos.

AMIGOS DE SEMPRE

Publicado no site da Casa do Poeta de Santiago,
em 08 junho 2010

Semanas atrás fui para Santa Maria a trabalho. Uma semana. Inicialmente fiquei chateado, pois essa viagem atrapalharia muito os meus estudos. Mas eu sabia que coisas boas estariam por vir. Isso porque já morei lá e quando saí deixei muitos amigos que até hoje converso. Não com a mesma periodicidade, mas ainda tão íntimos quanto um irmão mais velho. E também ficou um casal de velhinhos (vamos chamá-los de melhor idade, porque o espírito jovem deles torna injusto alcunhar-lhes dessa maneira). Os eternos tio Newton e a tia Criseida.
Conheci-os em 2004 num Grupo de Jovens chamado Jufra. O local? Paróquia de Nossa Senhora de Fátima. O significado de Jufra? Juventude Franciscana. Podes procurar no Orkut. Vais encontrar muitas comunidades inspiradas em São Francisco de Assis, o protetor dos animais. Assimilei esses conceitos e muitos outros com os tios. Mas o mais importante foi a experiência de vida que eles me transmitiram. Os valores que passaram com seu exemplo. E a sempre solicitude que eram e ainda são com todos a sua volta.
Retornar à casa amiga sempre é bom. Traz consigo um pouco de nostalgia. Mas novos ares, por mais conhecidos que sejam, sempre são bons. Pessoas novas que se encontra. Tio Newton e tia Criseida reencontrados.
No sábado dei uma espacapadinha do trabalho e fui à reunião semanal da Jufra. Cheguei antes dos tios. E encontrei dois ou três rostos conhecidos ainda de 2004 e o resto era tudo pessoal novo. Conversava com o Guilherme quando brados e canções davam salvas a quem chegava. Eram os tios. Uma rapazeada de 15 a 18 anos, quase ninguém passava dessa idade, todos louvando a presença dos tios. Fiquei feliz por isso. Abraçamo-nos e atualizamos alguns fatos. Porque pôr em dia tudo precisaria de mais uma semana.
Ao final do encontro cada um fez uma prece em voz alta. Agradeci a receptividade de todos e em especial do tio Newton e da tia Criseida. Salientei que como meus pais moravam em Uruguaiana em 2004, foram eles os meus pais de Santa Maria. E acho que ainda são. Porque pai não é somente aquele gerou, mas quem criou, quem amparou nos momentos ruins e quem inspirou confiança quando um mar de dúvidas nos domina. E não continuei. Porque prosseguir falando como eles haviam sido bons comigo far-me-ia derramar algumas lágrimas.
Foi bom vê-los. Também ótimo descobrir que outro amigo que fazia agronomia desencantou-se com a vida do campo e rumou à filosofia. Tenho, então, um amigo filósofo! disse-lhe. Quase isso, redarguiu-me, talvez achando um tanto elevado o título dado. Mas como ele não seria se andava à volta de Kant, Rousseau, Sócrates e tinha na cabeceira um livro de Platão? Era gostoso conversar com ele e ver-lhe os questionamentos intermináveis e relativismos sempre ponderados com a teoria lida e o conflitante empirismo. Perdia um pouco a graça quando chegava ao ponto de, mesmo esforçando-me muito, não conseguir acompanhar seu raciocínio e abstrair suas ideias.
Também achei incrível quando o Guilherme, outro amigo meu e anfitrião da minha morada naqueles dias, ligou para outro conhecido dos tempos de Santa Maria. Adivinha quem está aqui? Uma chance. E do outro lado veio o tiro na mosca. O Giovani. Dois anos depois eu retornava a passeio ao centro do estado e ainda assim ele acertara supondo que eu lá estava. Assustei-me com isso, pra não dizer que fiquei lisonjeado.
Voltei a Uruguaiana no domingo, exata uma semana depois de haver abandonado a Fronteira Oeste temporariamente. E muita história para contar. E com um sorriso nos lábios. E com as amizades reforçadas. E com a certeza de serem os tios, o filósofo e todos os outros, as pessoas que verdadeiramente fazem uma cidade ser hospitaleira ou não. Que tornam acolhedora ou insensível, Santa Maria. Serem as pessoas que lá vivem as causadoras de boas ou más lembranças. Com Uruguaiana é a mesma coisa. É uma cidade longe de Porto Alegre? Depende do ponto de vista. Eu responderia que não é longe da capital e sim perto de Buenos Aires. Se aqui falta alguma coisa que num centro maior tem, falo sobre o que é material. Porque as pessoas boas que encontrei em Santa Maria existem aqui também. Com outros nomes e sobrenomes, mas são de carne e osso. E coração.

PÃO, CIRCO E COPA DO MUNDO

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, de 16 de junho de 2010

Inevitavelmente, nesses junho e julho gelados de 2010, um dos assuntos mais comentados será a Copa do Mundo. Entre os dias 10 de junho e 11 de julho a África do Sul será a “arena romana” da maior festa do futebol. Por mais que a pessoa não goste do esporte ou deteste a Copa do Mundo, estará envolta do campeonato. O que preocupa é que o encantamento que permeia a competição e a atenção que a mídia dá ao evento faz com que tudo o que ocorra concomitantemente à Copa, passe desapercebido. É impossível não relacionar a competição à política do Pão e Circo.
Na Roma antiga, os problemas sociais chegaram a um estado tão crítico que os imperadores, receosos que a população se revoltasse, promoveram a luta de gladiadores em estádios, dentre eles, o Coliseu. Lá, o povo recebia alimentos. O império fomentava festas para entregar comida no intuito de que todos esquecessem suas vidas miseráveis.
Muitos políticos acreditam que vivemos essa política do panis et circenses, a política do Pão e Circo, a cada quatro anos. Aprovam leis durante a Copa porque sabem que o circo africano faz o brasileiro esquecer de ler qualquer notícia que não tenha relação com o futebol. Porque sabem que o jornal vai escrever uma pequena nota relatando a votação da lei. E que a televisão não noticiará por mais de dois minutos. O tempo restante estará reservado ao futebol, à Copa do Mundo. E viva Robinho & Cia. E dane-se o povo.
Esquece-se o que ocorre fora dos gramados. Além disso, ocorre uma espécie de patriotismo relâmpago no país. Um pouco antes de começar a Copa, aumentam as vendas de camisetas e qualquer parafernália que sirva para torcer pelo Brasil e mostrar-se patriótico. Em pleno campeonato, o comércio verde-amarelo ferve. E surgem os discursos ufanistas de patriotismo. Salve o Brasil! Viva no nosso país! Como é bom ser brasileiro! Eu dou o sangue pela minha pátria! Um mês depois de todo esse alvoroço, ninguém mais ousa dizer algo parecido. Parece-me um patriotismo de fogo de palha vivido a cada quatro anos.
Ser patriota é muito mais que vestir a camiseta do país e dizer “eu amo o Brasil”. E, lógico, não é lutar pela nação a cada Copa, mas no dia-a-dia. Ser patriota é lutar por uma educação melhor no nosso país, é denunciar alguma irregularidade com dinheiro público que tenha presenciado. Ter patriotismo é ver a frente de uma escola cheia de alunos, as salas de aula quase vazias e denunciar o problema às autoridades competentes para que se resolva. Ora, é o dinheiro do contribuinte que está em jogo. Quem paga a escola pública? É a mesma população que veste a camiseta canarinho e vibra com o gol da seleção brasileira, mas que quando há protestos contra o governo ou uma empresa privada, tem preguiça de sair de casa e ajudar na luta sindical. Não é fácil ser patriota, mas é muito mais que ser torcedor da seleção. Por mais fervoroso que seja.
Outro exemplo de pseudo-patriotismo é a batalha dos jogadores na Copa, os nossos “gladiadores”. Sim, o sangue esquenta durante o campeonato e a adrenalina fica a mil na hora do jogo. O jogador sabe que grande parcela da população do seu país estará acompanhando o seu desempenho dentro de campo através da televisão e do rádio e que, inclusive, muitos aficcionados torram suas economias para poder assistir aos jogos ao vivo. Mas as cifras generosíssimas que cada seleção irá receber também fazem com que a vontade de vencer cresça ainda mais. Em página especial da Copa, reportagem da Veja Online esclarece que quem for eliminado na primeira fase da competição, ganhará a merreca de 8 milhões de dólares, ou 14,5 milhões de reais. As seleções eliminadas nas oitavas e quartas de final ganharão 9 e 14 milhões de dólares, respectivamente. Para a vice-campeã, o prêmio de consolação bate na casa dos 24 milhões de dólares (44 milhões de reais). A seleção campeã da Copa do Mundo vai abocanhar 30 milhões de dólares. Tratando-se do Brasil, serão 55 milhões de reais. Tem “patriotismo” melhor?
Quem dera eu, se atingisse um objetivo proposto pelo meu chefe, ganhasse 10% disso. Quem dera que os brasileiros que trabalham de domingo a domingo, ganhassem 1% desse valor se trabalhassem bem, se fizessem o que já são pagos para fazer. Quem dera se todos recebessem um salário digno, isso sim. Ao menos não é a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) que vai pagar essa grana, e sim a FIFA (Federação Internacional das Associações de Futebol). Menos mal! Pudera, seria o cúmulo a população pagar aos jogadores e comissão técnica uma fortuna para o que já são pagos (e muito bem remunerados) para realizar.
Mesmo parecendo Pão e Circo em alguns aspectos, a Copa do Mundo tem o seu valor. Alegra as pessoas, promove o encontro de amigos para assistir aos jogos. Todos voltados para uma festividade. Melhor que para uma guerra. Mas, também, é tentadora para a política. Porque o mundo (muito menos o Brasil), não para durante esse mês. E se ninguém prestar atenção ao que é votado lá em Brasília, em Porto Alegre e aqui mesmo em Uruguaiana, a Copa terá servido apenas como um bom entretenimento enquanto os políticos fazem a festa.

