terça-feira, 12 de outubro de 2010

TEMÍVEIS 15 MINUTOS

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 14 julho 2010

Na semana passada apresentei meu trabalho de conclusão de curso, a última etapa antes de poder considerar-me graduado. Consistia numa explanação oral de 15 minutos a uma banca de três professores que poderia agradar-se ou rejeitar o monólogo. Os momentos de angústia que antecederam os da apresentação fizeram-me refletir sobre a maneira como encaramos os momentos decisivos em nossas vidas.
Situações críticas são, definitivamente, terríveis de suportar. Quando não criamos coragem de enfrentar um desafio, fugimos. E sentimo-nos mal, impotentes, fracos, covardes. Há aquelas pessoas que não fogem, mas travam no mesmo lugar que receberam a notícia que provocou o choque. Enervam-se e riem, parecendo debochadas. Ou então, absorvem a tensão dos outros, como a mãe que não se controla nervosa torcendo pelo filho que está competindo na final de natação do clube.
Normalmente, na hora “H” as coisas mudam. Há corajosos que dizem “vou fazer isso, fazer aquilo”, mas não fazem nada. Ou porque a raiva diminuiu ou porque na hora pensou melhor e achou mais ponderado e civilizado não realizar.
Já ouvi amigos falarem “sob pressão eu não funciono”. Em jogos decisivos, costumeiramente, ocorrem amarelões. Nos concursos, provas, festivais de dança, de teatro, musicais ou quaisquer testes, dá o branco. Todos os competidores são tecnicamente iguais, mas na situação estressante uns sobressaem-se aos outros devido ao autocontrole. Howard Gardner, cientista norteamericano e criador da Teoria das Inteligências Múltiplas na década de 80, definiu como inteligência intrapessoal essa capacidade do indivíduo controlar as próprias emoções diante de uma situação de estresse. Acreditar no próprio potencial é um fator importantíssimo para enfrentar esses momentos decisivos.
Não receberemos nenhum fardo que não possamos carregar. Diante dos problemas descobrimo-nos fortes, persistentes, capazes de muito mais do que acreditávamos. Àqueles que acham difícil falar em público, trabalhar um pouco mais além do expediente ou levantar cedo no frio, acredito que notarão que é verdadeiramente difícil sustentar uma família, custear o tratamento de um filho dependente químico, visitar o pai na prisão ou estar sempre solícito a um irmão portador de necessidades especiais. Não ter o pão dentro de casa, acordar preocupado com o que os filhos irão alimentar-se durante o dia, isso, sim, é um problema.
Diante de dramas como esses, parece fácil falar à frente de três professores e alguns colegas sobre um trabalho realizado durante um ano.
Acompanhei quase todas as apresentações dos meus colegas e ficou nítida a enorme apreensão antes de apresentar os seus trabalhos. Alguns já andavam angustiados há dias, outros horas antes. Encontrei-me neste segundo grupo. Lógico que cada um tem as suas limitações. Falar em público é um desafio para grande parte das pessoas. Mesmo professores formando-se. Ao assistir à apresentação da colega que me antecedia, suspirei fundo várias vezes, esfreguei as mãos e bati o pé direito no chão como tique nervoso, tentando encontrar uma válvula de escape para a tensão. E procurei convencer-me que tudo aquilo não passava de uma apresentação normal, como qualquer outra realizada antes. Sim, valia nota. Mas não tirava pedaço. Fez perder o sono, mas não machucava ninguém, nem matava. E... passou! Foi apresentado, elogiado e acabou.
Querendo ou não, é inevitável passarmos por momentos de tensão em nossa vida. O primeiro encontro com a futura esposa, o casamento, a entrevista para o novo emprego, a conversa séria com a filha adolescente, a notícia do falecimento do primo onde você é o encarregado de contar. Se é inevitável modificar o problema à nossa frente, é totalmente possível empenharmos o máximo do nosso esforço em controlar a maneira como enfrentaremos o problema. Porque cedo ou tarde teremos, mais uma vez, a nossa coragem confrontada.

