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domingo, 7 de novembro de 2010

COMO NOSSOS JOVENS ESTÃO MUDADOS...


Publicado no Jornal da Cidade Online, em 07 Nov 2010

Vejamos três situações. Qual delas parece mais absurda? Um grupo de crianças de oito anos vendo um filme pornô, esse mesmo grupo assistindo a Passione ou sentados, após o horário escolar, lendo um livro? Sem sombra de dúvida, a alternativa “C” deve ser marcada. As crianças de hoje não são mais como antigamente. Tudo começava mais tarde, as pessoas eram mais inocentes, havia menos perigo em andar na rua, corria-se menos, as crianças respeitavam mais os pais, os alunos eram mais atentos em sala de aula. Não havia criança que dormisse na escola, todas as relações eram reais e não virtuais, os valores eram respeitados, palavra de pai era obedecida de olhos fechados e havia menos corrupção. Realmente, o mundo está perdido. Assim como está escondida em algum lugar, perto de onde Judas perdeu as botas, a noção de que as crianças de hoje são nada mais, nada menos, que o puro reflexo da incompetência dos adultos, da banalização de tudo promovida pelos seus pais, tios e avós.
É ilusão pensar que 20, 30 anos atrás, o mundo todo era um mar de inocência. Não era e nunca foi. Na Idade Média, nobres traíam suas esposas com escravas e muito antes disso, todo o tipo de pornografia ocorria nos bastidores da sociedade. Originalmente, o Brasil foi formado por três raças, o branco-lusitano, o negro-escravo da África e o índio-primeiro habitante usado e abusado. Os portugueses que se adonaram de Pindorama/Ilha de Vera Cruz, estupraram escravas e índias, miscigenando os três povos. Essas barbaridades eram comuns pela falta de leis na colônia portuguesa ou porque era a própria lei que cometia os males. No início do século XX as aparências também eram um fator de ascensão social. E de que forma eram feitas as sacanagens? Às escondidas. Ocorriam, mas todos faziam que não existiam. Fomos tornando-nos cada vez mais próximos do que é humano, decente e ainda achamos que no passado tudo era mais casto.
Sim, é verdade que quando eu era um simples estudante da 1ª série do Ensino Fundamental (e isso não faz tanto tempo assim), a Globo e SBT, únicas emissoras que o canal aberto transmitia lá em casa, os desenhos animados eram os perdidos num mundo paralelo em Caverna do Dragão, o ecológico Capitão Planeta, Ursinhos Carinhosos, TV Colosso e Muppet Babies. Antes disso tinha o Sítio do Pica Pau Amarelo e antes ainda, clássicos da literatura infantil narrados nas rádios.
As apresentadoras usavam macacão e o máximo que víamos das suas carnes eram os braços, as canelas e os lindos rostos. Assistíamos aquilo o que os adultos da época preparavam para nós. Que eu saiba, nenhuma criança era dona de emissora de televisão, nem tinha poder de decidir o figurino dos apresentadores, o que falariam, muito menos o que seria transmitido.
As crianças que assistem, atualmente, aos programas de televisão, olham aquilo que os mesmos adultos de antes e outros que cresceram, programam. E são esses adultos que criaram e promoveram o surgimento do show de nádegas da Mulher Melancia e tantas outras frutas cheias de carne por fora e ocas por dentro. É óbvio que todo esse sexo exposto não foi parar apenas nos olhos e ouvidos dos adultos, mas também das crianças que sentam na sala e assistem junto aos pais Passione e Ti-ti-ti e veem seus atores trocando carícias, falando de sexo, tirando as roupas e simulando a conjunção carnal.
E são esses adultos que criam séries de grande audiência como Malhação, onde os personagens passam de bandidos de último caráter a bonzinhos-heróis num passe de mágica. Parece fácil ser bonito, popular, inteligente e sempre saudável como o elenco representa. Assim como “Rebelde”, que talvez tenha surgido com a ideia de mostrar o lado rebelde dos adolescentes, mas as ninfetas “rebeldes” ficaram mais semelhantes às sexy atrizes de Garotas Selvagens.
Que os adolescentes de hoje estão mais precoces que os de ontem, isto é verdade. Que as crianças de hoje são mais informadas e têm as etapas de seu desenvolvimento aceleradas em relação a ontem, também é verdadeiro. E que o computador e sua infinidade de opções benignas e maléficas, os programas-lixo da televisão, as músicas que fazem apologia ao sexo, drogas e dinheiro fácil são grandes mecanismos de destruição do senso crítico das crianças, não se discute. Mas não é apenas a mídia a responsável por todas essas mudanças. Os pais, principais gestores do caráter e da personalidade dos seus filhos, não vêm fazendo o seu papel. Aí, o que acontece? As crianças, oriundas de famílias desestruturadas (não só pobres, porque rico também é negligente, acredite!), são jogadas nas escolas e todos os seus complexos e problemas de relacionamento passam a encontrar apenas no professor a esperança de que alguma coisa seja feita.
É fácil culpar as crianças quando elas não têm a complexidade cognitiva para entrar no debate de igual para igual. Eximir-se da culpa é muito mais cômodo, enquanto os pequenos (que nunca foram inocentes) apenas escutam o que os adultos falam, olham o que os adultos preparam a elas e acessam o que seus pais, vizinhos e os outros maiores de 18 promovem na grande rede. Que não temos mais adolescentes, nem crianças como antes, não temos. Assim como sempre se evoluiu com o passar dos anos. Mas se as crianças e adolescentes são mais precoces e vazias que antes, é por culpa dos adultos de hoje, que estão banalizando e coisificando relações, sentimentos e pessoas.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A VENDEDORA DE SORRISOS




