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domingo, 14 de dezembro de 2014

TALENTOS DA NOVA GERAÇÃO: BORBOLETA AZUL

COMPARTILHO COM VOCÊS O PRIMEIRO DE CINCO TEXTOS MARAVILHOSOS QUE FORAM OS VENCEDORES DO 3º CONCURSO LITERÁRIO ELVIRA CERATTI. O concurso ocorre desde 2012 na Escola Municipal de Ensino Fundamental do Complexo Escolar Elvira Ceratti, com alunos de 6º a 9º anos. A escola está localizada no bairro São Cristóvão, União das Vilas, em Uruguaiana – RS.
Foram 144 textos inscritos em cinco categorias:
- 6º Ano (conto);
- 7º Ano (poema);
- 8º Ano (poema);
- 9º Ano (crônica);
- Texto em espanhol (6º a 9º anos).

Borboleta azul (conto) – aluno Carlos Alexandre Aimon – 6º Ano


Era uma vez um menino igual a todos. Ele só tem um problema: ele é paraplégico. Os médicos lhe falaram que tinha poucos dias de vida. Quem olha diz que ele aceitou aquela doença. Mas vamos logo à história, né.
Ivan sempre ficava ali olhando os outros meninos na rua jogando bola. Olhava eles pela janela. Seu sonho era pegar uma borboleta azul. É, uma borboleta, sim!
Todos riam dele, mas Ivan ignorava. Não dava bola para os outros.
Um dia conheceu um escritor que conhecia uma selva cheia de borboletas azuis.
Chegou o dia de ir à selva. Ivan estava feliz porque iria ver uma borboleta azul que queria. Viajou de avião, pegou um barco, viu macacos, aranhas. Chegou a uma cidade na selva, perto de rios, riachos e matagal.
No outro dia, Ivan procurou as borboletas azuis, passou por lagoas e riachos e nada de borboletas. Ivan já estava cansado. Anoiteceu e os dois voltaram à cidade.
Amanheceu. Ivan estava louco para ir à selva. Saíram cedo, pegaram o mesmo caminho. Passou uma hora e nada. Ivan já estava cansado de segurar nas costas o escritor. O escritor convidou Ivan para ir numa cachoeira e Ivan aceitou. Nadaram bastante. Estava escurecendo, Ivan e o escritor voltaram.
Amanheceu, passaram mais três dias e nada.
Um dia viram uma borboleta. O escritor correu. Quando estavam por pegar, caíram num buraco, se seguraram num galho, saltaram numa parreira. O escritor quebrou a perna e estava sangrando muito.
Ivan estava com tanto medo, pegou a faca do escritor e foi se arrastando.
Amanheceu, a mãe de Ivan estava ali ao lado dele, tentando acordá-lo. Ele acordou, falou que o escritor estava mal, pero da cachoeira.
Dois homens saíram, que estavam com a mãe de Ivan. Os dois homens saíram correndo. Ivan e sua mãe foram até a cidade e os homens estavam trazendo o escritor num tronco de uma árvore. Pegaram as coisas de Ivan e foram à cidade de barco. Antes de ir uma menina gritou “Ivan!” e ele perguntou o que ela queria.
Ela lhe deu uma borboleta azul numa gaiola de madeira pequena. Ele deu um abraço nela e disse “obrigado!”.
Subiu no barco e foram à cidade rapidamente. Chegando lá, Ivan pensou em largar a borboleta. Largou-a e pensou que um dia estaria também voando, só que em outro lugar no céu.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

PREMIAÇÃO NO 3º CONCURSO LITERÁRIO FARROUPILHA

Pessoal,

com muita alegria posto aqui no blog a premiação minha, da mãe e da Bru no 3º Concurso Literário Farroupilha 2011.
A Bruna ficou em 3º lugar na Categoria Literatura Livre (crônica Vidas cruzadas).
A mãe recebeu posição de destaque na mesma categoria, Categoria Literatura Livre (Anônimas Glorinhas)
E eu recebi, também Destaque na Categoria Poesia (Um cara chato)

O blog da Bru é http://www.brumadril.blogspot.com/  

Postarei a crônica da mãe e da Bruna, para que todos possam ler com prazer!!!