AMOR PARA NUNCA ESQUECER


Publicado no Jornal da Cidade Online, em 30 mai 2010

O primeiro dia de qualquer ano geralmente é reservado para o descanso. Se não foi realizado ainda, fazemos o balanço do ano que acabou e as projeções para o bebê que nasceu à meia-noite. Mas para Genuíno Ferri e Wanda Scarello Ferri a data marcou o início de uma longa história de amor. Os dois casavam no dia 1º de janeiro de 1949. Hoje, com 87 e 83 anos, respectivamente, ambos protagonizam uma história ainda mais linda que aquela do fim da década de 40. Wanda possui a doença de Alzheimer e com o passar dos dias, sua memória fica cada vez mais fraca. No intuito de fazer com que a esposa não esqueça os momentos passados juntos, seu esposo decidiu escrever a história de ambos em forma de romance.
A reportagem foi feita pelo jornal Zero Hora, publicada no dia 23 de janeiro de 2010. Mas fiquei sabendo não por abrir o jornal e deparar-me com a história de Genuíno, ou Seu Gino como é conhecido. Uma amiga mandou-me um e-mail comentando sobre a história romanceada de Gino e Wanda: “A história me encantou. Lê, tenho certeza que vai te inspirar uma nova crônica”. Com certeza inspiraria qualquer um a divagar sobre o amor, a filosofar sobre o casamento, a olhar para a sua amada e pensar, puxa, isso é que é prova de amor...
E Gino não é nenhum super-homem. Mas é um escritor. E isso já lhe facilita escrever sobre a longa caminhada do casal. Os dois moram em Encantado, nada mais sugestivo. São poucas as pessoas que têm condições de concretizar um feito desses. Porque é difícil haver um casamento que dure tanto. Geralmente as histórias de amor têm sido no prazo de meses ou poucos anos. Ou então, um dos dois já faleceu. São 61 anos de casamento, de cumplicidade. Não é pouco, não.
Lendo a reportagem recordei de meu bisavô, falecido em junho de 2008, após 91 anos de vida. Eu estava viajando a trabalho e não tive como ir ao seu velório. Mas assim que pude fui a sua cidade e tratei de ver minha bisavó, que ficava sozinha no mundo após 69 anos de casamento. Conversava com ela e por vezes não era reconhecido. Ela logo retomava o fio da meada e conversava normalmente. Fiquei tão triste quando ouvi essas palavras: “O meu velhinho se foi e eu fiquei aqui, sozinha”. Ao mesmo tempo achei incrível a cumplicidade que tinham, maravilhoso o amor entre os dois. Estava desamparada. Por mais que os filhos estejam com ela, lhe auxiliem nas atividades que agora são um tanto trabalhosas, ela não possui mais o espelho da sua alma, aquele senhor que a ouvia com paciência e chorava junto. Não digo que a relação dos dois sempre foi de rosas. Mas se existiu até então, é porque algum valor havia.
Pode ser que essa não tenha sido a primeira vez que alguém decidiu documentar a história para seu amor porque ele não se lembraria mais tarde do ocorrido. Não conheço nenhuma histórias dessas que seja real, antes do Seu Gino. Mas o cinema já dera a ideia antes, com o Como se fosse a primeira vez, com Drew Barrymore e Adam Sandler. Ela possuía uma doença que a fazia esquecer tudo o que ocorrera consigo após levantar-se no dia seguinte. E para mantê-la apaixonada e sabedora do amor entre os dois, ele decidiu filmá-los. Era uma conquista diária. Uma difícil arte de conquistar a cada amanhecer.
Wanda não está numa situação tão crítica quanto a personagem de Drew. Mas ao ler o romance de Gino, se manterá apaixonada da mesma forma. Em vida, meu bisavô talvez nem soubesse direito o que era um romance. Mas ambos viveram história tão bela quanto a noticiada. O diferencial é que Seu Gino pôde eternizar tudo o que passou e ultrapassou a simples questão de fazer sua esposa recordar as histórias dos dois. Ele fez uma homenagem a Wanda e todos que contracenaram na história do casal e que lerem o livro serão testemunhas disso.