Destaque no Concurso Literário Larí Franceschetto 2010
Publicado no jornal Letras Santiaguenses de mai/jun 2010

Você trabalha onde? Eu sou vendedora. Ah, mas onde é o seu trabalho? Aqui, aqui mesmo. Mas aqui na frente de casa, com o pessoal passando para lá e para cá a toda hora? Lógico, quanto mais pessoas tiver por perto, mais gente para comprar o meu produto. Interessante. E que produto você vende? Sou vendedora de sorrisos. Hum... sorrisos... hum... sorrisos... Ficou ele, assim, sem saber o que dizer, sem mais nada para continuar a conversa.
Maurício passava todos os dias pela casa de Adriana ao retornar da aula. Apenas agora a encontrava à frente da sua residência. Antes disso nunca conversara com a garota. É que eu vendia só dentro de casa. Mas o negócio começou a prosperar e decidi abrir para o mercado externo. Ah, sim... claro. Achava estranho aquele costume da menina. Vender sorrisos... Quem iria dar-se ao trabalho de sair de casa simplesmente para comprar um sorriso da Adriana? O que teria de diferente no sorriso dela que não haveria no seu? Vender sorrisos, ora bolas, coisa mais tola!
Se ele ficasse mais tempo observando a garota, iria descobrir que a ideia dela de montar um posto de vendas à frente de casa tinha sido uma excelente decisão. Muito mais vendas que lá dentro. E ainda a margem de lucro era elevadíssima. Custo zero, retorno garantido. Um investimento seguro. Se ele não fosse para sua aula vespertina perceberia que uma senhora de uns sessenta anos vinha todo dia comprar-lhe os ditos sorrisos. Que o seu esposo também aparecia diariamente em busca do mesmo elixir, mas sempre em horários distintos dos da esposa. Se estivesse lá para presenciar tudo isso, deduziria que quando se esgotavam os sorrisos contagiados nos seus rostos pelo sorriso da garota, os velhinhos tornavam a ela e pegavam mais uma dose de alegria. E chegaria à conclusão que ela não vendia verdadeiramente sorrisos, e sim contagiava seus clientes com as risadas. E esse, sim, seria o seu produto.
Antes de Maurício quebrar a perna e poder observar da varanda de casa, na esquina, as vendas cada vez mais prósperas de Adriana, ele continuou achando-a leviana. Era uma utópica que acreditava vender algo que todos podiam ter sem pagar nada.
Bom dia, meu senhor. Gostaria de qual tipo de sorriso? Ah, um discretinho, apenas pra curtir... ótimo. Hihihihi. E a senhora, também quer um desses? Faça-me o favor. Hihihihi. Quanto custa? Ah, sim... Obrigado e passar bem.
Maurício também não teve o prazer de conhecer aquela outra senhora que aparecia de meia em meia hora comprando um novo sorriso. Geralmente era um sincero que pedia, de praxe, mas de quando em quando comprava uma boa gargalhada ou uma risada nervosa. Isso dependia muito do seu estado de espírito. Não teve o prazer porque quando quebrou a perna, Dona Romilda já não aparecia mais. Não se questionou o motivo do sumiço. Mas Adriana, sim.
Aquela senhora tão magrinha, cabelinhos curtos e bem branquinhos. Tinha um andar tão frágil que parecia prestes a cair a todo instante. Mas fazia questão de nem bengala usar. Despojar-se deste artifício elevava a sua auto-estima. E por consequência, ajudava a manter a saúde sempre em ordem. Tinha vezes que mal pagava o sorriso recebido, solicitava outro. Era cliente VIP. Com as mãos ainda apoiadas sobre o dinheiro do pagamento dizia minha filha, faça aquele sorriso de novo. Foi tão bom vê-lo no seu rosto. E lá ia Adriana atendendo ao desejo da cliente. Negócios são negócios.