terça-feira, 12 de outubro de 2010

ÁGUAS TERMAIS

Menção Honrosa no 27º Concurso Literário Yoshio Takemoto
Publicado no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Eram vinte e três horas, ventava. O ginásio onde ficava a piscina térmica estava vazio, com apenas uma luz fraca iluminando um pequeno banheiro ao fundo. A piscina estava coberta com uma lona azul, impedindo que qualquer sujeira caísse na água até a manhã do dia seguinte, quando iniciavam as aulas de natação. Começou uma garoa fraca e o telhado de zinco aumentava dramaticamente o som da chuva. As inumeráveis frestas proporcionavam uma sinfonia assustadora do vento.
Jonas empunhava uma toalha, shampoo, sabonete e uma nova muda de roupa. Arrastava o chinelo havaianas e a barra da calça jeans roçava o chão, molhando nas poças d’água. Chegara uma hora atrás de viagem. Ele, Pedro, Airton, Vinicius e Maiara. Os anos nobres da juventude incitaram-lhes a percorrer seiscentos quilômetros pedindo carona. O destino, a casa de praia de Airton. Andavam uma centena de quilômetros e entravam na cidade mais perto. Arranjavam algum lugar para dormir e na manhã do dia seguinte prosseguiam com sua aventura. Já era o quarto dia e menos de cem quilômetros separavam-os das águas salgadas do mar. Decidiram dormir aquela noite e na madrugada do dia seguinte levantar acampamento.
Jonas gostava de Maiara. Airton também gostava de dela. Ela namorava Pedro. Vinicius não gostava de ninguém. Todos sabiam disso. Mas conviviam pacificamente. Até o momento.
Ficaram alojados num salão de festas de um clube, na entrada da cidade. Algumas teias de aranha, papeis higiênicos jogados ao chão, tocos de cigarro em cima das mesas e um engradado de cerveja num canto. Todas as garrafas estavam vazias. Realmente, fazia muito tempo que ninguém entrava naquela sala. As cadeiras e mesas estavam tomadas pelo pó.
Pedro já se banhara, Airton saía do chuveiro e Vinicius disse que não tomaria naquele dia. Maiara estava no banheiro. Jonas chegou à porta de vidro do ginásio e observou a piscina. Abriu devagar a porta e ela rangeu. Dissera-lhe que a seguisse sem que Pedro visse. E não houve problema com isso. O namorado já dormia faziam quinze minutos.
Contornou a piscina e dirigiu-se ao banheiro. Um chuveiro estava ligado. Tirou a roupa e deixou-a num canto. Entrou no banheiro e abriu o box. Lá estava ela, linda, exuberante, assobiando, com o corpo todo ensaboado.
Passou meia hora e os dois ouviram um barulho na porta da entrada. Seria Pedro? Vou lá ver, disse Maiara. Jonas aproveitou e lavou-se. Secou o corpo e vestiu as roupas. Maiara não voltava.
Foi quando Vinicius também entrou no banheiro. Despiu-se. Era você? Eu o quê? Ouvi um barulho na porta, mas não sabia quem era. Hum... apenas disse. Vinicius entrou para o banho. Jonas saiu e não encontrou Maiara. Onde ela estava? Saíra seminua e precisava pegar suas roupas antes de voltar para o pseudodormitório.
Empunhando o mesmo sabonete, o mesmo shampoo, a mesma toalha e a roupa suja, dirigiu-se à saída. Foi quando viu um canto da lona que cobria a piscina com um volume sob ele. Meio assustado, abaixou-se cautelosamente e descobriu a lona. Uma água avermelhada envolvia o corpo desfalecido de Maiara. O pescoço havia sido cortado.
Jonas gostava de Maiara. Airton também gostava dela. Ela namorava Pedro. Todos sabiam disso. Mas não sabiam que Vinicius gostava de Jonas.

O TEMPO PAROU




Publicado no jornal Letras Santiaguenses de jul/ago 2010

Pelos milhões de japoneses que sofreram as agruras da inconcebível Bomba Atômica em Hiroshima e Nagasaki.

