domingo, 25 de setembro de 2011

UFANISMOS E BAIRRISMOS

Publicado no Jornal da Cidade Online em 25 Set 2011

BAIRRISMO. É UMA PALAVRA QUE TODO GAÚCHO SABE QUE LHE PERTENCE, MAS FAZ DE CONTA QUE DESCONHECE. Ilustra isso o fato de os moradores da Província de São Pedro creem que o mundo é um amontoado de terras em torno do Rio Grande. Comprovam a tese sites, piadas, músicas e muitas outras mentiras que contam os feitos heroicos dos antepassados dos pampas. Em contrapartida, um gaúcho mais desavisado poderia dizer “ah, mas somos os únicos que cantam o hino sul-rio-grandense, que amam de verdade essa terra. Somos os únicos que conservam as tradições, cevando mate, gineteando, usando bombacha, falando abagualado em gírias que precisa nascer aqui para conhecer, troteando a cavalo e levantando cedo para cuidar do gado”.


Tudo ufanismo. Porque gaúchos tradicionalistas, de bota e bombacha, de acordo com o que manda o figurino, são poucos. O resto, no máximo, é o que se denomina “gauchão de apartamento”, que se descobre taura somente perto do 20 de setembro. Ufanismo porque quem ama a própria terra e ama os seus iguais, não rouba, não engana, não tira vantagem. E de gente assim o extremo-sul brasileiro está lotado. E quanto ao chimarrão, o apreço por ele não se resume ao nosso estado, porque basta atravessar o Uruguai que nossos vizinhos hermanos também gostam do amargo.


Da mesma forma, foi ufanista a comemoração do dia 11 de setembro. Muito antes que um lamento, as reportagens veiculadas na mídia pareciam lembrar um festejo. Ufanismo, sim, porque os Estados Unidos pareceram ser vítimas indefesas numa semana que se falou sobre os dez anos da tragédia do World Trade Center e se deixou de refletir sobre a independência do Brasil no dia 7 e a Revolução Farroupilha no dia 20.


É bairrismo haver uma única pauta: as Torres Gêmeas. Um colunista disse que estava lá no dia e que, devido ao imediatismo dos meios de comunicação, a única diferença existente entre assistir pela televisão e presenciar era o olfato. Um cheiro de pó insuportável. Outra colunista relatou que já tinha um texto pronto, mas que ao assistir à tragédia, fez um novinho para o periódico, falando na nossa vulnerabilidade. Sim, a dita vulnerabilidade.


Sim, foi muito triste a queda dos prédios, as pessoas mortas, o tempão que demoraram a encontrar muitos corpos e o desespero dos familiares sem saber se o filho, a filha ou o pai comporia o nome na lista de falecidos. Mas falar sobre esses fatos apresentando os Estados Unidos como a vítima que nunca fez nada a ninguém é uma demonstração de total falta de senso crítico. Falta de senso crítico e muito bairrismo.


Pensar que o Rio Grande do Sul é o melhor estado do Brasil também é ser bairrista demais. Ele é apenas diferente. Acreditar que o Brasil é uma terra de gente boa e feliz é ter amnésia do que se assiste, ouve e lê nos noticiários diariamente. Há muita imoralidade, falta de caráter e nem precisamos virar a esquina para presenciar. Achar que os terroristas não usam gravatas e são apenas aqueles que põem bomba no corpo é afrontar a capacidade humana de pensar.


Quando valorizamos o que é nosso não quer dizer que desprezamos o resto. Se o fazemos é porque gostamos. E isso é sadio. Mas o amor em excesso chama-se obsessão e de amor louco, muita gente já morreu. Morreu cego. Cego de amor e vazio de razão. Por isso que o bairrismo, quando deixa de ser uma piada e passa a ser uma ideia cega é tão perigoso quanto amar desesperadamente: esquecemos as outras versões da história e acreditamos que esse nosso mundinho é o único correto. E, possivelmente, não é.