MARLEY & EU

Publicado no O Jornal de Uruguaiana de 07 jul 10

Uma cena que não sai da cabeça: o cachorro e o seu dono. O primeiro ouvindo as reclamações do outro e nem se importando, muito mais preocupado se receberá algum carinho após o monólogo. Marley era assim. E igual a ele, encontramos muitos outros da sua raça, de codinomes diferentes. São Benjis, Gugas, Bobs, Catitas. Talvez estes sejam menos barulhentos que o de Marley & eu, mas não menos amáveis e companheiros.
Os cães são adoráveis confidentes, perfeitos guardadores do nosso silêncio quando ficamos a esmo, pensando na vida. Não reclamam se caminhamos por muito mais tempo que gostariam, se suas patas estão cansadas e até mesmo se ignoramos a sua presença. Esperam, latejantes como sempre, um pouco da nossa atenção. De algumas palavras mágicas que lhes chamem. E voam ao nosso colo. São eles os peritos em estabelecer relações.
Dois amigos encontram-se depois de certo tempo e eis que o assunto principia pelo tempo distantes, rodeia em torno do cachorro na coleira, do que têm feito, retoma-se ao cachorro, pede-se desculpa pela pressa e já chega uma despedida. E vem aquela boa sensação que acontece quando encontramos uma pessoa querida há muito esquecida, porque trabalhamos como ensandecidos e deixamos de lado os donos dos Benjis, Gugas e Bobs.
Mas há uma necessidade enorme em estabelecer relações com as outras pessoas, comunicar-se. Ouvir e ser ouvido muito mais. É uma ânsia tremenda em não ficar sozinho. Não permanecer sozinho, principalmente. Porque fomos feitos para viver na coletividade. A evolução da sociedade é que é a culpada, que nos desenraizou dos laços familiares e deixou-nos solitários, cada um vivendo a sua vida em busca do auge, de uma carreira de sucesso. Diminuiu a perspectiva de se formarem amizades sólidas como as do Marley com o seu dono.
Ouvi uma vez de um amigo que estamos não apenas buscando na outra pessoa alguém que nos complete. E sim que testemunhe os nossos feitos, receba o nosso legado durante toda a existência. Não precisa ser uma contribuição homérica ao mundo. Basta que seja importante para as duas partes. Talvez seja a busca por um companheiro que melhor massageie o nosso ego, sem ser um puxassaco ou qualquer outro interesseiro puramente no que podemos gerar de bom. Porque a nossa herança é vasta. E pende para atos positivos e negativos muitas vezes na mesma intensidade.
Precisamos de uma pessoa que divida conosco as nossas fraquezas. Que ouça nossa história e se compadeça. Mesmo tendo uma mais triste. Que compartilhe as transgressões que fazemos. Porque não sendo únicos no delito, confortamo-nos. Uma pessoa que divida os medos, os anseios, as dúvidas. Uma testemunha das coisas boas que realizamos. E que minimize as tantas bobagens feitas. Talvez não se trate de um Marley, com amor infinito e incondicional igual ao de mãe. Mas alguém que não nos faça sentir tolos em nosso mundo.
Cachorros cometem erros. Muitas vezes desconsideram todas as recomendações que fazemos em bom e claro português. Talvez porque acreditam que somos como eles, aceitaremos os seus erros e os esqueceremos em menos de minuto. Aí se tocam, percebem nossa limitação, mas logo minimizam tudo isso e em nada fica afetado o carinho que por nós sentem.
Um Marley suporta-nos por muito tempo. Trocamos de endereço, de trabalho, amigos, namorada, humor, de aperto financeiro. E se nesse meio tempo o bichinho não morrer num acidente ou de velhice, não nos terá trocado. Ainda que não sejamos tão companheiros e risonhos quanto no começo. Basta afagar-lhe a cabeça e falar mansinho. Porque um Marley não perde a chance de criar novos vínculos. Não deixa passar a oportunidade de descobrir coisas maravilhosas nas outras pessoas. Relaciona-se desinteressado. E pede em troca apenas um afago de vez em quando.
Ele escolhe-nos como testemunhas das suas proezas. Mesmo sendo ele quem escuta as nossas ladainhas, somos nós que vemos as suas artimanhas e rimos delas. Somos nós que brigamos com ele. É isso que o Marley quer. Alguém que ele possa confiar e que estará ao seu lado até os últimos dias. Um companheiro para a sua vida. E morte. Menos instintivos e mais racionais, fazemos a mesma busca. Talvez não nos entregamos tanto quanto o Marley, nem somos tão sinceros, mas é o que buscamos. E se encontrarmos, tudo o que tiver sido realizado até então terá valido a pena.