AQUI NÃO TEM SHOPPING!

Publicado n'O Jornal de Uruguaiana de 26 mai 10

No meu trabalho há muita gente que vem de outras cidades do estado e outros estados do Brasil. Muitos são a contragosto, por motivo de transferência forçada e alguns porque querem. Ouço muitas reclamações quanto a Uruguaiana, cidade de onde vos escrevo e que considero como minha cidade, mesmo não sendo a natalícia. Aqui não tem shopping, não tem praia, nem MacDonald's, Pizza Hut, e segue a ladainha. Realmente não tem isso, nem Morro do Alemão e engarrafamento.
Não posso dizer que fico triste com o que declaram daqui. O termo correto seria decepção, desalento. Porque vejo que se alguém se muda para cá não querendo, significa que tem grandes chances de permanecer durante toda a estadia nesta cidade achando-a ruim e por isso mesmo, não descobrindo as boas oportunidades que poderá encontrar.
Se você está indo para uma nova cidade morar, é interessante que abra o coração e a mente aos novos costumes que encontrará. E se a transição cultural for muito grande, porque há gente do Nordeste, Norte e Sudeste que migra, é muito válida toda e qualquer tentativa de adaptar-se. Ninguém vai perder as raízes só porque toma chimarrão ou porque aprende a cantar o Hino Riograndense. Nem porque não vai mais ao Shopping Iguatemi, em São Paulo, e sim ao “Shopping da Baixada”.
O livro “Seja feliz sem querer controlar tudo”, de Joe Caruso, fala algo sobre isso. Sobre a questão de não conseguirmos controlar as coisas a nossa volta, nem as pessoas, nem os acontecimentos. O poder consiste, efetivamente, em controlar a nossa reação perante os fatos, a maneira como encararemos a nova situação. Se não foi possível morar em outra cidade que lhe agradasse, se não houve como controlar a escolha da cidade, então concentre as atenções em ver quais são as vantagens do novo habitat, controle o seu pensamento e foque-o na busca por tornar o novo lar no melhor lar do mundo.
Porque o local que vivemos é bom ou ruim dependendo, principalmente, das pessoas com que nos relacionamos, das relações que tecemos ao longo do tempo, das amizades que cultivamos. Eu mesmo, quando vim para Uruguaiana em 1999, não gostava da cidade. E qual era o motivo? Deixava na terra natal muitos amigos e uma vida calma e segura. Ingressava aqui num novo território, um mar de surpresas ainda a serem desveladas, precisava tecer novas teias de amigos. E comecei a gostar da cidade a partir do momento que construí amizades. Desde então, saí para estudar e trabalhar fora e na primeira oportunidade que surgiu para retornar, juntei as trouxas, subi na mula e troteei até aqui.
Uruguaiana tem 125 mil habitantes. Não é uma cidade de grandes proporções. Não se compara a São Paulo nem ao Rio de Janeiro. Porto Alegre é um formigueiro de pessoas comparado a aqui. Não possui, é verdade, MacDonald's, nem Pizza Hut. Algumas favelas dos grandes centros possuem quase a população daqui. Faltam opções de cultura e lazer? Pode ser que não tenha na multiplicidade ideal, mas tem. Mas há aqui coisas que em outros lugares não são possíveis...
Por acaso é possível, morando em Belo Horizonte, andar menos de 10 quilômetros e jantar num restaurante no exterior? Em poucos minutos atravessa-se a ponte e nos deparamos com uma cultura bem distinta da nossa. E olha que a vizinha argentina Paso de los Libres é a cidade mais próxima de Uruguaiana. Depois dela, encontramos Barra do Quaraí a 70km, Itaqui a 100km e Alegrete a 150km. Só em Uruguaiana e noutras cidades fronteiriças temos possibilidades semelhantes. Só em cidades assim podemos nos deparar com frequência que até se torna natural, com um argentino fazendo compras com toda a família.
Para quem me fala que a cidade até poderia ser boa se não fosse tão longe de Porto Alegre, eu respondo que aqui não é longe da capital, e sim perto de Buenos Aires. Fica praticamente no caminho entre a capital argentina e a capital gaúcha. A 680km de Buenos e 630km de Porto. Quem é natural de regiões longínquas do Brasil, morar aqui é a grande oportunidade da vida para ir à Patagônia, a Mar del Plata, Montevidéu, Punta del Este ou Bariloche por um preço bem em conta.
Não se trata de morar num lugar com completa infraestrutura, dezenas de salas de cinema, shopping de oito andares, autódromo, parque temático, fast foods e qualquer outra demonstração arquitetônica de desenvolvimento urbano. Trata-se de saber colher os bons frutos que aquele local que habitamos tem, tirar vantagem mesmo que nos consideremos desvantajosos. Ainda que não controlemos o destino de nossa morada futura, podemos aprender a lidar em como encarar essa mudança. E da melhor maneira possível.