domingo, 18 de setembro de 2011

Édipo às avessas

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 18 Set 2011
“ÉDIPO APARECE, COM A FACE ENSANGUENTADA, TATEANDO EM BUSCA DE SEU CAMINHO". Nesta passagem de Édipo Rei, do teatrólogo grego Sófocles, o protagonista descobrira que matara seu pai e dormira com sua mãe. A culpa foi tão grande que decidiu punir-se, arrancando os olhos e abandonando a cidade onde morava.
No filme “A insustentável leveza do ser”, situado na década de 60, o protagonista Tomas, um médico da cidade de Praga, atual capital da República Tcheca, refere-se ao personagem épico para criticar os políticos que não assumiam a própria culpa e puniam os opositores. Durante a história, o médico é pressionado a mudar sua opinião pelo bem do próprio pescoço.
Os anos de chumbo se foram, mas os políticos pouco mudaram. Depois que os adoráveis deputados estaduais gaúchos aprovaram o vergonhoso aumento dos seus salários em 73% no final de 2010, Tonho Crocco criou o rap “Gangue da matriz”, onde criticou o aumento e citou, nominalmente, alguns parlamentares que votaram a favor. O deputado Giovani Cherini (PDT), à época presidente da Assembleia Legislativa, representou ação junto ao Ministério Público contra Crocco, pois a sua canção ofendia a honra dos deputados. E esse posicionamento afronta a minha tolerância...
Não é de hoje que a vergonha abandonou o caráter das pessoas. Antes de aumentarem o salário no final do ano passado, outras amostras de sem-vergonhice já haviam sido demonstradas pelos políticos em todos os níveis: federal, estadual e municipal.
Invertendo a lógica, a máquina pública não pensa em elevar os salários das classes mais baixas e estancar os vencimentos de quem já recebe muito além do que merece. Tanto é que professores e policiais debatem, historicamente, com governos, melhores condições de trabalho. Definitivamente, o Estado não joga no mesmo time do povo. Porque quando a crise se aproxima, ele sobe o preço dos produtos, aumenta os impostos e engorda a já obeso-mórbida arrecadação estatal.
Reforça essa linha de pensamento, a decisão dos vereadores de Porto Alegre em abocanhar mais um pouco da dignidade do povo - tentaram aumentar os seus salários de 10,3 mil para 14,8 mil reais. Um valor absurdo! Você viveria muito bem com os 4,5 mil reais a mais que queriam receber...
O aumento foi aprovado, mas o Tribunal de Contas do Estado (TCE) suspendeu a infeliz iniciativa dos vereadores. Felizmente!
Gangue da matriz só tentou ser vetado porque cita o nome dos deputados e, sendo música, quem ouve acaba gravando. Lá vão os nomes dos nossos “nobres” parlamentares que votaram a favor:
Do PMDB: Alberto Oliveira, Alceu Moreira, Alexandre Postal, Edson Brum, Gilberto Capoani, Luiz Fernando Záchia, Márcio Biolchi, Marco Alba e Nelson Härter. Do PP: Adolfo Brito, Francisco Appio, Frederico Antunes, João Fischer, Pedro Westphalen e Silvana Covatti. Do PDT: Adroaldo Loureiro, Ciro Simoni, Gerson Burmann, Gilmar Sossella e Kalil Sehbe. Do PSDB: Adilson Troca, Paulo Brum, Pedro Pereira e Zilá Breitenbach. Do PTB: Abílio dos Santos, Aloísio Classmann e João Scopel. Do PPS: Derfran Rosado, Luciano Azevedo e Paulo Odone. Do DEM: Francisco Pinho e Paulo Borges. Do PSB: Heitor Schuch e Miki Breier. Do PRB: Carlos Gomes. Do PcdoB: Raul Carrion.
E sempre é bom destacar aqueles que votaram contra o aumento: do PTB: Cassiá Carpes. Do PT: Adão Villaverde, Daniel Bordignon, Dionilso Marcon, Elvino Bohn Gass, Fabiano Pereira, Ivar Pavan, Marisa Formolo, Raul Pont, Ronaldo Zülke e  Stela Farias.
Os parlamentares são um Édipo às avessas, pois têm o discernimento entre o justo e o injusto, mas não admitem publicamente que é errado aumentar os seus salários. Diferentemente do personagem de Sófocles, jamais arrancarão os olhos devido à consciência pesada. Admiro o primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, renunciar quando a sua popularidade caiu depois do tsunami e do desastre nuclear em Fukushima. Fatos assim não geram desconforto nos políticos brasileiros. Infelizmente...

domingo, 11 de setembro de 2011

DESFILAR PARA QUEM?