A FESTA QUE É PARA POUCOS

Publicado no O Jornal de Uruguaiana de 30 jun 10

Mais certo que previsão do tempo foi dizer duas semanas atrás aqui neste espaço que a Copa do Mundo é o melhor espetáculo para fazer o povo esquecer tudo e os políticos iniciarem a festa. Usava o computador e olhava de relance o que passava na televisão. Nenhuma novidade: vuvuzelas, estatísticas de classificação das equipes no mundial e outras tantas análises dos jogos. Era dia 23 de junho. Eis que ouvi a notícia do Jornal Nacional: Senado aprova aumento médio de 25%. Falta aprovação da Câmara e sanção do Lula. Se tudo isso ocorrer antes do dia 2 de julho, passa a valer para esse ano. E como não poderia ser diferente, depois dos intervalos, mais Copa do Mundo.
Nada contra a festa do futebol. Mas tudo contra a não cobertura dos fatos que REALMENTE interferem no nosso dia-a-dia. Porque a seleção brasileira ganhando a Copa não garantirá o meu emprego nem me dará bonificação por “entusiasta torcedor”. Mas um aumento de 217 milhões de reais nas despesas do Senado ainda em 2010 e R$ 464 milhões para o ano que vem dizem-me respeito. E não só a mim, mas a todo contribuinte e seus dependentes, porque é dinheiro público que está para ser subtraído dos cofres da União e engordar o contra-cheque do funcionalismo da Casa.
Palavras do site da Folha de São Paulo do dia 23 de junho “Com agilidade incomum, Senado aprova reajuste a servidores com impacto de R$ 464 milhões”. Coincidência ou não, agilizou-se um aumento durante a Copa do Mundo... que novidade! Incomum seria se o Legislativo aprovasse o aumento do mínimo durante a Copa. Lá no País das Maravilhas da Alice, ou na Terra do Nunca, do nosso amigo Peter Pan, quem sabe um dia haverá a notícia “Com agilidade incomum, Senado aprova reajuste a professores”, “Câmara dos Deputados aprova a diminuição da carga tributária em votação relâmpago”, ou algo assim. Um pensamento um tanto utópico, não?
Está ocorrendo uma terrível enchente no Nordeste, leis desfavoráveis ao povo são votadas, outras problemáticas ocorrem e o que é noticiado? O que permeia as rodas de conversa? O som estridente das vuvuzelas, a queda da França na primeira fase do mundial, o primeiro cartão vermelho do Kaká pela seleção brasileira.
Cedendo a pressões dos seus servidores, o Senado aprovou o reajuste reformulando o plano de carreira de seus concursados e comissionados. O que mais me assusta é a urgência com que tudo está ocorrendo. E o desconhecimento da população sobre o ocorrido. Já não surpreende a cara-de-compensado de senadores como o Sr. Heráclito Fortes (DEM), relator da proposta, que diz "Tínhamos uma reserva orçamentária em torno de R$ 300 milhões. Estamos economizando, portanto, R$ 100 milhões" (site da Folha de São Paulo, 23/06/10). Ora, é realmente urgente reajustar os gastos no Senado: atualmente a folha de pagamento anual bate a casa dos R$ 2,2 bilhões!
Já dizia a música “Perfeição”, da Legião Urbana: “Vamos celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nações; o meu país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões”. Vamos celebrar o pão e circo da Copa do Mundo e deixar os ladrões aumentarem os seus salários...
Não sou nenhuma espécie de cientista político, mas peço que a mídia dê mais valor a esses absurdos que ocorrem com as pessoas que definem os rumos do nosso país. Um pouco menos de Bafana Bafana e um pouco mais de realidade. E, senhores leitores, não sejamos ingênuos em achar que quando todas as atenções estão voltadas para fora do Brasil, não haverá festa aqui também. Ela ocorre, mas não estamos na relação de convidados.
(CURIOSIDADES DA COPA: O Senado aprovou, também, no dia 17/06/10, projeto que reajusta salários de mais de 30 mil funcionários de órgãos federais).