BOA NOITE, CINDERELA

Publicado n'O Jornal de Uruguaiana de 09 jun 2010
e no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Eis que num dos tempos ociosos do meu dia deparei-me pensando em algumas coisas interessantes para se fazer na vida com a pessoa que gosta, seja ela a esposa, namorada, ficante ou qualquer outra relação afetiva. Presentear com pétalas de rosa num buquê grande e lindo, para quem nunca fez, é a primeira providência. Mas não esqueça do cartão. Nem que seja feito à mão, pequeno, com duas linhas escritas. E que seja de coração.
Basicamente, precisamos de um jantar romântico. Se houver ocasião especial, perfeito! Se não houver, perfeito também! Vamos ao tradicional, porque faz parte do imaginário de todo mundo, especialmente das mulheres. Vela, toalhinha delicada e bonita, balde com champanhe e muito gelo, som com a seleção de músicas que ela adora. É um trabalho pra ser iniciado alguns dias antes. Só no dia vira correria.
Ah, caso não se garanta na cozinha, o melhor é encomendar uma pizza.
Outra coisa interessante seria, enquanto a garota se prepara no banheiro, antevendo aquela noite maravilhosa com ela, puxar da mochila um pacotinho de pétalas de flores e espalhar na cama. Se der tempo e a criatividade ajudar, escreva as iniciais dos dois ou faça um desenho inspirador. Receber rosas é legal e as pétalas na cama certamente serão tanto quanto.
Realize um sonho da garota que ama. Se ela não conhece a praia, convide-a para viajar num feriadão. Mas não diga o lugar. Ou invente outro. À medida que forem chegando, possivelmente a ficha irá cair. Mas aí a surpresa estará feita. Ela terá que comprar um novo biquíni, mas isso faz parte do suspense.
Costumeiramente os pores-do-sol e nasceres são lindos. Se houver um rio ou mar próximos, a chance de ser uma visão encantadora é muito grande. O pôr-do-sol é mais fácil de ser degustado, uma vez que já estamos acordados quando ele ocorre. Mas não deixe de ir ver com sua querida. Um tanto mais sofrível é vê-lo nascer. Mas o resultado compensa. Ponha o celular para despertar um pouco mais cedo. Previna-se com um som e dentro dele um CD. Senão a única opção poderá ser ouvir a Rádio Gaúcha, o que não tem nada de romântico nisso.
Se vocês namoram ou ao menos há acesso até o quarto dela, espalhe por todo ele bilhetes. Pode estar escrito apenas OI, ou BEIJOS, ou TE ADORO, ou TE AMO. Qualquer coisa que faça lembrar vocês dois. Se ela passar a semana inteira encontrando ao acaso esses bilhetes, a cesta será de três pontos!
Além disso, fuja um dia com ela. Rapte-a. Ainda que a garota more sozinha. O destino? Só vocês dois sabem. Hospedem-se num hotel e contem outra história em casa. Não tem como viajar? Fiquem num hotel da própria cidade. Permitam-se turistas por um dia. E fica sendo um segredo só de vocês dois.
Surpreenda sua garota. Surpreenda-se. Crie e recrie. Só não deixe a relação amornar na mesmice. A nossa vida é muito curta para desperdiçar tempo com água morna. Que seja quente. Mas não fervente, porque queima. Não podemos esquecer que se não fizermos coisas diferentes com as pessoas que gostamos, ou elas farão algum dia com outra pessoa, ou você e ela terão se privado de algo que seria bom para os dois.
Li certa vez e nunca esqueci, mas não recordo onde. As melhores coisas que ocorrem conosco acontecem em dias normais, cotidianos, na rotina. É num dia comum. Porque os astros não alinham, não ocorre um eclipse solar só para louvar o que está fazendo, o Brasil não para esperando o desenrolar da sua surpresa.
Se as dicas forem muito românticas, desconsidere o que achar mais meloso. Se não concordar com o que é dito aqui, tudo bem. Há quem concorde. Tire proveito do que não lhe agrada para, então, fazer diferente. Está aí a multiplicidade de pensamentos e modos de ser das pessoas. Independente do ponto de vista, faça a sua garota sentir-se melhor, perceber-se sua. Para que você mereça dar-lhe um boa noite, Cinderela.

ÁGUAS TERMAIS

Menção Honrosa no 27º Concurso Literário Yoshio Takemoto
Publicado no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Eram vinte e três horas, ventava. O ginásio onde ficava a piscina térmica estava vazio, com apenas uma luz fraca iluminando um pequeno banheiro ao fundo. A piscina estava coberta com uma lona azul, impedindo que qualquer sujeira caísse na água até a manhã do dia seguinte, quando iniciavam as aulas de natação. Começou uma garoa fraca e o telhado de zinco aumentava dramaticamente o som da chuva. As inumeráveis frestas proporcionavam uma sinfonia assustadora do vento.
Jonas empunhava uma toalha, shampoo, sabonete e uma nova muda de roupa. Arrastava o chinelo havaianas e a barra da calça jeans roçava o chão, molhando nas poças d’água. Chegara uma hora atrás de viagem. Ele, Pedro, Airton, Vinicius e Maiara. Os anos nobres da juventude incitaram-lhes a percorrer seiscentos quilômetros pedindo carona. O destino, a casa de praia de Airton. Andavam uma centena de quilômetros e entravam na cidade mais perto. Arranjavam algum lugar para dormir e na manhã do dia seguinte prosseguiam com sua aventura. Já era o quarto dia e menos de cem quilômetros separavam-os das águas salgadas do mar. Decidiram dormir aquela noite e na madrugada do dia seguinte levantar acampamento.
Jonas gostava de Maiara. Airton também gostava de dela. Ela namorava Pedro. Vinicius não gostava de ninguém. Todos sabiam disso. Mas conviviam pacificamente. Até o momento.
Ficaram alojados num salão de festas de um clube, na entrada da cidade. Algumas teias de aranha, papeis higiênicos jogados ao chão, tocos de cigarro em cima das mesas e um engradado de cerveja num canto. Todas as garrafas estavam vazias. Realmente, fazia muito tempo que ninguém entrava naquela sala. As cadeiras e mesas estavam tomadas pelo pó.
Pedro já se banhara, Airton saía do chuveiro e Vinicius disse que não tomaria naquele dia. Maiara estava no banheiro. Jonas chegou à porta de vidro do ginásio e observou a piscina. Abriu devagar a porta e ela rangeu. Dissera-lhe que a seguisse sem que Pedro visse. E não houve problema com isso. O namorado já dormia faziam quinze minutos.
Contornou a piscina e dirigiu-se ao banheiro. Um chuveiro estava ligado. Tirou a roupa e deixou-a num canto. Entrou no banheiro e abriu o box. Lá estava ela, linda, exuberante, assobiando, com o corpo todo ensaboado.
Passou meia hora e os dois ouviram um barulho na porta da entrada. Seria Pedro? Vou lá ver, disse Maiara. Jonas aproveitou e lavou-se. Secou o corpo e vestiu as roupas. Maiara não voltava.
Foi quando Vinicius também entrou no banheiro. Despiu-se. Era você? Eu o quê? Ouvi um barulho na porta, mas não sabia quem era. Hum... apenas disse. Vinicius entrou para o banho. Jonas saiu e não encontrou Maiara. Onde ela estava? Saíra seminua e precisava pegar suas roupas antes de voltar para o pseudodormitório.
Empunhando o mesmo sabonete, o mesmo shampoo, a mesma toalha e a roupa suja, dirigiu-se à saída. Foi quando viu um canto da lona que cobria a piscina com um volume sob ele. Meio assustado, abaixou-se cautelosamente e descobriu a lona. Uma água avermelhada envolvia o corpo desfalecido de Maiara. O pescoço havia sido cortado.
Jonas gostava de Maiara. Airton também gostava dela. Ela namorava Pedro. Todos sabiam disso. Mas não sabiam que Vinicius gostava de Jonas.