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 11 Set 2011   O DESFILE DE 7 DE SETEMBRO É UM BOM MOMENTO DE EXERCÍCIO CÍVICO e a oportunidade perfeita para estimular as crianças a amar a própria pátria. Mas não é só isso, felizmente: tem valor educacional, integra os estudantes das escolas que desfilam e é um movimento social onde a população assiste aos seus familiares e amigos na avenida. Também serve para protestar, porque motivos não faltam em nossa pátria amada, idolatrada, salve, salve!
Os alunos que desfilam envolvem-se com os preparativos do 7 de setembro, principalmente aqueles que compõem as bandas marciais. Nelas, a inteligência musical é despertada e estimulada. Além disso, crianças e adolescentes tornam-se um pouco mais disciplinados, fato este que inexiste em muitas realidades familiares.
E se estudantes estão nas ruas, pais também lá aparecem. É uma festa linda, onde os melhores espaços para assistir escolas, empresas e militares passar são divididos, democraticamente, com o único critério de chegada: quem aparece antes, fica à sombra e pode se espalhar numa cadeira de abrir. Nada de ingressos caros para ver meia dúzia de carros alegóricos. O carnaval cívico não tem área VIP, e dessa forma, congrega pobres e ricos num mesmo ambiente.
Independente da origem dos desfiles que ocorrem nesta data, hoje, o que se vê é uma população que gosta de ir à avenida também para demonstrar o apreço à pátria, mas, principalmente, para que aqueles que estão lá de espectadores os vejam. Ninguém se preocupa com as autoridades que ostentam sua pompa no palanque. É apenas mais um lugar da avenida, onde há outras pessoas comuns assistindo. E é bom que seja assim.
Diz-se dos desfiles militares que são o inverso dos circos. Enquanto nestes há um palhaço para 100, 200 pessoas, nas marchas de farda há 100, 200 palhaços para uma única pessoa. E o desfile de 7 de setembro tem a grande façanha de ratificar essa ideia. A criança percorre todo o trajeto na avenida procurando os olhos orgulhosos dos pais e todo o esforço é válido pelo curto momento em que os enxerga. O adolescente caminha querendo que a ficante o veja desfilando. As razões são muitas e possivelmente nada têm a ver com o desejo de passar com garbo pelo prefeito no palanque oficial.
E se há uma multidão reunida, abre-se o espaço para a livre expressão, para protestos, para a população não se calar diante das injustiças que assolam este país tropical. Todos os anos ocorrem protestos e se perpetuarão no tempo até que a impunidade diminua. Mas creio que será no “Dia de São Nunca”.
O 7 de setembro só não é mais popular porque não gera receitas para o Estado. O desfile não é transmitido na televisão e os únicos que lucram no dia são vendedores de cachorro-quente, pipocas, pastéis e refrigerantes. E isso é um fator mais que suficiente para justificar a falta de estrutura no evento, o descaso das prefeituras.
Não esqueçamos os feitos do passado, a luta pela independência da colônia, de um povo obediente às ordens de terceiros que pouco se importavam com os que aqui viviam. Mas não tapemos os olhos, nem calemos as nossas vozes, porque tem muito parlamentar acreditando que ainda estamos na era colonial: que ele pode sugar todo o sangue da nação igual a antes de 1822.