O (DES) AMPARO FRATERNAL

Publicado no O Jornal de Uruguaiana de 23 jun 10

As nossas mães já são motivo de muitas crônicas, poesias e contos. O amor fraterno, os conselhos e toda a mística que envolve a figura da mãe já foram motivo de algum comentário em algum lugar que você já tenha lido. E a história que conheci de um jovem na semana passada, fez-me repensar a posição das figuras familiares na formação de uma pessoa.
Estava realizando algumas entrevistas para o meu trabalho de conclusão do curso de Letras. Os entrevistados eram jovens que nasceram na região do Alto Uruguai e estão morando aqui na cidade. A vinda deles para Uruguaiana gerou um grande choque cultural. Eles vêm de cidades muito menores, de costumes diferentes e sotaque totalmente estranho aos uruguaianenses. Saem das suas terras natais para servir ao Exército em quartéis daqui. Muitos ficam apenas alguns meses e os que permanecem tocam as suas vidas, incorporando a nossa cultura de fronteira.
Esse jovem entrevistado viveu até os 17 anos na zona rural, trabalhando com o pai. Auxiliava nas tarefas do campo. Guardava algum dinheiro para si. A mãe separou-se do pai. Ela e o garoto não travam contato há cerca de 12 anos, com exceção a uma vez: pouco tempo antes de servir, encontraram-se, conversaram meia dúzia de palavras e não se viram mais. Na ocasião disse mãe, quero servir. Guri, deixa de ser besta... e não mais se falaram. Meses antes de incorporar às fileiras do Exército, mudou-se para Santa Catarina para trabalhar. Chegou a data de apresentar-se no quartel, deixou o emprego lá e veio direto a Uruguaiana. Para não cair em tentação, não foi à terra natal. Dois meses após já ser militar contou ao pai que estava servindo. Ele ficou uma semana sem falar com o filho. A mãe ainda não sabe. Acredita que ainda trabalhe com o pai.
Sensibilizei-me com a história. Quem é a família dele? A mãe, com quem não conversa? O pai, que o ama, mas quase não dialoga? Ou o amigo que o trouxe de Santa Catarina até aqui e os seus colegas que convivem diariamente e provavelmente já conheçam a sua história? E quem é, efetivamente, a família de alguém? São os parentes de sangue ou aqueles que nos dão conforto, independente dos laços de parentesco que tenham...
Um filme assistido ontem me lembrou a história desse jovem. N'A vida por um fio, o jovem Clay (Hayden Christensen) perdera o pai e passou a viver com a mãe (Lena Olin), superprotetora por sinal. Encantou-se por uma funcionária da mãe (Jessica Alba) e os dois casaram, a contragosto da matriarca.