DEZ COISAS INUSITADAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER III

Publicado no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Na busca pelas dez coisas inusitadas que me agradariam fazer, procurei se havia alguma literatura sobre o assunto. Não encontrei e se encontrarem, peço compadecidamente, enviem-me a URL porque acharia interessante comparar os posicionamentos. Encontrei, sim, algumas breves reflexões no Yahoo! Respostas. Um rapaz lançava ao ar por que devemos fazer coisas inusitadas? Mas não penso como ele. Da maneira como falou o devemos parece que fazer algo inusitado é uma obrigação. Não me sinto obrigado a realizar o que imagino. Talvez ele propusesse que quebrássemos a rotina. E isso também não precisamos encarar como obrigação, mas como filosofia de vida. Porque o rotineiro deixa de enxergar as belezas que o cercam, faz as coisas sem tanta motivação quanto se novas fossem.
A melhor resposta escolhida pelo questionador foi para sacudir a poeira da rotina em nossas vidas. Que busquemos realizar essas dez coisas inusitadas ou simplesmente joguemos gotas de imaginação em nossas mentes e pensemos em coisas diferentes. Chega de pensar dentro da caixa, pensemos fora dela, tiremos os limites.
Essa busca pelo não-rotineiro deve ter inspirado o filme “Antes de partir”. Já diz o narrador em primeira pessoa no início do filme: “Edward Cole morreu em maio, numa tarde de domingo [...] ele aproveitou mais os seus últimos dias de vida que a maioria das pessoas consegue aproveitar numa vida inteira.” E o filme, por sua vez, deve ter inspirado a terceira geração a viajar cada vez mais. As agências perceberam um segmento em potencial e quando se avança no tempo, muitos valores são revistos e aumenta a necessidade de encontrar algo diferente do que foi feito até então. A vida torna-se mais mansa (quando problemas de doença e miserabilidade salarial não assolam os nossos velhinhos) e sobra mais tempo para fazer, finalmente!, tudo aquilo que quando mais jovem foi protelado.
Vemos mais senhores e senhoras aproveitando as economias do ano inteiro e investindo em cruzeiros marítimos, passeios e viagens. Ano passado encontrei um grupo da terceira idade na praia. Estavam hospedados no mesmo hotel que eu. Faziam, inclusive, mais alvoroço que eu na flor dos meus 23 anos. Acordavam cedo, saíam para o mar, chegavam ao meio dia, almoçavam e não dava bem 13h30min já estavam de volta à praia. À tardinha a história repetia-se e à noite saíam, mas o local não cheguei a descobrir. Nesses instantes que estavam no hotel, era um entra e sai nos quartos, uma conversação intermitente e risadas. Pareciam mais novos que muito adolescente. Isso me fez lembrar da minha avó materna. Todo final de ano viaja de excursão para alguma praia, algum parque temático. São duas semanas que ela some e aparece depois com muitas fotos e histórias na ponta da língua. A última foi um cruzeiro marítimo pela costa brasileira, parada no Rio de Janeiro com direito a foto no Pão de Açúcar e o retorno para casa de avião. Aventura que não deve ter imaginado quando mais nova. Ou talvez ela já tivesse feito muito antes uma relação das coisas inusitadas que gostaria de realizar.
Completando as minhas dez coisas inusitadas que gostaria de fazer, falo da penúltima. Andar na lua. Após Apollo 11 em 1969 e as inúmeras excursões à lua que vieram depois, poderia vir a minha excursão. Há quem planeje excursões pagas até o nosso satélite natural e quem desembolse os astronômicos -desculpe o trocadilho- valores exigidos. Se um dia os tiver, talvez pense em pagar. Mas vejo muito mais como forma de desperdício gastá-lo assim. Há muita gente precisando e eu desperdiçando. Talvez eu não me sinta bem com a situação.
E a última coisa inusitada seria ser invisível. Sê-lo para andar por aí sem preocupação de ser assaltado, poder ouvir conversas que só assim são possíveis, aprontar travessuras e deixar a vítima desconfiada e sem resposta. Mas que fosse algo passageiro. Ser assim definitivamente não me agradaria nem um pouco. Não é preciso usar muito a imaginação para ver as catastróficas consequências. O filme “O homem sem sombra” já fez toda a reflexão e ilustra quão terrificante seria se alguém atingisse a transparência total e eterna. Além do desespero de perder a sua identidade e rede social porque ninguém mais lhe vê, as possibilidades tornam-se inúmeras de fazer o mal sem ser flagrado. Prefiro que me vejam. Se for para ser invisível, que seja de hoje até amanhã pela manhã.
Ficaram de fora tantos outros desejos. Foi difícil selecionar apenas dez. Faltou dizer que eu gostaria de voar de balão, de parapente, atravessar paredes, ganhar na loteria, ser presidente do Brasil, ter a foto estampada na capa de uma revista de circulação nacional, conhecer as sete maravilhas do mundo. E se o tempo não fosse um senhor inflexível, conversar com Jesus, ter conhecido Hitler (não se trata de apologia ao nazismo, mas mesmo tendo sido um terrível ditador, seu valor como grande líder faz-lhe valer conhecer), cruzar a pé o Mar Vermelho e se minha voz permitisse, cantar uma música com o Raul Seixas.
Há quem tenha colocado objetivos mais modestos. Ou mais realistas. Conseguir quitar a casa própria pode tornar-se uma missão tão dramática e difícil quanto uma das dez coisas inusitadas citadas. Vale escolher os seus dez desejos, vale driblar a rotina, vale fazer algo inesperado, vale surpreender aos outros e a si mesmo. Vale buscar o melhor. Porque o mais importante é não se acomodar, é pensar fora da caixa e além dela.

DEZ COISAS INUSITADAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER II

 Publicado no jornal Letras Santiaguenses de mai/jun 2010

Na outra crônica relatei quatro das dez coisas inusitadas que gostaria de fazer. Surgiu-me a ideia, como havia dito anteriormente, após ver o lançamento de um foguete no filme “O estranho caso de Benjamin Button”. Relacionei as quatro primeiras. Ver o lançamento de um foguete, dirigir um carro de Fórmula 1, rir até perder as forças e saltar de paraquedas e bungee jump.
Perguntei-me, por que coisas inusitadas e não coisas comuns? Ora, se eu pedisse coisas comuns que gostaria de fazer, a relação seria interminável. Teríamos assinalados passar de ano, ganhar uma camiseta cara que vi na loja, emagrecer cinco quilos, ter um emprego melhor, e quem não quer um emprego melhor?, um salário mais gordo, maior reconhecimento pelo nosso trabalho. Esqueça os desejos comuns, pense em realizações astronômicas, em coisas que provavelmente não possam acontecer, liberte a sua imaginação.
Valendo-me dessa imaginação sobre coisas surreais, nomeei como quinto desejo correr quase tanto quanto o Forrest Gump. Tanto quanto ele é modo de dizer. Inclusive, não tenho a pretensão de um dia correr dezenas de quilômetros, vencer maratonas, quebrar recordes, virar dias correndo. Não que não ache possível. Sim, é. Mas não gosto tanto assim de correr pra tentar algo parecido. O que a corrida do Forrest me transmite é uma total liberdade, total despreocupação se já está na hora de ir trabalhar. Passa-me na cabeça vê-lo correr com despretensão em atingir um objetivo, a ação de fazer simplesmente o que gosta, ignorando opiniões externas.
A sexta coisa inusitada é competir em uma Olimpíada. Quem não gostaria de competir no Olimpo? perguntei-me ao relacioná-la. Já achei opinião contrária quando uma amiga respondeu-me as dez coisas inusitadas que ela gostaria de fazer. Seu medo era não obter a medalha de ouro e ser duramente criticada depois do insucesso. E também não desejava isso porque acreditava que teria vergonha de ser vista por todo o mundo. Ora, provavelmente essa seria a razão de eu querer competir numa Olimpíada. Lógico que vale acrescentar o valor de representar um país numa competição internacional. Também não é meu sonho de consumo estar entre os atletas de ponta do mundo inteiro. Meu basquete e vôlei são modestos, o futebol é ruinzinho e não há mais nenhuma outra modalidade em que eu possa enquadrar-me. Mesmo não sendo um projeto de vida, seria ótimo competir.
Também acharia muito interessante percorrer o Brasil e, por que não, a América Latina de moto. Esse veículo, por si só, já carrega consigo uma aura de liberdade. E perigo também. Você não tem ferramentas em volta do seu corpo protegendo, pega o vento na cara, pode esticar as pernas para a frente, para o lado. Impossível não se sentir mais livre, mais solto. Mas é perigosa pelos mesmos motivos que dão a sensação de liberdade. Quase sem carenagem em torno do veículo, qualquer colisão pode tornar-se num acidente sério, o motorista é praticamente o parachoque do veículo. E essa mania de esticar as pernas enquanto dirige a moto para algumas pessoas evoluiu em acrobacias de alto grau de periculosidade. Não é raro ver um motoqueiro segurando a moto pelo guidão, com o tronco deitado sobre a moto e as pernas esticadas para além da traseira do veículo. Um simples gatinho cruzando no meio da estrada pode desestabilizar o motoqueiro nessa situação e creio que dele não sobre nem a arcada.
Independente dos prós e contras, percorrer esse Brasil infinito ou mesmo a nossa América seria uma aventura sem precedentes. No filme Diários de motocicleta aparece o revolucionário Che Guevara, ainda um desconhecido, realizando essa aventura. Ele possuía ideais e carregava consigo desde já um cunho sócio-político muito intenso. A minha ideia é bem mais modesta. Conhecer as terras que só sabemos existentes devido aos mapas e à internet . Muito mais uma aventura do que a viagem política de Che.
O oitavo desejo inusitado é o mesmo de muitas crianças: voar. Crescemos e vamos perdendo essa vontade. Seja porque percebemos ser impossível ou porque nossa imaginação reduz-se a zero, preocupamo-nos muito mais em coisas de adulto, ser alguém, ter alguma coisa; e nos esquecemos de ser criança de vez em quando, esquecemos que podemos voar. Se não for de corpo, que seja na mente. Gostaria de voar, tendo asas ou não. Mais que levitar, onde as pessoas perdem o contato do chão e ficam apenas a alguns centímetros dele. A minha ideia é poder levantar voo a qualquer hora, na altitude que desejar. Já se o dom atingisse a todos, causaria muitos transtornos. Teria o perigo de colisões de humanos-voadores com aviões; as empresas automobilísticas, petrolíferas e todas as áreas afins ficariam muito desgostosas e de alguma forma tentariam boicotar essa possibilidade de voos humanos, talvez delimitando horários restritos para voarmos, induzindo ao uso dos carros.
Essa relação de itens permanece em constante mudança. Pode ser que daqui a alguns meses as dez coisas inusitadas não sejam mais as mesmas. Ou nem sejam mais inusitadas. Apostaria minhas fichas que ao menos duas ou três trocariam. Porque estamos em permanente revisão dos nossos objetivos. O que é válido, sim, é libertar-se para o mundo da imaginação. É querer voar e saber-se limitado para isso. E ainda assim não se preocupar com esse detalhe. E ainda assim sonhar.