Oito horas mais quinze minutos. Era de manhã. Chovia. Pedro olhava pela janela do seu carro e a respiração embaçava o vidro. Agosto fazia frio. O mês do azar. Muito frio, mesmo. Precisava ligar o carro para o ar condicionado funcionar. Senão petrificaria em meio aos seus devaneios. As gotas grandes que precipitavam do céu batiam com força no vidro e faziam aquele barulho gostoso de sono. Viu um garoto lá fora, abrigado entre as colunas da igreja matriz e uma reentrância da construção. Batia queixo o coitado. Tinha os pés molhados e o chão estava úmido. Um cachorro abrigou-se entre as pernas e o colo do garoto e ali largou seus pelos encharcados. Aninhou-se no seu protetor e fechou os olhinhos. Mas o garoto não conseguia cerrar as pestanas. Era muito frio. Seria mais uma noite que não dormiria. Migraria entre um sono curto e outro, um pesadelo com histórias de bichos do mar e do dilúvio que ouvira quando era menor e ainda morava com sua avó, depois outro com rostos de garotos mais velhos gritando, cuspindo, rindo, tocando.
A chuva engrossou e Pedro não conseguiu ver mais nada. Começaram a cair granizos. Relâmpagos no céu. A noite que viera com o temporal findava-se rápida e surpreendente com os clarões. Poucos segundos depois chegou o barulho. Sinal que o raio caíra perto. Engatou a primeira no carro e saiu devagar. Faróis ligados, acionou o pisca. Melhor estacionar num lugar coberto, antes que alguma coisa aconteça com o carro. Pegou a agenda e como não chegaria no horário ao trabalho, iria reorganizar seus compromissos. Hoje, dia seis.

E se o tempo parasse? Se travasse o seu relógio e todas as coisas a sua volta também congelassem, ficassem imóveis?

Chegaria a tempo nos seus compromissos, poderia fazer muitas coisas que sendo apenas uma pessoa, não teria tempo. Nada mais onipresente que isto. Tire as pilhas do relógio e tudo é possível. Quero ir até o outro lado da cidade, posso. Porque por mais que eu demore a chegar, quando puser as pilhas novamente, nem um segundo terei perdido.

Pedro abriu a porta do seu possante e viu que seu desejo havia se tornado realidade. Todos se tornaram estátuas com vida. As pedras deixaram de cair e a chuva cessou. Começou a andar por entre todos e ninguém o percebia. Andou mais um pouco e viu aquele garoto lá do início. Em posição fetal, cerrava os pulsos e fazia careta. Tocou-lhe os pés e percebeu-os gelados. Os dedos nem mexiam. O cachorro era o único confortável. Fizera o menino de travesseiro e largara o corpo por sobre o dele.

Tudo parecia sem vida. Na esquina, uma senhora olhava à esquerda, com o cenho franzido, descrente que atravessaria a rua na próxima hora. O trânsito intenso, as buzinas intermitentes e os palavrões desferidos haviam se dissipado. O caos no trânsito não mudava, mas ao menos tudo era silencioso.

E silencioso até demais. Nem os pássaros cantavam. Nem o vento estragava os cabelos embelezados à laquê. Só a temperatura é que aumentava. O sol ocupara o lugar deixado pela chuva e ofuscava a visão de Pedro. Parecia mais brilhante que mil sóis de um dia normal. Torrava. Não olhou para os rios, mas supunha que as águas não corriam mais.

Continuou seu passeio andarilho pelo instante fotográfico que recebeu de Deus. Que privilégio tinha de poder ver tudo tal qual era, sem tempo de as pessoas arrumarem-se para ficar mais bonitas, sem tempo de correrem antes de serem vistas, sem tempo de nada.

Entrou numa casa qualquer, a primeira que tinha a porta da frente entreaberta. Tentação era poder pegar o que quisesse e saber que ninguém saberia... Viu um jovem na sala, as mãos apoiando a cabeça, os olhos empapados em lágrimas. Chocou-se, mas continuou caminhando. Viu um quarto pequeno, com a porta escancarada. Um senhor quase centenário estava deitado numa cama. Tinha a veia puncionada e soro. Uma possível enfermeira empunhava um lençol, o qual pretendia cobrir o rosto morfético daquele senhor. A filha dele já não o assistia mais. Não tinha mais poderes de modificar o que acontecera. Estava tudo acabado e a doença vencera. Uma força maior que as suas e de todos que lá estavam ganhara a briga eterna entre a vida e a morte. A barriga do senhor estava cheia de bolhas, inchada e tomada de hematomas por toda ela.

