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domingo, 2 de outubro de 2011

Umbigos sujos

DEPOIS DE CORRENTES DE E-MAILS E COMUNICADES NO ORKUT ESCANCARAREM PÉROLAS DA REDAÇÃO DO ENEM que ferem brutalmente as normativas gramaticais vigentes (e que até hoje não sei se, realmente, aquelas frases são verdadeiramente das provas ou foi alguém que as inventou e o boato se disseminou), chegou a vez do Facebook. No espaço “no que você está pensando agora” o usuário compartilha seus pensamentos, faz propaganda de seus produtos, xinga o Governo, conta piadas e cita uma interminável relação de palavras e frases que os “ignorantes” teimam em repetir, erradamente.

Para ilustrar, transcrevi um comentário pesado contra esse “assassinato gramatical”:
“Campanha em favor do nosso português: 'desde' se escreve junto; 'menas' não existe; 'seje/esteje' – está errado; 'com certeza' – se escreve separado; 'de repente' se escreve separado; 'mais' – antônimo de menos; 'mas' – sinônimo de porém; 'a gente' – separado; 'agente' – só secreto, e 'mim' – não conjuga verbo. Se não for incomodar (sim, é com 'i') cole no seu mural e melhore o seu convívio linguístico com as pessoas!”
O mais grave é que, não raras vezes, o umbigo desses mesmos acusadores está sujo. Seria de bom grado que olhassem para ele e, primeiramente, limpassem-no, para então pensar em ter a audácia de criticar outrem.

Porque os mesmos que falam que é uma aberração escrever em fim ao invés de enfim, ou menas no lugar de menos; são os que escrevem o quê quando, na verdade, deveriam ter escrito o que. São aqueles que mandam um scrap convidando para sair à partir das 23 hs (deveria ter escrito a partir das 23 h). São pessoas que repudiam apartir, porque deveria ser a partir, mas escrevem com o nariz empinado que “entregarão á quantia de 10 reais”, esquecendo que jamais se contabilizou o acento agudo no “a” sem “h”.

No final da história, entre acertos e erros gramaticais, sejam os ignorantes bárbaros ou os cultos gregos, todos atingem os seus objetivos: comunicar-se. Porque os meandros gramaticais são tão complexos e irrealistas, que mesmo doutores em gramática vez ou outra escorregam nesse solo lisíssimo que é a gramática brasileira.

Dias atrás presenciei uma dúvida aparentemente boba de uma doutora em linguística: friinha ou friínha? Rapidamente expliquei-lhe que “hiato seguido de nh” não é acentuado. Falta de erudição? De modo algum. São percalços pelos quais sempre estamos sujeitos a passar. Da mesma forma, não é difícil encontrar colunistas de jornais e revistas que elaborem frases cuja estrutura um gramático reprovaria.

Fato é que grandes escritores não necessariamente sabem analisar com maestria a gramática de suas obras. Mas isso não quer dizer que a escola, enquanto espaço formal, não deva almejar a elevação do grau intelectual de seus alunos, para que não escrevam orações sem sentido ou palavras com a ortografia errada. Nem que os indivíduos não devem buscar o desenvolvimento cognitivo pessoal. Porém, há que se respeitar as limitações individuais e as diferenças deve imperar. Até porque, vez ou outra, o nosso umbigo fica sujo e nem nos damos conta.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A NOVA GRAMÁTICA BRASILEIRA

Publicado no Jornal Letras Santiaguenses nov/dez 2008

Um dos primeiros protestos contra a dita “reforma ortográfica”. Redigida em 2008, mas atualizada gramaticalmente com o que vigora. Infelizmente, alguns acentos foram retirados porque uma regra que criou mais exceções disse que em ditongo aberto de paroxítonas não há mais acento, mas em oxítonas, sim.

