quarta-feira, 8 de junho de 2011

AS ANÔNIMAS GLORINHAS

Por Rosane Roehrs Gelati, professora de Língua Portuguesa e Literatura

- Soooora!!!
- Sooora, Glorinha!
- Ã!!!
- Que bom que te encontrei! Que bom!
- Oi! Sim?
- Oi, tudo bem, sora?
Tentou se lembrar de quem era aquele rosto. Sem resultado. Apavorou-se: Meu Deus! Que é ele?
Nem tinha percebido que segurava algumas sacolas de mercado, pesadas e, próximo dela, atravessado no passeio em frente a sua casa, estava uma bicicleta abandonada por aquele homem que foi correndo ao seu encontro e a abraçara. Era um jovem de aproximadamente 30 anos, falando, gesticulando e sorrindo. Como continuar a conversa se não sabia quem estava a sua frente?
- A senhora está bem?
- Estou, sim. E você?
- Eu precisava te encontrar e não sabia onde a senhora estava.
Ela largou as sacolas enquanto ele continuava falando:
- O Pastor da minha igreja disse que seria muito importante eu dizer o quanto a senhora foi importante para mim.
- Eu? Importante para você?
- Sim, sora. Lembra quando eu era pequeno? Aprendi a ler e escrever com a senhora?
Ufa! Faz tanto tempo! Impossível lembrar-se da fisionomia!
- Ah, sim – respondeu, mesmo não sendo verdade, pois não podia decepcioná-lo.
- Lembra quando cantamos aquela música: Que nenhuma família comece e termine...
- Sim, lembro!
- Quando cantava, a senhora era a mulher mais linda do mundo! A senhora ria e cantava com a gente! Um dia eu disse pra senhora que a minha família não era bonita como a da música e a senhora respondeu que quando era criança a sua também não era e que quando cresceu, construiu uma família linda, que eu também poderia fazer isso!
- É, eu lembro! E um nó na garganta se formava.
- Daí, sora, fui pra casa e disse pro mano que um dia a gente teria uma família linda. E hoje eu tenho. Eu não queria ser bandido, eu não achava certo.
Risos! Lágrimas!
- Ah, professora, como eu gostava da senhora, com aquele seu casacão branco e quando eu lhe abraçava os colegas diziam: Sai de perto, ranhento, vai sujar o casaco pra profe e a senhora respondia que o casaco ficaria limpo com água e sabão, que era para eu lhe dar um abraço bem gostoso. E eu lhe abraçava. Ah, professora, não tem como esquecer!
Os olhos já estavam cheios de lágrimas. No baú das lembranças veio o nome do aluno e de seu irmão. Uma família com problemas econômicos, emocionais, estruturais e tantos outros que encontramos também hoje em nossas famílias e em nossas escolas.
- A senhora sempre segurava a minha mão. Eu era todo sujo, grudento e a senhora não se importava. Eu ficava tão feliz em poder segurar sua mão! Nossa!! Os outros tinham inveja.
- É, eu lembro!
- Lembra que a senhora ficava comendo merenda bem devagar só para que eu me servisse duas vezes? Eu sei que a senhora não estava com fome, mas daí eu podia ficar comendo e não tinha vergonha.
- Imagina, disse ela, eu tinha fome, sim!
As lágrimas lavavam o rosto de ambos a esta altura da conversa.
- O que você faz hoje?
- Trabalho naquela empresa ali, apontou. Sou adestrador de cães!
- Que bom, meu querido, que bom que você está bem e feliz!
E o papo continuou mais um tempo até as despedidas.

Será que é preciso uma demonstração maior sobre a importância dos professores na vida das crianças, jovens e adolescentes? A ação (ou omissão) do educador sobre as infinitas situações semelhantes que surgem em nossas escolas é determinante e saber como proceder em cada uma delas, fundamental, independentemente do salário e das condições de trabalho.
O dia do Professor está se aproximando e eu não poderia deixar de contar este fato, verídico, que aconteceu com uma professora amiga minha, em homenagem a tantos educadores que fazem a diferença na vida de muitas pessoas.
Parabéns a todas as anônimas Glorinhas.

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