Sentiu náuseas e saiu apressado do quarto. Foi quando olhou para o fundo do corredor e viu que uma criança corria. Usava um vestidinho colorido, com estampas e saltitava. Um dos pés estava no ar e o outro tocava o solo. Não compreendia o que estava ocorrendo. Vovô foi passear. Mas não volta. Como assim? Foi para bem longe. Lá pra onde foi a vovó? Isso mesmo, ele foi encontrar a vovó. E eu posso ir junto? Não, você não pode.

Cansou-se de ver tamanha tragédia e retornou ao carro. Fechou a porta e a chuva de granizo veio de novo. A água estava mais forte que nunca. Ligou o carro novamente e acionou mais uma vez o pisca. Sinalizava. Buscou a agenda e verificou os compromissos.

Não tinha perdido nenhum segundo. Olhou para o relógio. Ainda eram 8:15h. E retomou a sua vida.

No dia 9 do mesmo agosto o mesmo fato inusitado ocorreria novamente.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

ESPERANDO O ÔNIBUS

Menção Honrosa no Prêmio Literário de Porto Seguro de Contos 2009
Publicado no jornal Letras Santiaguenses Mai/Jun 2009
e na antologia poética do Prêmio Literário de Porto Seguro de Contos 2009

Ambos riam e já fazia uma hora que conversavam compulsivamente. Ela falava com ele e sorria. E dizia mais duas palavras e alargava os lindos lábios de novo. Ele, monossilábico, ria contido e concordava. Piadista era ela, falava muito, todas as suas palavras eram agradáveis.
Então olhou para a frente, sério. Estavam o chamando. A fila andava.
Pagou a conta e retirou-se da lotérica. Era o dinheiro que se tinha ido mais um pouco. E que importava, se estava na companhia dela?
Sentaram no banco à espera do ônibus. Fernanda estava cansada. Recostou sua cabeça no ombro dele e reclamou da estafa. Não fosse esse movimento suave dela, tudo seria normal. Mas por que a cabeça no ombro, se poderia falar-lhe normalmente sem fazer isto?
Ao ouvi-la, procurava fitar seus olhos, num ângulo difícil que formava entre a cabeça apoiada no ombro e os seus olhos, mas não resistia à boca e encarava-a. Que lindos lábios, que carnudos lábios. Sorria, pois isto desarma qualquer um. Estou desarmado. Não me peça para comprar uma roupa cara, pois não saberei dizer não. Não peça para afastar-me de você, não conseguirei. Nem ouse pedir algo impossível. Eu esquecerei este detalhe e irei atrás para dar-lhe.
Entre esses e outros devaneios, Arthur não notou o tempo armar-se e iniciarem os primeiros pingos. Fernanda dormia no seu ombro. Pecado acordar-lhe. Mas o ônibus atrasava e se demorasse pouco mais, ela haveria de molhar-se, ficar resfriada e por dias não se veriam. Ela em casa, doente; ele sem saber onde morava, angustiado por notícias. Tirou sua jaqueta ainda com cheiro de nova enquanto Fernanda acordava, sem entender muito o que ocorria.
Toma, veste isto. O vento está começando e a chuva também. Não quero que você resfrie. Mas e você? Não vou desvestir um santo para que outro vista. Eu me viro, você é mulher. E...? E daí que sou mulher? Você também sente frio. Fique com a jaqueta que me abrigo em você.
Não é a questão de ser mulher. É que você é a minha mulher e não quero que passe frio. Aceite, por favor.
Não disse isso. Não foi por vontade e sim por cautela. Que pensaria ela? Não era hora de declarar-se, nem sabia se era isso que sentia de verdade. Talvez fosse só carência. E um corpo feminino sempre supre a falta de qualquer carinho.
Não falou que era sua mulher, mas ignorou as palavras dela e entregou-lhe a jaqueta.
E não aceito um não.
Muito bem, disse-lhe a moça, se você faz questão, aceito.
Vestiu a jaqueta e esquentou-se. O tempo piorou e o ventou aumentou. Arthur sentiu a espinha gelar, o ar gelado a entrar-lhe pelas canelas, pela gola da camiseta. Ela quentinha, confortável. Não demorou muito para que percebesse a sua condição. Olhou compadecida. Algo estranho ocorria entre eles, mas não conseguia perceber. Algo havia, sim.
A chuva engrossou e os relâmpagos dramatizaram ainda mais a situação. Escurecia e nada do ônibus aparecer. Arthur sentiu o rosto molhar e não havia lugar nenhum para ir, nenhum abrigo melhor que aquele. Estou com medo dos raios. O ônibus não vem nunca. E encostou novamente a cabeça ao ombro dele. Por que, raios, isso? Por que se aconchegava, se não demonstrava o sentimento que desejava?
Então chegou o ônibus. Obrigado pelo casaco.
Pode ficar com ele. Quando você descer do ônibus, vai precisar dele. Mas e você? Eu fico bem assim. Muito obrigado.
Fernanda deu-lhe um tchau, já distante e abanou com a mão direita. Poderia ter sido com um beijo, não?
Subiu as escadas e o ônibus sumiu aos poucos no horizonte.