domingo, 21 de agosto de 2011

Coisas do passado

Publicado no Jornal da Cidade Online em 21 Ago 2011
QUANDO TECNOLOGIAS SÃO ULTRAPASSADAS, CONDENAMOS O QUE É OBSOLETO À EXTINÇÃO. O Blu-Ray tem se popularizado e, com facilidade, fazemos download gratuito de filmes pela internet. Os sons automotivos deixaram de lado os CD e DVD e passaram a adotar a entrada USB. O resto é antiguidade. Em casa, basta conectar o computador a caixas de som potentes e as músicas serão tocadas diretamente do PC. No passado, era necessário gravar um CD de mp3 para ouvir e, antes ainda, um CD de áudio. Para não se falar das fitas K7, do disco de vinil e dos rádios a pilha, relíquias que servem para exposição.
Além disso, a evolução fantástica dos computadores substituiu os trambolhos volumosos por máquinas mais compactas e potentes: dos computadores de mesa para os notebooks, netbooks, palmtops e tablets. Lembra-se dos mimeógrafos? Grande parte das escolas deixou de utilizá-los e passou a adotar o projetor multimídia como ferramenta auxiliar de trabalho.
Mesmo com essa gama de novidades eletroeletrônicas, os equipamentos antigos resistirão ao tempo. E quem aposta na sobrevivência, apenas, das novas tecnologias, demonstra uma visão muito parcial da realidade. Não conhece o mundo ao seu redor ou, então, não faz questão alguma de sair do seu sofá elitista e olhar para os lados.
Essas evoluções, muito bem-vindas por sinal, chegaram e facilitaram a vida. Deixaram as ações mais dinâmicas. Podemos conectar-nos ao Orkut e Twitter pelo celular ou achar qualquer ponto numa cidade desconhecida com facilidade através do GPS. Contudo, as inovações tecnológicas não são acessíveis a todos, porque boa parcela da população recebe um salário que mal paga o alimento. Terão condições de adquirir um bem desses? Não há boas perspectivas para isso.
Na crônica “Escrever à mão” de 17 de julho, no Caderno Donna, do jornal gaúcho Zero Hora, a colunista Martha Medeiros sentenciou que, em breve, ninguém mais usará cadernos, e sim, tablets. Canetas, lápis e apontadores serão artigos de museu e, possivelmente, substituiremos os livros impressos pelos e-books.
Acreditar que toda a população terá condições de comprar um tablet para usar como caderno é ter uma visão muito simplista. É ilusão das grandes crer que as escolas evoluirão ao ponto de excluírem os cadernos e adotarem, apenas, as mídias digitais. Quem sabe daqui a mil anos... Eu gostaria muito que essa integração com as tecnologias ocorresse nas escolas nessa intensidade, porque já há muito tempo deveria ser realidade, mas estamos muito aquém do que fantasiou a cronista.
É impossível imaginar uma escola de última geração se há poucos professores capacitados para trabalhar com computadores e afins e os recursos financeiros mínimos previstos na constituição nem sempre são cumpridos pelas autoridades. Apresenta-se improvável o amplo uso das tecnologias, pois os problemas da educação são vários, as soluções, complexas e devem ocorrer em conjunto com os demais setores. E não é da noite para o dia que se chega a um resultado positivo. Depende de políticas públicas que, dentre outros fatores, diminuam as desigualdades sociais.
É fácil se enclausurar numa redoma de vidro, num mundinho perfeito, bem parecido com o nosso. Porque a pobreza é algo feio de se ver e sentir. Muito mais conveniente crer que todos comprarão tablets quando o preço baixar de atuais R$ 900,00 (os modelos mais baratos) para R$ 200,00. Acreditar nisso é ser como o protagonista Jimmy, do filme “Jimmy Bolha”, que, por ter o sistema imunológico debilitado, vivia numa bolha de plástico, sem contato com os ares impuros da realidade. De lá, imaginava e vivia o seu mundo de acordo com o que supunha ser o real.
Não é inusitado ver alguém ouvindo música ou jogo de futebol em radinhos a pilha. Nas escolas, o mimeógrafo já deveria ter caído em desuso há vários anos, mas permanece sendo utilizado, concomitante à fotocopiadora e ao projetor. Se eu fosse apostar na longevidade do mimeógrafo ou na disseminação dos tablets nas escolas, não teria dúvidas em apontar a prevalência do primeiro. É uma triste constatação, mas é real.

terça-feira, 26 de julho de 2011

EGOCENTRISMOS E MICROFONES

Publicado no Jornal da Cidade Online de 24 de julho de 2011.

ESTIVE NUM SEMINÁRIO PEDAGÓGICO HÁ CERTO TEMPO. UMA JORNADA DE CINCO NOITES de palestras, introduzidas por apresentações artísticas. Muito bom, seja no conteúdo, seja no quórum. Creio que tenha ultrapassado 200 participantes. Uma vitória em face aos baixos índices de presenças nos seminários e debates educacionais que toda a hora surgem, acabam e pouca gente prestigia.

Uma das noites proveu-me de material para esta crônica: a propaganda velada e inoportuna, incômoda. A palestrante foi à frente, explicou seu primeiro slide e começou... a minha escola é isso, é aquilo, trabalha assim e por aí foi. Até consultei o cronograma para ver se previa a apresentação das atividades realizadas pela escola. Obviamente, não. A palestrante complementou, chamou toda a coordenação, os funcionários e professores.

Pensei que veria o pedido de palmas a eles. E, realmente, ele veio. A minha mente podia ter sido salva sem isso. Não é a primeira vez que um palestrante ou o “dono” do microfone tangencia o assunto pelo qual lá está.

Numa formatura de conclusão de curso policial, algumas semanas antes, o comandante dos formandos apossou-se do dito cujo microfone e começou a ladainha: obrigado tal empresa, a outra loja, a determinado empresário, deputado Fulano de Tal, obrigado!, meu chefe, à esposa.