Dia desses, ao observar o professor de gramática discorrer sobre orações subordinadas e coordenadas, num daqueles momentos que entramos em ‘off” na sala de aula, brotou-me a ideia de escrever uma nova gramática.
Como assim, ‘nova gramática’? É bem simples, expliquei ao Antônio, colega da classe e sempre curioso pelas minhas mirabolantes ideias. Vou transformar a nossa gramática num conjunto de regras mais atualizadas, próximas da realidade, simples como a fala.
Os senhores gramáticos que me desculpem, mas me apeteço pela sociolinguística, onde não nos prendemos tanto ao texto etiquetado, engessado e hermético, mas às inúmeras significações que cada enunciado carrega consigo, preocupando-se sobremaneira com a individualidade das pessoas.
Já vislumbrei, Tonho, uma “Nova Gramática Brasileira – Atualizada e Revisada”, por Giovani R. Gelati. Bonito, não? Dá-me alto grau de importância. Muito mais que meu intelecto possibilita, mas como estou apenas no mundo das ideias...
Imprimirei milhares de cópias e as deixarei nos balcões das bibliotecas municipais, em universidades e em especial, na porta do MEC, imitando os passos de Lutero. Será que a repercussão será tão grande quanto a do religioso?
Chega de exceções e diversas letras com milhares de fonemas. ‘Chuva’ passa a ser ‘xuva’ e todo som de ‘ch’ e ‘x’ possuirá apenas um correspondente na grafia, o próprio ‘xis’. Seguiremos o lema “uma letra, um fonema”. ‘Taça’ perderia aquela aberração do alfabeto, o cedilha. A partir da minha “Nova Gramática Brasileira”, tomaremos vinho em ‘tasas’ e poderemos saborear o gosto da nova escrita. Obviamente, se lhes pareceu estranho, a ‘tasa’ possui apenas um ‘s’, pois se quisermos som de ‘z’, usemos o próprio ‘z’.
Longe de mim as tuas ideias!, pronunciou Antônio, num asco de apavoramento. Vais modificar toda a nossa língua! Assim até os teclados terão que mudar, pois tu estás cortando acentos, o cedilha e tudo mais, acrescentou.
Respondi-lhe que sou mercenário e que antes de lançar a minha brilhante publicação, farei contrato com toda a rede que lucrará com as novas impressões devido a minha ideia. Fabricantes de teclados e editoras de dicionários e livros didáticos já garantirão uma gorda aposentadoria.
É uma ideia um tanto absurda que interferiria na vida de todos: daqueles que já escrevem, dos que estão aprendendo e daqueles que ensinam os que estão aprendendo. As bibliotecas serviriam de museu e Luís Fernando Veríssimo seria um cara brilhante que uma vez escreveu bem. Agora teria que rever seus conceitos e, sobretudo, sua gramática.
Não seria praticamente a mesma insanidade, caro leitor, propor uma mudança ortográfica visando a unificar a grafia das palavras aqui no Brasil, em Portugal, Moçambique e mais cinco países? Vamos cortar o circunflexo “^” da palavra ‘vôo’, tiremos o hífen de ‘anti-religioso’ assim: ‘antirreligioso’, mas deixemos o hífen em ‘hiper-requintado’.
Estamos realizando uma custosa reforma para manter as exceções nas regras? Desculpe a ousadia, mas se eu e os demais loucos que inventaram e aprovaram essa lei de unificação da ortografia disputássemos um assento no manicômio, tenho a plena certeza que a vaga seria deles. Querem maior sandice que propor bestiais 0,5% de mudanças na gramática? Como diz o Dr. Cláudio Moreno, são propostas “insignificantes para trazer uma verdadeira melhora no sistema, mas amplas o suficiente para perturbar a vida de todos nós”.
Isso acarretará aos Governos Federal, Estaduais e Municipais gastos de milhões de reais na aquisição de novos livros didáticos através de licitações. E por que tudo isso? Para que uma minoria, gananciosa e influente, ganhe dinheiro com a venda de novos livros, em substituição aos atuais que estarão desatualizados. Prova da existência de mais interesses comerciais que educacionais na reforma é a incrível coincidência de haver sido o já falecido filólogo Antônio Houaiss, um dos autores do Dicionário Houaiss e mais duas enciclopédias, a Delta-Larousse e a Mirador Internacional, o principal negociador brasileiro do acordo ortográfico desde o início das reuniões na década de 1980.
Talvez pouco ainda possa ser feito e é improvável que a dita “reforma” (entre aspas, sim) não seja posta em prática. Ainda assim, não deixa de ser uma prova cabal de que as atenções à educação não estão fluindo como deveriam. Não há preocupação com o orçamento para a educação básica e infantil, a metodologia do ensino, a evasão escolar, a reposição salarial, a inclusão digital nas escolas. Todos esses assuntos curvam-se para uma insignificante mudança de acentos, de uma letra por outra. Uma triste realidade que desce quadrado pela garganta.

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