O TRINCAR DA ROTINA

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mar/abr 2009

O rapaz entrou na lancheria e pediu um café com leite mais um pastel. Eram seis da manhã. Mais um dia normal, assim como os quatro que viriam antes do final de semana de descanso. O mesmo pastel de toda segunda, o mesmo café de toda terça. Na mesma lancheria de toda quarta. A mesma cadeira de toda quinta. O mesmo horário de toda sexta-feira.
É a rotina que nos consome e vez ou outra é expulsa por algum drama familiar, um acidente que congestiona a rua, um atraso para o trabalho depois da balada. E o cotidiano, o lugar-comum nos faz percorrer despercebidos com os olhos as mesmas coisas e nem as notar. Aí, num certo dia você passa a pé e percebe tantos detalhes que não consegue acreditar ser o mesmo local que percorre diariamente de carro na sua pressa de urbano, de homem compromissado, de pai dedicado e, cadê o outro estereótipo belo que nos faz encher orgulhosos a boca para declarar?, ah, de marido solícito e fiel.
E eis que numa dessas quebras de rotina, o pastel demora e a impaciência aumenta. Pois o leite já esfria e nada daquele fritar ter cabo. Percorre o lugar com os olhos e vê a mesma coisa de sempre. Um homem de avental branco, todo ensopado de suor entrincheirado armado de uma escumadeira e um prato lavado no óleo. Junto do rapaz se prostrava uma moça de uns vinte e poucos anos. O auge da juventude, da beleza. Regulando de idade com nosso protagonista, a jovem o olhou, ainda com a cara amarrotada de sono e sorriu. Bom dia!
E que bom dia! E que o pastel se aprontasse no raiar das 10 horas!
Mas como todo homem acanhado, respondeu rápido e tornou a olhar para a frente, como que entretido na arte do fritar de massas. E parecia que o vendeiro tinha uma enorme encomenda a preparar antes daquele mísero e único pastel que pedira. Pois demorava pacas. A moça dos braços morenos estava achegada, bem próxima. Seja por opção ou mesmo por falta, pois o lugar era extremamente pequeno. Apertado, mas muito limpo. Na certa, a higiene era o principal motivo daquela Barbie estar ali. E isso é o que o motivara até o momento. Até o momento. Tinha um sotaque de quem não era dali, o que se notava já na terceira palavra.
E como o mal que atinge a todos os encabulados não podia se desprender do jovem, atrapalhou-se com a cadeira e quase caiu. Apoiou os braços na mesa e deu um sorriso curto, daqueles sem-graça e fechou a cara. Olhou fixo para a frente, concentrado em qualquer coisa, para parecer sereno, pois não podia imitar um avestruz e meter a cabeça no chão. A garota achou graça naquilo e como toda mulher, entendeu o que se passava naquele recinto. Muito mais esperta e de pensamento mais apurado que o pobre encantado, riu-se por dentro ao percebê-lo seduzido por ela.
Assim, para dar uma pequena ajudinha aos deuses, puxou conversa sobre os triviais assuntos das barbearias, dos salões de beleza, das rodas de amigos que não são tão próximos assim: o tempo, faz chuva, faz sol, muito calor não?, como é duro trabalhar desde cedo e conciliar com os afazeres fora dele, e por aí tantos outros.
Veio um pastel, mais outro, ela pediu o seu desjejum e banquetearam com aquelas poucas comidas e muitas frases, recheadas de elogios, de risos contidos e olhares profundos que se cruzam e despem a alma.
É exagero dizer que se tornaram bons amigos naquela manhã. Mas ao findar duas semanas, com almoços no mesmo lugar, já poderiam, sim, o serem considerados. E a amizade entre homem e mulher que havia iniciado naquele dia rotineiro já com segundas intenções, foi tomando forma e nasceu uma paixão doce. Aquele amor que surge imprevisível, age inesperado e alegra por todas as suas ações.
Talvez a melhor mudança de rotina que alguém possa ter. Com certeza a melhor que tivera até então. Tudo isso devido ao pastel que demorara.