Temos que “vender o nosso peixe”, mostrar-nos competentes. O jornal precisa seduzir o leitor, as notícias têm que prender a atenção. As crônicas necessitam emocionar, fazer refletir, concordar ou discordar, porque o pão diário não cai do céu. Mas, para tudo, tem hora. Num seminário, os presentes buscam algo que os acrescente, que refute ou ratifique seus pensamentos. O contrário a isso, decepciona.

O vendedor não pode ser chato. Chato não convence cliente. E dá efeito inverso, exatamente por este motivo a compra acaba não ocorrendo. Gera repulsa pelo vendedor e pelo produto.

Para algumas situações, cai bem um tanto de feeling ao palestrante ou vendedor. Menos agocentrismo e mais foco no que é importante e nos motivos que o levou a ser o centro das atenções nunca é fora de moda.

domingo, 10 de julho de 2011

O QUE TE MOTIVA?

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 10 jul 2011.
Publicado no Jornal Tribuna, de Uruguaiana, com o título "Reprovado, motivado... aprovado", em 09 jul 11.

O que leva uma pessoa a acordar de madrugada, pegar dois ônibus, chegar às sete horas no trabalho, enfrentar um dia estressante, engolir 17 sapos do chefe, pegar mais dois ônibus e chegar tarde em casa? Uma rotina estafante, que ninguém deseja. Mas o trabalhador executa-a e ainda fica feliz porque rala, mas está empregado.

As obrigações diárias, a luta por uma vida melhor e o dinheiro para pagar os remédios da filha doente são fatores que levam uma pessoa a arrancar do corpo aquele “a mais” quando ele já clama por descanso.

Esses desejos que funcionam como mola propulsora, direcionando-nos pelo caminho A ou B, logicamente, são diferentes para cada pessoa. Sinto-me feliz ao escrever uma crônica. Não preciso receber elogio, mas se vier, cai bem. Em contrapartida, tenho um amigo que fica com os olhos brilhando quando fala do seu “Celtinha”. Há gente que se não sai no final de semana, fica angustiado. Para muitos, futebol no domingo à tarde é uma terapia inadiável. Também pode ser a compra da bolsa namorada há semanas.

Buscamos insaciavelmente a felicidade, o elixir da longevidade, o nirvana que pusemos em nossas cabeças que alcançaríamos quando crescêssemos. Deixamos a infância, a adolescência e a vida adulta, atingimos a maturidade e falecemos atrás dessa fórmula mágica. De acordo com a reportagem de capa “O que te motiva?”, da Revista Galileu deste último junho, essa busca, por si só, é um fator motivante.

É incrível que, ao mesmo tempo que atingimos os nossos objetivos, aquela vontade que se apossava de nós some rapidamente. De acordo com a reportagem, a insatisfação permanente é um recurso que a natureza inseriu em nós e que manteve a evolução das espécies. Certamente, pois se nossos ancestrais se contentassem apenas com o que caçavam no dia, não fariam reservas de alimentos e pereceriam nas épocas em que a comida era mais escassa.

As perspectivas mudam ao longo da vida e o que não era interessante, torna-se algo de muito valor para alguém. Não há motivação maior que a própria sobrevivência. Se for para manter-se vivendo decentemente, não titubeamos em fazer uma terceira jornada de trabalho. Que o digam os professores, profissionais que costumeiramente complementam a renda familiar com esse terceiro tempo do jogo. 

Longe dessas preocupações financeiras e na contramão da busca pelo sucesso, há algumas semanas presenciamos a decadente despedida dos gramados, de Ronaldo Nazário. Brilhante nos tempos áureos, Ronaldo Fenômeno recebera a alcunha que, à época, justificava tamanha exaltação. Mas o dinheiro transbordando dos bolsos e a exposição extenuante da sua imagem banalizaram os próprios objetivos. Ele e muitos jogadores que emergiram da pobreza lutaram arduamente até se firmarem no cenário esportivo. Melhorar de vida, poder tirar a família da situação de miserabilidade foram razões muito presentes na ascensão. Motivos louváveis.

Mas depois que o dinheiro ficou fácil demais, querer manter-se como “Fenômeno” e, quem sabe, equiparar-se a Pelé e Maradona, deixaram de ser desejos contundentes. Ronaldo aposentou as chuteiras movimentando milhões, mobilizando multidões e muito acima do peso necessário para desempenhar bem a sua função.