Dona Romilda ganhou incontáveis sorrisos de graça. Cortesias da casa. A melhor cliente já tinha até tratamento especial. Era a única que agendava horário com a sorridente vendedora. Foi-lhe oferecido, inclusive, serviço domiciliar. Mas recusou. Não queria que entrassem na sua casa. Não precisavam ver os seus móveis. Nem os animaizinhos que moravam consigo. Muito menos os remédios que tomava. E as seringas inúmeras que ficavam guardadas no balcão do banheiro. Era desnecessário que olhassem para as suas paredes. Ficaria constrangida se vissem o seu carpete.
Ninguém entrara na casa. Ao menos ninguém havia entrado lá desde que se mudara para o bairro, há longos anos que a baixa idade não permitia nem a Adriana e nem a Maurício, contar.
O garoto quebrara a perna em dois lugares e escrevia no gesso quando ouviu seus pais comentarem sobre o sumiço da sua vizinha, D. Romilda. Com as muletas, a muito custo foi até Adriana, comprou-lhe um sorriso apenas para vê-la sorrir lindamente e ouviu as suposições da moça. D. Romilda era uma pessoa muito sozinha. E devia ser triste demais. Se tinha parentes vivos, ninguém lembrava da sua existência. E inexistência. Talvez fosse muito deprimida e por isso viciara-se nos sorrisos de Adriana. Certamente se sentia muito infeliz e por não ter ninguém da sua idade com quem conversar naquele bairro, gastava as economias que sobravam dos remédios com as gargalhadas de Adriana. Completava o seu dia vê-la sorrir. E sorria por dentro.
Alguns dias depois de quebrar a perna, Maurício viu Adriana aproximar-se da casa da senhora e chamar por ela. Fez menção de levantar-se, mas estava cansado. E sua condição tornava um tanto mais complexa aquela ação. Manteve-se assim, sentado.
Adriana rodeou a casa e procurou olhar para o interior. As cortinas tapavam toda a visão. Foi à porta dos fundos. Viu alguns gatos estendidos no chão. Apavorou-se. Sentiu um cheiro forte. Gritou por alguém. Maurício tentou levantar-se. Fisgada no joelho. Permaneceu sentado. Chegou um senhor que caminhava na rua. Olhou assustado para a garota. Aproximou-se da porta e viu os gatos esticados, empalhados naturalmente. Arrombou a porta, gritando por D. Romilda, a senhora está bem? Viemos ver como a senhora está! Anda sumida e nos preocupamos, completou Adriana. Moscas voavam em torno dos gatos. O cheiro aumentara. Estavam mortos há dias. Alguns bichos já comiam os restos mortais. Seguiu-se a busca pela anfitriã. Entraram no seu quarto e viram-na sentada no chão, escorada no lastro da cama. Não respirava. O corpo estava frio. Cheirava a podre. Já estava putrefata. Com um sorriso no rosto.
Morrera há dias, mas só naquele descobriam o seu corpo. Escorreram discretas lágrimas da face da vendedora de sorrisos. D. Romilda não compraria mais seus sorrisos. Ela não retribuiria mais os seus. A velhinha podia não perceber, mas cada vez que lhe comprava um sorriso, ria também. Sua vida pode ser que tivesse sido amarga, triste, emburrada. Mas seus últimos dias foram muito alegres, extremamente sorridentes. Adriana ficou ali, junto ao corpo inerte da sua ex-cliente enquanto o transeunte chamava a polícia para resgatar o imóvel corpo daquela senhora. E Maurício continuava sem conseguir levantar-se, alheio ao que acontecia com a defunta.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