O rapaz tinha uma doença grave e necessitava de um coração novo. Finalmente a espera terminou e foi para a sala de cirurgia. Durante a cirurgia os fatos que se sucederam demonstraram que havia uma grande rede de bandidos que queria a fortuna de Clay. A sua esposa e o cirurgião, que também era seu “amigo”, eram membros da rede e todas as demais pessoas a sua volta não eram mais confiáveis. Quem íntegro sobrou? A mãe, que desde o início não queria o casamento nem que fosse aquele o médico a fazer-lhe a cirurgia. Durante o processo cirúrgico, ela pressentiu que algo errado estivesse acontecendo e tentou descobrir o que era. Mexeu na bolsa da esposa e desmascarou-lhe. Antes que ele morresse, suicidou-se para doar o coração. Ao lado de Clay ficara só a mãe.
É aquela coisa de sexto sentido de mãe que ouvimos em conversas e em relatos emocionados de vez em quando: a mãe teve algum mal estar e pensou no filho, na filha; depois descobriu que algo de muito ruim ocorreu com ele/ela. Parece que o cordão umbilical é cortado no parto, mas um canal sem-fio ainda permanece existindo.
Confrontam-se as duas histórias. A mãe zelosa demais e a ausente. A família unida e a desestruturada. Urge, assim, o questionamento: os produtos de um lar exemplar ou depreciável trarão sempre reflexos determinantes nas pessoas? Não apoio essa teoria. Mas é o que muita gente diz. Tive a infância sofrida, abusaram, pulei estágios da minha vida, presenciei um crime, dormi nas ruas até ser acolhido pelo Conselho Tutelar... e é por isso que sou assim: um fracasso.
Caso isso fosse uma verdade incontestável, certamente o primeiro personagem desta crônica não teria prosperado. Se seguisse os conselhos dos pais, estaria até hoje morando e trabalhando no interior. Não que isso seja ruim. Mas não procuraria nenhuma outra forma de levar a vida que talvez gostasse. Não teria saído de casa. Hoje não estaria vestindo a farda verde-oliva. Ele gosta do quartel. Se fizesse sempre o que fosse orientado pelos mais próximos, não estudaria além da 4ª série. Ele concluiu o Ensino Fundamental. Falta-lhe apenas o Médio. Há hoje tantas pessoas com melhores condições de estudar e não o fazem por pura falta de vontade. Ou também porque os pais não incentivam e eles próprios não têm interesse.
Quem é, então, a família? Aqueles que acolhem e servem de suporte físico e emocional. Não resolve ser independente financeira e não emocionalmente. Ou o contrário. Que não sejam desmerecidos os pais, sendo bons conselheiros ou não. Serão sempre pais, porque não há ex-pai ou ex-mãe. Mas os amigos que quebram o galho, com os quais contamos debaixo de temporal ou dia bom, esses também não podem ser esquecidos. E devem ser destacados.