Nossos rumos seguem caminhos que pouco controlamos. E inseridos em um novo contexto, objetivos, intenções e motivações demonstram-se totalmente maleáveis. Muitos irão criticar novas posturas, alguns apoiarão, mas apenas nós mesmos é que saberemos se andamos na estrada certa ou pegamos a rua errada. Conquanto haja algo que nos motive, tudo fica mais possível de alcançar.

domingo, 26 de junho de 2011

A ordem natural dos fatos

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 26 de junho de 2011.

APRENDEMOS NA ESCOLA QUE A VIDA SEGUE UMA ORDEM PREESTABELECIDA. Nascer, crescer, se desenvolver, reproduzir, envelhecer e morrer. E achamos que o mundo é perfeitinho assim, do modo que nos pintaram no colégio, mas só com o tempo entendemos perfeitamente que esta ordem natural é passível a controvérsias e passamos a conhecer e entender a expressão “do pó viemos e ao pó retornaremos”.

Dias atrás, uma ex-colega da faculdade faleceu e fui ao seu velório. Falecia depois de meses lutando contra infecções oriundas de uma cirurgia de redução do estômago que fizera. Nesses lugares, a condição social pouco importa e a beleza é só um adjetivo que pertence ao mundo dos pretéritos. Ricos e pobres igualam-se, freiras e traficantes ficam em mesma situação. O que muda nisso tudo são, apenas, os amigos, que uns têm mais e outros, menos.

Mãe, marido, filho, sobrinhos e sobrinhas, tios e tias, toda a família chorava a perda do ente querido. Colegas de trabalho, vizinhos e amigos também lá estavam. Chegava muita gente, alguns permaneciam no recinto, outros saíam. Aquele entra-e-sai comprovava a estima da falecida com as pessoas que a rodeavam.

Ela era nova, 39 anos, com muita vida pela frente. Formara-se professora de Português há dois anos e exercia o ofício de educadora. Assim como muitas pessoas, concluíra o Ensino Médio, parara de estudar e anos mais tarde, retornara aos estudos.

Mas morrera antes da mãe. A ordem natural dos seres humanos invertia-se. Quando isso ocorre e o mais novo é quem falece antes, a dor parece ser maior. Porque não se espera isso. Acredita-se nessa tal “ordem natural” como se fosse uma regra inquebrável. Mas ela nem sempre é cumprida.

O mesmo ocorreu com meu primo. Da minha idade, faleceu logo após completar 18 anos. Inicialmente, não parecia ser verdade, porque a saúde estava bem, tinha vitalidade de sobra, namorava, tinha amigos. Mas um acidente de carro abreviou a ordem nascer, crescer, se desenvolver, reproduzir, envelhecer e morrer.

Naquela ocasião, encontrei-me com parentes que há tempos não via. Geralmente isso acontece: rostos familiares se reencontram apenas em momentos de desgraça. Infelizmente, não damos a devida importância às horas alegres para que sejam compartilhadas com os entes queridos.

Meu avô materno, que reside em outra cidade, passou a morar com meus pais nos últimos meses, para tratar-se de diversos problemas de saúde. A vida desregrada cobra-lhe, agora, os exageros de outrora. Essa convivência tem proporcionado muitos momentos alegres. Mas não era assim no passado. O tempo e a iminência da velhice fizeram bem ao rude pai.

Em situação parecida, minha avó recupera-se de câncer. Morando longe, passou pelos tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Agora faz novos exames para verificar a eficácia dos tratamentos.

Quando existe a possibilidade do falecimento de alguém próximo, torna-se impossível não se abalar com isso. E essa situação força-nos a refletirmos sobre as coisas que realmente importam, se os esforços envidados em prol de certos objetivos estão sendo sabiamente empregados e o quanto vale lamentar o insucesso ao invés de comemorar as vitórias.

A única certeza que temos é a morte e talvez seja o fato que mais enfrentamos dificuldade de aceitar. Porque ela não pode ser desfeita. É um caminho que só tem passagem de ida. De qualquer forma, ensejamos que a ordem natural ocorra e que os mais velhos faleçam antes dos mais novos. Contudo, acidentes de trânsito, drogas, brigas, problemas de saúde e muitos outros fatores são motivos mais que suficientes para modificar a lógica tão bem assentada em nossas mentes. Porque não há regra sem exceção no mundo real e contra isso, pouco podemos fazer.

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