AMOR ESTRANHO AMOR

 Publicado no Jornal Letras Santiaguenses Set/Out 2009
e no jornal Tribuna em 1º de agosto de 2009

O passado das pessoas às vezes pode ser bem sinistro. Constatei isso conversando com uma amiga. Ela disse que ficara decepcionada quando descobriu a história oculta da Xuxa. Ao menos oculta até então para ela. Do que você está falando? Que ela posou na Playboy? Não acho a coisa mais correta moralmente para a Rainha dos Baixinhos, mas não vejo problema nisso. Não, sobre o filme que ela fez anos atrás. Não estou sabendo de filme nenhum. Ela fez um filme com um garoto de 12 anos. Como não acreditasse recorri ao Aurélio digital, o amigo de todos, Google.
E procurando no Google descobri um vídeo, lançado em 1982, onde a Xuxa representa o papel de uma prostituta de um bordel e seduz um garoto de 12 anos. O filme? Amor estranho amor. É só procurar nos sites de busca que aparecem incontáveis páginas. Pois então a Rainha dos Baixinhos participou de um filme onde um garoto, menor de idade, realiza cenas de sexo. Ao que me consta, isso é, sempre foi e sempre será crime. Junto com a loira, que à época não era famosa, também era menor de idade e buscava a fama, encontramos um elenco de peso: Vera Fischer, Tarcísio Meira e Mauro Mendonça.
Muita coisa que se encontra na internet é montagem ou edição de vídeos que fazem parecer real o que não é. O filme foi proibido e tirado de circulação no Brasil, mas lançado nos Estados Unidos com o título “Love strange love”. Ainda cauteloso, procurei algum trecho dele, o que foi facilmente encontrado, até mesmo na íntegra, com cenas de nudez completa e beijos na boca entre as adultas do filme e o garoto. Maria da Graça Meneghel também contracena com o pequeno. Assim como minha amiga, fiquei muito decepcionado com o que vi, pois descobri uma pessoa sem maquiagem, músicas bonitas, nem palavras cândidas.
Não que eu tenha a audácia de acreditar que esse texto chegará às mãos de pessoas influentes e que se incomodem a ponto de quererem processar-me, mas sempre é bom precaver-se. Então, não faço nenhum posicionamento, apenas relato os fatos que se apresentam na internet, disponíveis a qualquer pessoa que se interesse em saber um pouco mais sobre um filme da época da pornochanchada e que foi proibido no Brasil. Não sei por que o foi!
Pergunto-me como um fato tão relevante conseguiu ser abafado com tanta eficiência. E também como ninguém foi preso. E inclusive o que pensavam os pais daquele inocente que por ser menor de idade, não respondia pelos seus atos. Por consequência, se o rapaz não poderia responder pelo “crime” (ou devo utilizar sem aspas?), os pais deveriam.
Procurei no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) um artigo que me dissesse “Giovani, você está exagerando os fatos” ou “realmente, você tem razão”. Encontrei alguma coisa. O Artigo 240 fala o seguinte “produzir ou dirigir representação teatral, televisiva ou película cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica. Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste artigo, contracena com criança ou adolescente”. Lamento que o ECA tenha sido criado apenas em 13 de julho de 1990, através da lei nº 8069 para, dentre outros objetivos, impedir a repetição de aberrações como esta relatada.
Além d’Os Trapalhões -Didi, Dedé e dos saudosos Mussum e Zacarias-, Xuxa participou da formação da minha infância. Eram manhãs inteiras assistindo a seus programas. Foi uma tristeza muito grande ouvir esta história e confirmá-la.
Pergunto-me, ainda, o que pensou o inocente durante as gravações. Porque se ele representava um rapaz assustado no filme, o fazia de maneira tão perfeita que me faz crer que assim demonstrou porque realmente devia estar. Se essa história morreu nos ecos vazios do passado, no esquecimento que só o tempo e o silêncio podem trazer, rezo para que não se repita. Seja com o amparo da lei, seja com o amparo da moralidade, artigo de baixa incidência em algumas pessoas.

Protegido