DEZ COISAS INUSITADAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER I

 Publicado no Jornal Letras Santiaguenses nov/dez 2009

Vi um foguete sendo lançado no filme “O estranho caso de Benjamin Button” e pensei comigo “Taí uma coisa que eu gostaria de fazer em vida: ver o lançamento de um foguete ao vivo e a cores”. E desencadeei uma série de associações que me fizeram voltar ao filme “Antes de partir”, com os magníficos Jack Nicholson (Edward Cole) e Morgan Freeman (Carter Chambers). Neste último filme, Edward e Carter estão em fase terminal e seguem uma lista de desejos a serem realizados antes de morrerem, se desse tempo. Saem a contragosto de todos do hospital e viajam pelo mundo fazendo coisas que nunca haviam tido coragem ou até mesmo porque lhes faltava tempo. Para eles, o tempo já não importava mais.
Diferente de todos que se encantaram com a história da criança que nasce velha e rejuvenesce com o passar dos anos, o que mais me chamou a atenção foi o lançamento do dito foguete. Fiz, então, uma relação de 10 coisas inusitadas que eu gostaria de fazer. Primeiro, foi difícil passar do número um, que por sinal já tinha sido feito: o foguete. Aos poucos, empolguei-me com essa ideia e cheguei a treze itens. E suei a caneta para diminuí-los.
Vou falar, primeiramente, sobre quatro itens. Numa próxima oportunidade relato os outros seis e fecho os dez.
O primeiro desejo, que não é novidade, é ver o lançamento de um foguete. Fazendo um paralelismo de ideias, o personagem do Antes de partir tinha um desejo de “vislumbrar algo grandioso”. Para ele, isso significava ver as montanhas do Himalaia. Para mim, ver a estrondosa quantia de energia gasta para pôr em movimento uma aeronave de incontáveis toneladas e o tamanho que deve ser aquilo é, sim, vislumbrar uma coisa grandiosa.
O segundo desejo seria dirigir um carro de Fórmula 1. Não sei por que, mas não é o desejo de um Fórmula Indy ou um carro da Stock Car, e sim da Fórmula 1. Talvez seja porque a Globo está no meio, faz muita propaganda, é a corrida que ela transmite nos domingos desde antes mesmo eu nascer. Até porque não gosto muito de carro, está mais para souvenir. Não me chama a atenção. É bom pra andar, traz conforto, protege na chuva e no frio, mas em contrapartida dá muito gasto em manutenção e combustível. O IPVA é caro, do seguro obrigatório também não tem como fugir, os pneus de tempo em tempo precisam ser comprados novos e o óleo a cada oito mil quilômetros, no meu caso, precisa ser trocado. Acho que o desejo de dirigir um Fórmula 1 resume-se a apenas uma corrida, ou talvez uma volta em Interlagos com todo aquele povo gritando e torcendo por mim como se eu fosse o Schumacher. Já aviso que essa ideia de dirigir um Fórmula 1 não surgiu comigo, não sou pioneiro nisso, não. Tem até uma comunidade no Orkut semelhante a isso: “Eu nunca bati um carro de F1”. Ora, Rubinho e Felipe Massa não poderão participar dessa comunidade...
O terceiro item é rir até perder as forças ou mesmo desmaiar. E esse talvez seja o desejo mais feliz dentre todos os meus. Porque rir faz bem para o corpo, é bom para a estima. Há, inclusive, estudos sobre o assunto. Desde pequeno sei que é melhor rir do que chorar, porque chorar te faz movimentar menos músculos que rir. Já é um argumento, ou como diz o ditado, rir é o melhor remédio. Recordo-me que nos idos tempos de colégio fiz aulas de teatro e logo no começo a professora começou a rir e disse que em breve todos iriam estar rindo, mostrando-nos que ele é contagioso. Dito e feito: primeiro um, depois mais dois, em pouco tempo todos riam à la loca. Ri de atirar-me no chão e simplesmente não havia motivo nenhum. Nem piada, nem acontecimento engraçado, nada mesmo. Apenas o motivo de ver outra pessoa rindo e dar-me vontade também de rir. Pois pus esse item porque sempre é bom estar alegre e mesmo que não desmaie de tanto rir, ter isso como objetivo já me fará perseguir essa meta, ou seja, já me fará dar boas gargalhadas.
A quarta coisa inusitada que eu gostaria de fazer é saltar de paraquedas e bungee jump. Dentre todos os itens assinalados, o anterior e esse talvez sejam os mais acessíveis. Mas saltar possivelmente não ocorra porque como diz o ditado o medo não é como a coragem. Já fiz rapel de rochedo, de um morro de cem metros, de um prédio em construção, mas saltar para o vazio é um tanto diferente. Tenho certeza que depois de feito o salto, aterrado e com a adrenalina ainda no corpo, vou vibrar e até pensar em fazer de novo. Mas o problema mora em subir no avião, vestir o paraquedas e efetivamente saltar, vendo tudo lá embaixo minúsculo. Saltar de bungee jump deve ser uma adrenalina ainda maior, porque você não sente nada preso nas costas, apenas um material te enganchando na perna. Aí vem o salto, o esticar do elástico e o ricochete. Mesma coisa: depois de feito, a sensação de segurança aliada ao mar de adrenalina deve ser maravilhosa. Quero bis! Mas haja coragem para dar o primeiro passo...
Essas quatro são as primeiras das dez coisas inusitadas que gostaria de fazer. E quais são as suas 10 coisas inusitadas que gostaria de fazer? Se preferir, não precisa ser inusitada. Se quiser não precisa ter compromisso em fazê-las. Eu mesmo não tenho esperança em realizar a maior parte. Até porque muitas das dez são impossíveis. Mas isso não me impede de imaginar e sonhar, conscientemente, em fazer dez coisas fora da casinha que eu acharia interessante. Sendo assim, puxe um bloquinho de papel, um lápis e anote...

O TEMPO PAROU




Publicado no jornal Letras Santiaguenses de jul/ago 2010

Pelos milhões de japoneses que sofreram as agruras da inconcebível Bomba Atômica em Hiroshima e Nagasaki.