A SUA ROSA, MAMÃE...

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses mar/abr 2008

A menina tinha os olhinhos miúdos. Verdes, lindos, mas bem pequeninos. Eram belos, sim, mas naquele momento ninguém estava preocupado com qualquer adjetivo. Se houvesse preocupação, era com as lágrimas contidas que não se viam escorrer pela face.
Nada melhor que um sábado de feriado prolongado e preguiçoso. Aquele que se estica da quinta até o domingo. Noitinha, família reunida. Pai, mãe e filha. Completando o retrato da família perfeita, o casal de amigos filando uma boca e trocando um papo gostoso ao pé da churrasqueira.
Lógico que nem tudo são flores quando se vê mais de perto. É a criança respondona que nunca se contenta, a outra abelhuda que quebra o copo sem cerimônia e sai como se nada tivesse ocorrido. As rusguinhas geralmente presentes entre amigos que ficam à flor da pele de vez em quando, mas são rápida e sabiamente amenizadas por terceiros. Ainda assim, tudo normal, corriqueiro.
Havia três rosas no pátio, vermelhas e bonitas, volumosas. Muito bem cuidadas, cultivadas ainda naquela tarde por mãe e filha.
O churrasco estava quase no ponto e a fumaça voava alto, dissipando-se bela e altiva no ar. Era o sinal da comida quase pronta, o momento de saciar o estômago, deixá-lo feliz. Teresa e Carla aprontavam o arroz, amante do churrasco. Pedro e Fernanda, os rastolhos, escondiam-se em algum lugar da casa à espera que alguém lhes encontrassem. Sem muita vontade, o pai da segunda subia as escadas em busca dos aventureiros sumidos.
__Vamos, queridos, tem uma carne bem gostosa esperando... Que esperança que isso era um bom argumento!
Aí, a vizinha chata aparece e abre a porta. Não era velha, mas a idade mental deixava-lhe anciã. E que fumaça era aquela, que conversa alta, não a deixavam dormir! A fumaça sufocava, o vai-e-vem das crianças incomodava. Saiu Teresa para o pátio e discutiu com a rabugenta. Felipe, a visita, esquivou-se do bate-boca e entrou na casa. Nisso, descia as escadas Marcelo com os pimpolhos pelas mãos. O coração de Teresa descompassou, acelerou e ela sentou-se na cadeira. A discussão estava encerrada. Terminava inacabada e nem sequer cogitaram continuar. Marcelo sentiu o peito acelerar, a adrenalina disparou. Segurou firme os frágeis pulsos das crianças.
__Ai, tio, tá doendo!
Sentada, o corpo amoleceu e os olhos fecharam. Felipe correu para acudi-la e suspendeu o seu corpo, já desmaiado.
__Corre, corre, abre o carro!
__Pai, o que tá acontecendo?!?
__Isso, abre a porta... assim... senta com ela que eu dirijo o carro!
O Corsa saiu em disparada noite adentro. Luz alta ligada, vidro abaixado, Carla fazendo-lhe vento. O velocímetro e a angústia subindo. Dá um desespero, o que será que aconteceu, ai meu Deus, que tudo se resolva!
Marcelo sentou-se com Pedro e Fernanda. Eles o olhavam, assustados. Por que tanta correria. E a mamãe, o que houve com ela? Porque o tio e a tia saíram correndo? Pai, você está chorando? Não treme, tio...
Chegaram buzinando, alarmando os enfermeiros. Uma maca veio rápido e transportou Teresa até o ambulatório. Felipe corria do lado. Carla ligava pra casa, avisando que haviam chegado. Ela tinha remexido os olhos, mas respirava. O que poderia ser? Possuía algum problema de saúde? Não parecia saudável.
E lá estava a menina, primogênita e único exemplar vivo daquela genética de beleza. Ouvira o que seu pai lhe dissera. Os tios que estavam ontem com ela também explicaram. Mas tudo ainda era muito distante. Distante como a mamãe, que morava com as estrelas. Distante como aquele lugar que só poderia admirar de muito longe, e só à noite. Tinha ela em suas mãos o botão radiante da rosa que plantaram. As duas, ontem ainda. Ficavam agora, apenas duas rosas em casa. Seu rostinho de anjo quase não soluçava. Olhava seus primos e o chão quase desaparecia. Muito devagar, inclinou o corpinho sobre o caixão e balbuciou algo. Não a via, mas sabia que estava ali perto. Bela como uma estrela. O punho cerrado abriu-se aos poucos e deixou assentar a rosa. Incrível como não chorava. Deixou a plantinha sobre o vidro e deu tchau, tchau, até de noite, mamãe...