POR UM TRÂNSITO DECENTE

Publicado no jornal Tribuna de 04 jun 10

Aproveitando o verão e as férias, saí para correr. É um costume saudável e ajuda a diminuir os quilos adquiridos na época mais fria e gastronômica do ano, o inverno. O sol se põe mais tarde, grande parcela da população está em férias e pode dormir até mais tarde no outro dia. A vida noturna no verão é, definitivamente, muito mais próspera que nas outras épocas do ano. A maioria sai para caminhar, andar de bicicleta, vai para a academia. Tem os preguiçosos, que ficam em casa assistindo à tv, vendo filme, batendo papo. Nada contra, até porque me incluo nesse grupo, também. Cada um tem o seu ritmo, a sua rotina. E cada um sabe o que é melhor para si.
Durante a corrida de hoje vi um fato que creio ter sido privilegiado, porque poucas pessoas devem tê-lo presenciado em outra ocasião: um carro estacionou junto à lixeira e a carona jogou um pequeno pacote de lixo dentro da caixa a ele destinado. Após isso, o veículo arrancou e prosseguiu o seu caminho. Não é todo dia que alguém para a fim de pôr o seu lixo no devido lugar.
Seria banalmente normal ver algum ignorante abaixar a janela e simplesmente liberar os seus restos ao mundo. Os que vêm atrás que absorvam as minhas sobras. E qualquer um que visse situação como essa não aprovaria, contudo não estranharia.
Achava que guardar o lixo numa sacolinha até chegar a minha residência e pô-lo no lixo da casa era uma “coisa de certinho”, como diria uma amiga minha. Há coisas que todo certinho faz. O politicamente correto. Pensei ser um dos únicos que fazia isso. Não que seja um mérito. É, na verdade, um demérito não o fazer. Pois o casal daquele carro provou-me que educação no trânsito é possível, sim.
Possível mas muito difícil de ver nas ruas. O trânsito no Brasil é uma das maiores causas de morte. Está entre as dez principais. E olha que o trânsito deveria ser só para transportar, não para matar. Não é por menos: a transgressão das leis de circulação ocorre a cada esquina. Já faz parte da cultura, não só desta cidade, mas no país todo, a infração deliberada das leis de trânsito. Carro estacionado em fila dupla? Comum. Motoqueiro, carona e uma criança que não alcançará nem nos próximos dois anos os pés no pedal e sem capacete? Mais comum ainda. Motoqueiro deitado ao longo da motocicleta, apenas com as mãos empunhando o guidão? É algo rotineiro. Qualquer cachorro ou buraco transformará o condutor em poeira, porque isso sempre ocorre em alta velocidade. Fazer racha deitado sobre a moto, terminando-o numa ponte? Vi só uma vez, mas certamente ocorreram muitas mais.
Talvez porque as ruas da parte da cidade que foi planejada, no remoto ano de 1846, sejam largas e pavimentadas; quem cá dirige crê que Interlagos transferiu seu endereço ou que estamos no mais novo percurso do Rally Paris-Dakar.
Havia uma propaganda veiculada na televisão onde a cidade está numa fuzarca total. É carro andando na contramão, pelas paredes, voando, helicóptero dando rasante, pessoas descendo de rapel de helicóptero em plena avenida. Às vezes me sinto assim aqui. E olha que Uruguaiana tem apenas 125 mil habitantes. Em Porto Alegre essa sensação é constante. Só andando pelos bairros mais distantes do centro é que dá para sentir um quê de tranquilidade nas ruas.
Não sou nenhum especialista em trânsito, nem trabalho na área. Meu filão de estudo é a Língua Portuguesa, tudo o que tange educação. À primeira vista, educação quer dizer apenas escola, vestibular, Enem... Negativo! A educação abrange tanto os bancos escolares quanto as atitudes que adotamos no dia-a-dia. Educação é muito mais que cultura, que conhecimento cognitivo. Ela diz respeito ao modo que tratamos o meio ambiente, como nos relacionamos com outras pessoas, de que maneira exercemos o nosso papel de cidadão em todas as ações do dia-a-dia, inclusive no trânsito. E é essa educação, mínima, que imploro aos motoristas e pedestres. Pelo bem de todos e pelo exemplo que nossos pequenos estão vendo de seus pais.