Oito horas mais quinze minutos. Era de manhã. Chovia. Pedro olhava pela janela do seu carro e a respiração embaçava o vidro. Agosto fazia frio. O mês do azar. Muito frio, mesmo. Precisava ligar o carro para o ar condicionado funcionar. Senão petrificaria em meio aos seus devaneios. As gotas grandes que precipitavam do céu batiam com força no vidro e faziam aquele barulho gostoso de sono. Viu um garoto lá fora, abrigado entre as colunas da igreja matriz e uma reentrância da construção. Batia queixo o coitado. Tinha os pés molhados e o chão estava úmido. Um cachorro abrigou-se entre as pernas e o colo do garoto e ali largou seus pelos encharcados. Aninhou-se no seu protetor e fechou os olhinhos. Mas o garoto não conseguia cerrar as pestanas. Era muito frio. Seria mais uma noite que não dormiria. Migraria entre um sono curto e outro, um pesadelo com histórias de bichos do mar e do dilúvio que ouvira quando era menor e ainda morava com sua avó, depois outro com rostos de garotos mais velhos gritando, cuspindo, rindo, tocando.
A chuva engrossou e Pedro não conseguiu ver mais nada. Começaram a cair granizos. Relâmpagos no céu. A noite que viera com o temporal findava-se rápida e surpreendente com os clarões. Poucos segundos depois chegou o barulho. Sinal que o raio caíra perto. Engatou a primeira no carro e saiu devagar. Faróis ligados, acionou o pisca. Melhor estacionar num lugar coberto, antes que alguma coisa aconteça com o carro. Pegou a agenda e como não chegaria no horário ao trabalho, iria reorganizar seus compromissos. Hoje, dia seis.

E se o tempo parasse? Se travasse o seu relógio e todas as coisas a sua volta também congelassem, ficassem imóveis?

Chegaria a tempo nos seus compromissos, poderia fazer muitas coisas que sendo apenas uma pessoa, não teria tempo. Nada mais onipresente que isto. Tire as pilhas do relógio e tudo é possível. Quero ir até o outro lado da cidade, posso. Porque por mais que eu demore a chegar, quando puser as pilhas novamente, nem um segundo terei perdido.

Pedro abriu a porta do seu possante e viu que seu desejo havia se tornado realidade. Todos se tornaram estátuas com vida. As pedras deixaram de cair e a chuva cessou. Começou a andar por entre todos e ninguém o percebia. Andou mais um pouco e viu aquele garoto lá do início. Em posição fetal, cerrava os pulsos e fazia careta. Tocou-lhe os pés e percebeu-os gelados. Os dedos nem mexiam. O cachorro era o único confortável. Fizera o menino de travesseiro e largara o corpo por sobre o dele.

Tudo parecia sem vida. Na esquina, uma senhora olhava à esquerda, com o cenho franzido, descrente que atravessaria a rua na próxima hora. O trânsito intenso, as buzinas intermitentes e os palavrões desferidos haviam se dissipado. O caos no trânsito não mudava, mas ao menos tudo era silencioso.

E silencioso até demais. Nem os pássaros cantavam. Nem o vento estragava os cabelos embelezados à laquê. Só a temperatura é que aumentava. O sol ocupara o lugar deixado pela chuva e ofuscava a visão de Pedro. Parecia mais brilhante que mil sóis de um dia normal. Torrava. Não olhou para os rios, mas supunha que as águas não corriam mais.

Continuou seu passeio andarilho pelo instante fotográfico que recebeu de Deus. Que privilégio tinha de poder ver tudo tal qual era, sem tempo de as pessoas arrumarem-se para ficar mais bonitas, sem tempo de correrem antes de serem vistas, sem tempo de nada.

Entrou numa casa qualquer, a primeira que tinha a porta da frente entreaberta. Tentação era poder pegar o que quisesse e saber que ninguém saberia... Viu um jovem na sala, as mãos apoiando a cabeça, os olhos empapados em lágrimas. Chocou-se, mas continuou caminhando. Viu um quarto pequeno, com a porta escancarada. Um senhor quase centenário estava deitado numa cama. Tinha a veia puncionada e soro. Uma possível enfermeira empunhava um lençol, o qual pretendia cobrir o rosto morfético daquele senhor. A filha dele já não o assistia mais. Não tinha mais poderes de modificar o que acontecera. Estava tudo acabado e a doença vencera. Uma força maior que as suas e de todos que lá estavam ganhara a briga eterna entre a vida e a morte. A barriga do senhor estava cheia de bolhas, inchada e tomada de hematomas por toda ela.

Sentiu náuseas e saiu apressado do quarto. Foi quando olhou para o fundo do corredor e viu que uma criança corria. Usava um vestidinho colorido, com estampas e saltitava. Um dos pés estava no ar e o outro tocava o solo. Não compreendia o que estava ocorrendo. Vovô foi passear. Mas não volta. Como assim? Foi para bem longe. Lá pra onde foi a vovó? Isso mesmo, ele foi encontrar a vovó. E eu posso ir junto? Não, você não pode.

Cansou-se de ver tamanha tragédia e retornou ao carro. Fechou a porta e a chuva de granizo veio de novo. A água estava mais forte que nunca. Ligou o carro novamente e acionou mais uma vez o pisca. Sinalizava. Buscou a agenda e verificou os compromissos.

Não tinha perdido nenhum segundo. Olhou para o relógio. Ainda eram 8:15h. E retomou a sua vida.

No dia 9 do mesmo agosto o mesmo fato inusitado ocorreria novamente.

A VENDEDORA DE SORRISOS




Destaque no Concurso Literário Larí Franceschetto 2010
Publicado no jornal Letras Santiaguenses de mai/jun 2010