NA ROÇA

Publicado no jornal Letras Santiaguenses em nov/dez 2005

Eu era filho do “Doutô Magera”, o Senhor dos Senhores. Respeitavam-me como filho de um deus. Principalmente o Lázaro. Caboclo, filho de pai branco com mãe índia, era de característica física típica: os cabelos lisos e a pele cor acobreada. Dizia ele: “Devo tudo ao sinhô seu pai. Me dá roupa, cama, comida, trabaio, e ainda resta uns trocadinho pra mó di juntá e tê minhas coisinha...” Muito simpático ele. E prestativo: Era só falar que corria fazer o serviço. Cinco minutos e não tardava em Ter tudo pronto. Assim como lhe queria bem, por puro zelo fazia-me as vontades.
Mas meu pai não. Bem diferente dos criados que tinha. Sério como todos os pais, passava pouco tempo comigo. Muito menos com meus outros dois irmãos. A mãe era falecida pós-parto. O meu. Sendo o caçula, e sem conhecer a falecida, tão somente por fotos, fazia as vezes da casa. Ambos os irmãos eram homens, e já feitos. O mais velho, Nestor, passava dos 24 anos e logo-logo sairia de casa. E Júpter, o do meio, estava a ir embora final-de-semana próximo.
Voltando ao Magera (não se assustem com a impessoalidade do meu tratamento costumeiro com ele), trabalhava numa mecânica de um primo. A empresa era grande e a jornada de trabalho, árdua. Ele trabalhava na gerência. Ganhou o título de “Senhor dos Senhores” de seus subalternos devida à grande firmeza com que os tratava. Não era cruel, sequer injusto, mas exigia rapidez e qualidade dos empregados.
Morávamos no campo. A renda era vinda, mesmo, do trabalho de Magera na mecânica, porque a lida com o gado só não dava era prejuízo, lucro há muito não se conhecia. Lázaro administrava os peões e tomava conta de mim quando meus irmãos se ausentavam.
É até estranho o Magera trabalhar na cidade numa oficina mecânica. Mas o seu conhecimento profundo da engrenagem de caminhões e tratores fê-lo ir à zona urbana em busca de emprego, uma vez que o campo iria afundar-nos financeiramente. Aprendeu um pouco sobre carro e o resto deduziu. Sempre amparado pelo primo, pôde crescer na carreira e chegar aonde chegou. Claro que fez um curso de gestão de negócios, mas a esperteza nata fez com que merecesse o cargo.
Não reclamo da vida que tenho. Vivo quase sempre “solito” em casa, com o Lázaro volta-e-meia aparecendo pra ver como estou. Meus irmãos trabalham na cidade, mas nem sei no quê. A filha da vizinha, moça mui guapa, dia sim, dia não, aparece cá por casa. Aproveito a deixa a dou-lhe uns beijos. Não namoramos. Ela se encanta por meu primo, Carlos, que é da cidade e só aparece nos finais-de-semana. Para felicidade minha, ela não o agrada. E nesse contexto, vou me aproveitando enquanto ela deixa. Sabe, isso parece meio errado, mas pela falta de moças que há na região, creio ser a única medida a ser tomada por um rapaz, digamos, “solitário” como eu.
E sobre a rotina daqui do campo, digo que é a mesma das outras propriedades. Quero estudar Direito, mas o Magera disse ser muito caro o curso. Então, acho que farei Engenharia Mecânica. Daí, poderei trabalhar na empresa do primo e me livrar do campo. Aqui é muito parado. Ah, sim, quando eu me for pra cidade, levo a vizinha junto comigo.

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