O LEITOR

Publicado no jornal Tribuna, em 30 abril 2010

Talvez um dos filmes mais transcendentais que já tenha visto, certamente o mais profundo dos últimos anos. Um filme que deveria se tornar obrigatório nas salas acadêmicas de licenciatura, em especial de Letras e Pedagogia. Aliás, todo aluno de Letras e Pedagogia deveria fazer um ensaio sobre o filme. Falo d'O Leitor, contracenado com os incríveis Ralph Fiennes e Kate Winslet.
O filme decorre no ano de 1958, na Alemanha Ocidental. Kate Winslet é Hanna, uma mulher comum que se envolve com um garoto, Michael. Ele adora literatura e lê para ela os romances que vê na escola. Os dois afastam-se por um tempo e reencontram-se apenas no julgamento de Hanna por crimes cometidos em Auschwitz, momento em que Michael descobre o novo ofício que ela exerceu após a separação dos dois. Hanna é condenada à prisão perpétua e Michael conduz a sua vida distante desse fato. Até então, não vemos nada de especial no filme. Temos uma história, com um enredo amoroso, a justificativa do título, dois atores excelentes e ponto final. Não fosse o fato de Hanna ser analfabeta e não admitir isso. Nem para Michael. E esse segredo a condena à pena máxima, fato que poderia ser amenizado caso confessasse.
Não se trata de tornar leviano o crime cometido pelos nazistas na 2ª Grande Guerra, e sim da vergonha que ela e tantos outros analfabetos têm em assumir a sua condição. Da prisão, Hanna passa a receber fitas K7 (lembram-se das fitas K7? As crianças e adolescentes de hoje talvez desconheçam) com narrações de histórias que Michael grava. A motivação para viver retorna aos seus olhos, ao coração. Isso faz com que se motive a aprender a escrever por conta própria. Autodidata.
A história cinematográfica e literária faz-me recordar que Machado de Assis era pobre, gago e negro, discriminado na sociedade e aprendeu sozinho a ler e a escrever, vindo a tornar-se um dos maiores escritores da literatura mundial. E no filme “O terminal”, Tom Hanks é Viktor Navorski, um estrangeiro vindo de um país fictício, a Krakozhia, que sofreu um golpe de estado e não teve a nova autonomia reconhecida pelo Governo Norte-Americano como nação, o que impossibilita ao protagonista ingressar nos Estados Unidos. Consequentemente, não pôde regressar à terra natal. Essa situação faz com que ele fique sem ter para onde ir no terminal do aeroporto, considerado área internacional. Para sustentar-se, o estrangeiro pega livros e revistas em inglês e no seu idioma e compara as escritas. Assim, aprende a ler e a escrever na língua local. Essa forma de superação, de aprendizagem de escrita é a mesma que Hanna adota em “O leitor”, com mais de 50 anos. Ela ouve as gravações das histórias e com os livros, compara as letras e, galgando aos poucos, aprende a expressar-se por escrito.
Mas não é dessa maneira que as pessoas que não tiveram antes oportunidade são alfabetizadas. Muitas retornam às salas de aula depois de muitos anos, já casadas, com filhos (que muitas vezes frequentam os bancos escolares), por vezes não para recolocarem-se no mercado de trabalho, mas para concretizarem um sonho pessoal, o de conseguir escrever e ler não só o próprio nome, mas as informações que estão impressas no mundo a sua volta. Outras pessoas não têm essa oportunidade. E continuam analfabetas ou analfabetas funcionais (quando sabem escrever apenas algumas palavras, mas não possuem habilidade de interpretar sentenças simples). Contudo, não raro também encontramos alunos do Ensino Médio lendo igual a uma criança do 2º ano das séries iniciais, pois sempre foram passados de ano e nada houve que lhes motivasse a ler ou escrever.
O leitor faz o professor refletir sobre o seu papel. Faz o educador questionar-se até que ponto está sendo efetivamente competente na aprendizagem de seus alunos. Faz questionar-se o porquê da perda de vontade de ler à medida que a criança cresce. Por que atualmente é tão pouco sedutor ler um livro, um conto, uma crônica, uma notícia? Seria o poder que a televisão e o Playstation têm? Ou porque simplesmente não se procuram mais formar leitores, mas apenas bonequinhos que saibam a gramática e passem no vestibular. Será que a leitura era antes um passatempo por simplesmente não haver nada mais interessante para fazer? Faz os pais voltarem-se para si e procurarem ver se não estão transferindo toda a responsabilidade da educação dos seus pequenos à escola. Questiona-os se deixaram de contar a história da Branca de Neve antes de dormir simplesmente porque a menininha tornou-se mulher ou porque pensaram não ser mais tão importante. Fá-los duvidar se está certa a conduta de não mais acompanhar o desempenho na escola, não olhar mais os cadernos porque cresceram e já necessitam exercitar a responsabilidade pelos seus atos. Ou se há um tanto de negligência na ausência dessa preocupação. Um filme onde o telespectador se diverte, chora com o desenlace da história e reflete sobre as suas atitudes.

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