Você trabalha onde? Eu sou vendedora. Ah, mas onde é o seu trabalho? Aqui, aqui mesmo. Mas aqui na frente de casa, com o pessoal passando para lá e para cá a toda hora? Lógico, quanto mais pessoas tiver por perto, mais gente para comprar o meu produto. Interessante. E que produto você vende? Sou vendedora de sorrisos. Hum... sorrisos... hum... sorrisos... Ficou ele, assim, sem saber o que dizer, sem mais nada para continuar a conversa.
Maurício passava todos os dias pela casa de Adriana ao retornar da aula. Apenas agora a encontrava à frente da sua residência. Antes disso nunca conversara com a garota. É que eu vendia só dentro de casa. Mas o negócio começou a prosperar e decidi abrir para o mercado externo. Ah, sim... claro. Achava estranho aquele costume da menina. Vender sorrisos... Quem iria dar-se ao trabalho de sair de casa simplesmente para comprar um sorriso da Adriana? O que teria de diferente no sorriso dela que não haveria no seu? Vender sorrisos, ora bolas, coisa mais tola!
Se ele ficasse mais tempo observando a garota, iria descobrir que a ideia dela de montar um posto de vendas à frente de casa tinha sido uma excelente decisão. Muito mais vendas que lá dentro. E ainda a margem de lucro era elevadíssima. Custo zero, retorno garantido. Um investimento seguro. Se ele não fosse para sua aula vespertina perceberia que uma senhora de uns sessenta anos vinha todo dia comprar-lhe os ditos sorrisos. Que o seu esposo também aparecia diariamente em busca do mesmo elixir, mas sempre em horários distintos dos da esposa. Se estivesse lá para presenciar tudo isso, deduziria que quando se esgotavam os sorrisos contagiados nos seus rostos pelo sorriso da garota, os velhinhos tornavam a ela e pegavam mais uma dose de alegria. E chegaria à conclusão que ela não vendia verdadeiramente sorrisos, e sim contagiava seus clientes com as risadas. E esse, sim, seria o seu produto.
Antes de Maurício quebrar a perna e poder observar da varanda de casa, na esquina, as vendas cada vez mais prósperas de Adriana, ele continuou achando-a leviana. Era uma utópica que acreditava vender algo que todos podiam ter sem pagar nada.
Bom dia, meu senhor. Gostaria de qual tipo de sorriso? Ah, um discretinho, apenas pra curtir... ótimo. Hihihihi. E a senhora, também quer um desses? Faça-me o favor. Hihihihi. Quanto custa? Ah, sim... Obrigado e passar bem.
Maurício também não teve o prazer de conhecer aquela outra senhora que aparecia de meia em meia hora comprando um novo sorriso. Geralmente era um sincero que pedia, de praxe, mas de quando em quando comprava uma boa gargalhada ou uma risada nervosa. Isso dependia muito do seu estado de espírito. Não teve o prazer porque quando quebrou a perna, Dona Romilda já não aparecia mais. Não se questionou o motivo do sumiço. Mas Adriana, sim.
Aquela senhora tão magrinha, cabelinhos curtos e bem branquinhos. Tinha um andar tão frágil que parecia prestes a cair a todo instante. Mas fazia questão de nem bengala usar. Despojar-se deste artifício elevava a sua auto-estima. E por consequência, ajudava a manter a saúde sempre em ordem. Tinha vezes que mal pagava o sorriso recebido, solicitava outro. Era cliente VIP. Com as mãos ainda apoiadas sobre o dinheiro do pagamento dizia minha filha, faça aquele sorriso de novo. Foi tão bom vê-lo no seu rosto. E lá ia Adriana atendendo ao desejo da cliente. Negócios são negócios.
Dona Romilda ganhou incontáveis sorrisos de graça. Cortesias da casa. A melhor cliente já tinha até tratamento especial. Era a única que agendava horário com a sorridente vendedora. Foi-lhe oferecido, inclusive, serviço domiciliar. Mas recusou. Não queria que entrassem na sua casa. Não precisavam ver os seus móveis. Nem os animaizinhos que moravam consigo. Muito menos os remédios que tomava. E as seringas inúmeras que ficavam guardadas no balcão do banheiro. Era desnecessário que olhassem para as suas paredes. Ficaria constrangida se vissem o seu carpete.
Ninguém entrara na casa. Ao menos ninguém havia entrado lá desde que se mudara para o bairro, há longos anos que a baixa idade não permitia nem a Adriana e nem a Maurício, contar.
O garoto quebrara a perna em dois lugares e escrevia no gesso quando ouviu seus pais comentarem sobre o sumiço da sua vizinha, D. Romilda. Com as muletas, a muito custo foi até Adriana, comprou-lhe um sorriso apenas para vê-la sorrir lindamente e ouviu as suposições da moça. D. Romilda era uma pessoa muito sozinha. E devia ser triste demais. Se tinha parentes vivos, ninguém lembrava da sua existência. E inexistência. Talvez fosse muito deprimida e por isso viciara-se nos sorrisos de Adriana. Certamente se sentia muito infeliz e por não ter ninguém da sua idade com quem conversar naquele bairro, gastava as economias que sobravam dos remédios com as gargalhadas de Adriana. Completava o seu dia vê-la sorrir. E sorria por dentro.
Alguns dias depois de quebrar a perna, Maurício viu Adriana aproximar-se da casa da senhora e chamar por ela. Fez menção de levantar-se, mas estava cansado. E sua condição tornava um tanto mais complexa aquela ação. Manteve-se assim, sentado.
Adriana rodeou a casa e procurou olhar para o interior. As cortinas tapavam toda a visão. Foi à porta dos fundos. Viu alguns gatos estendidos no chão. Apavorou-se. Sentiu um cheiro forte. Gritou por alguém. Maurício tentou levantar-se. Fisgada no joelho. Permaneceu sentado. Chegou um senhor que caminhava na rua. Olhou assustado para a garota. Aproximou-se da porta e viu os gatos esticados, empalhados naturalmente. Arrombou a porta, gritando por D. Romilda, a senhora está bem? Viemos ver como a senhora está! Anda sumida e nos preocupamos, completou Adriana. Moscas voavam em torno dos gatos. O cheiro aumentara. Estavam mortos há dias. Alguns bichos já comiam os restos mortais. Seguiu-se a busca pela anfitriã. Entraram no seu quarto e viram-na sentada no chão, escorada no lastro da cama. Não respirava. O corpo estava frio. Cheirava a podre. Já estava putrefata. Com um sorriso no rosto.
Morrera há dias, mas só naquele descobriam o seu corpo. Escorreram discretas lágrimas da face da vendedora de sorrisos. D. Romilda não compraria mais seus sorrisos. Ela não retribuiria mais os seus. A velhinha podia não perceber, mas cada vez que lhe comprava um sorriso, ria também. Sua vida pode ser que tivesse sido amarga, triste, emburrada. Mas seus últimos dias foram muito alegres, extremamente sorridentes. Adriana ficou ali, junto ao corpo inerte da sua ex-cliente enquanto o transeunte chamava a polícia para resgatar o imóvel corpo daquela senhora. E Maurício continuava sem conseguir levantar-se, alheio ao que acontecia com a defunta.

O QUE VOCÊ FEZ NAS FÉRIAS?

Publicado no jornal Letras Santiaguenses de mar/abr 2010

Se eu fosse adolescente, quando voltasse às aulas e fizessem aquela pergunta clássica o que você fez nas férias, teria muitas histórias para contar. Mas dentre todas, as que giram em torno dos familiares são incrivelmente as melhores. Tudo bem se fez festa, se conheceu cidades novas, pessoas diferentes; mas se reviu os parentes, os primos, se saiu com eles ou teve um papo de horas a fio, sentado num banquinho de madeira sorvendo um amargo, aí sim está a melhor parte das férias.
Fui para minha cidade natal, Santo Ângelo. De última hora acabei saindo com minha prima, mais nova, e os pais dela. Ia comigo um amigo de anos que decidiu aventurar-se entre os meus conterrâneos. Fomos à Kerbfest Missões, uma festa que ocorre anualmente em São Paulo das Missões. É uma terra de descendentes de alemães, mas tinha gente de todas as etnias lá. Conheci primos da minha prima e primos dos primos. Uma família grande, uma vez que meu tio possui onze irmãos. No caminho para a tal festa passamos por Salvador das Missões, outra cidade minúscula da região mas de valor incomparável, com tradições tão fortes e bonitas quanto as de São Paulo das Missões.
No início das férias minha ideia havia sido ir a Salvador, BA, de avião, para depois ir a Porto Seguro. Mas houve problemas e acabei abortando a viagem. Iria fazer uma escala em São Paulo, porque assim o voo saía mais barato. Ao cruzar pela placa de Salvador das Missões veio uma luz e mandei uma mensagem para minha mãe: “Estou com o tio Cênio. Chegamos em Salvador e depois vamos a São Paulo”. Claro que falava das cidades das missões, mas a brincadeira já estava feita. Não deixara, assim, de fazer as viagens que pretendia. Tinha um missões depois dos nomes das cidades, mas isso era um detalhe.
E passear com meus tios foi bom. Conversar com minha prima que já tinha 15 anos foi diferente, pois ela já não era mais uma menininha, uma criança. Já dava para ter papos mais adultos, ela já compreendia as coisas com maior profundidade que alguns anos antes, quando ainda era a priminha menor.
Ainda em Santo Ângelo, na casa de meus avós paternos, fomos pegar os ovos no galinheiro. In loco, fizemos algo que pessoas de grandes metrópoles dificilmente têm acesso, que é o contato direto com os animais e a aquisição do alimento direto da fonte. Porque tenho minhas suspeitas que há crianças achando que o leite é produzido numa máquina e que a vaca não tem nada a ver com isso. E por que um pensamento assim? Porque a vida no campo é algo muito abstrato em determinadas cidades.
Percebi-me um urbano irreversível quando entrei no galinheiro. Nos idos anos da minha infância eu brincava com as galinhas, agarrava-as, tomava bicadas de galos, fazia arapucas, prendia-as e depois soltava, pelo simples prazer de sentir-me superior àquelas aves. Já adulto, não criei coragem suficiente para levantar uma galinha e pegar seus ovos. Estávamos eu, minha prima e esse amigo aventureiro. Depois de cinco minutos conseguimos afugentar o galináceo e logramos os cinco ovos que estavam escondidos sob o animal. Mas para isso toda a família mobilizou-se para assistir à hilária situação. A avó e a tia riam-se de nós. A outra tia retratava e levava à eternidade aqueles momentos de extrema graça. E meu avô, que havia se acidentado há poucos dias, caminhava com dificuldade e tinha curativos por todo o corpo, também parou para olhar aquela cena, no mínimo, ridícula. Tenho provas em vídeo de que foram precisos três para tirar a galinha do seu lugar. De longe ela parecia tão inofensiva. Mas bem próxima suas feições adotaram um aspecto mau e o olhar fuzilava-nos.
Revi, ainda, meus parentes de Tuparendi. Para quem não é do Rio Grande do Sul e talvez até mesmo os que são e não têm noção de onde estou falando, sugiro entrar no Google Mapas que ele mostra certinho onde ficam todos esses municípios citados. Por serem cidades pequenas e de evidência menor na mídia, acabam sendo desconhecidas nos rincões mais longínquos. Conversando percebi que há quase dois anos não ia lá. Senti-me envergonhado, mas era tarde. Porque quando alguém morre, toda a parentada vai até o local do velório. Mas nas horas boas, pra rever um parente querido, vivo, ninguém aparece. Até então eu também não aparecera.
São simples acontecimentos como esses que fazem valer as férias. Que compensam os gastos e desgastes com as viagens. Infelizmente, nem todos têm uma boa relação familiar. E isso, com certeza, é um ponto importante. Mas família não é, obrigatoriamente, aquelas pessoas de mesmo sangue, mesma carga genética. Podem ser as pessoas que sentimos como nossos entes queridos, em quem temos um porto seguro, podemos confiar, desabafar. E rever essas pessoas adoráveis é muito importante. E, se possível, que não seja só nas férias.

ANJOS CABOCLOS



Publicado no Jornal Letras Santiaguenses jan/fev 2010

Paródia da música Faroeste Caboclo, do Legião Urbana

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo
Era o que todos diziam quando ele se converteu
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o amor que Jesus lhe deu
Quando criança só pensava em amar Cristo
Ainda mais quando com um resgate de soldado o pai viveu
Era o amor da cercania onde morava
Na escola até o professor com ele aprendeu
Ia pra igreja só para doar dinheiro
As velhinhas o colocavam na caixinha do altar
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que deveria profetizar
Ele queria sair pra ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
De escolha própria escolheu ser ermitão
Catequizava todas as menininhas da cidade
De tanto ensinar aos doze era professor
Aos quinze foi mandado pro seminário
Aonde aumentou sua compaixão diante de tanto terror:
Não entendia como a sua vida funcionava
Discriminação por causa da sua classe, sua cor
E não cansou de tentar achar resposta
Comprou uma passagem, foi pregar em Salvador
E lá chegando foi tomar um cafezinho
Encontrou um boiadeiro com quem foi falar
O boiadeiro tinha uma passagem
E ia perder a viagem, mas João foi lhe salvar
Dizia ele: Estou indo pra Brasília
Nesse país lugar melhor não há
Tô precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar.
Com compaixão, aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária viu as luzes de Natal
Meu Deus que cidade linda
No Ano Novo eu começo a trabalhar
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava quase mil por mês em Taguatinga
Na sexta-feira ia pra Igreja da cidade
Doar seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto flagelado de seu bisavô
Um peruano que vivia na Bolívia
Com muito amor vinha de lá
Seu nome era Pablo, ele dizia
Um projeto ele ia começar
E Santo Cristo até a morte trabalhava
E o dinheiro só dava pra se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu bispo ia ajudar
Mas ele não queria mais conversa e decidiu que
Pablo, ele ia ajudar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado, a missão foi começar
Logo, logo os fiéis da cidade souberam da novidade
_Tem bagulho bom aí!
E João de Santo Cristo ficou feliz
E acabou com todos os ateus dali
Com amigos, evangelizava na Asa Norte
E ia pra festa de Deus, pra se libertar
E de repente
Sob uma boa influência dos garotinhos da cidade
Começou a perdoar
Já no primeiro perdão ele gostou
E pro céu ele foi pela primeira vez
Paz e respeito do seu corpo
_Vocês vão ver, Jesus ama vocês
Agora o Santo Cristo era um mito
Querido e amigo no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de satã
Pagão ou anticristo, assassino ou animal.
Foi quando conheceu uma menina
E de ser padre ele se arrependeu
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele
Pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
_Maria Lúcia pra sempre eu vou te amar
E um filho com você eu quero ter
O tempo passa e um dia vem à porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão
Ele faz uma proposta indecorosa e diz que espera uma resposta
Uma resposta de João
_Não boto o nome de Deus em vão ou excomungo em colégio de criança
Isso eu não faço não
E não beatifico general de dez estrelas, que fica atrás da mesa
Com o diabo na mão
E é melhor o senhor sair da minha Igreja
Nunca brinque com um sacerdote descendente de São João
Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse:
_Você perdeu a sua vida sacristão
Você perdeu a sua vida sacristão
Você perdeu a sua vida sacristão
Essas palavras vão entrar no coração
E eu vou sofrer as conseqüências como um cão
Não é que Santo Cristo estava certo
E seu futuro era incerto e ele não conseguiu rezar
Ele chorou e no meio da choradeira descobriu que tinha outro
Rezando em seu lugar.
Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha respeito e queria lhe ajudar
Pablo vendia escapulários da Bolívia e Santo Cristo revendia em Planaltina.
Mas acontece que um tal de Jeremias
Bispo de renome apareceu por lá
Ficou sabendo dos amores de Santo Cristo
E decidiu que João ia confessar.
Mas Pablo trouxe uma Bíblia, pois
Santo Cristo já sabia confessar
E decidiu usar a Palavra só depois
Que o Jeremias lhe pedisse pra confessar.
O Jeremias, bispo da Polônia, organizou as confissões
E fez todo mundo orar
Catequizava mocinhas inocentes
E dizia que era crente, mas não sabia rezar.
E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
Eu vou rezar pra Maria Lúcia
Já é tempo da gente se casar
Chegando em casa, então, ele rezou
Mas pro céu não teve segunda vez
Maria Lúcia, Jeremias catequizou
E uma reza com ela ele fez
Santo Cristo era só tristeza por dentro e então o Jeremias para uma reza ele chamou
Amanhã às duas horas na Ceilândia, em frente à igreja, é pra lá que eu vou
E você pode escolher os seus terços que eu escolho a bíblia, seu fajuto pastor
E converto também Maria Lúcia, aquela menina ateia pra quem jurei o meu amor.
Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter na televisão
Que deu a notícia da vigília na TV
Dizendo a hora, o local e a razão
No sábado então, às duas horas, todo o povo
Sem demora foi lá só pra assistir
Um homem que professava pelas costas, converteu o Santo Cristo
E começou a sorrir
Sentindo o sangue na garganta
João olhou pros anjinhos e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e
A gente da TV que filmava tudo ali
E se lembrou de quando era uma criança e de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
_Se a via-crúcis virou circo, estou aqui
E nisso o sol cegou seus olhos e então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a bíblia e mais dois,
Escapulários que seu primo Pablo lhe deu.
_Jeremias, eu sou cristão, coisa que você não é
E não professo pelas costas não
Olha pra cá seu bispo, sem oração
Dá uma olhada no meu sangue
E vem sentir o meu perdão.
E Santo Cristo com o escapulário, depois
Excomungou o bispo impostor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E orou junto com João, seu protetor.
E o povo declarava que João de Santo Cristo era santo porque sabia viver
E o alto Clero da cidade não acreditou na história que eles viram na TV
E João não conseguiu o que queria quando veio pra Brasília, com Deus ter
Ele queria era falar pro presidente
Pra ajudar toda essa gente
Que só faz
sofrer.

Protegido