terça-feira, 12 de outubro de 2010

DECIFRA-ME OU TE DEVORO

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 09 set 2010.

Perdemos tanto tempo com coisas inúteis na vida... O mais sério é que na maioria das vezes que estamos ocupando nossas forças em algo que não valerá mais que alguns “por que eu fiz isto?”, temos uma sensação que acompanha o agir, dizendo ao pé do ouvido: não faça, não faça. Mas, é óbvio, não seguimos a razão e o coração assume a direção. Vá tomar um banho gelado, faça a barba, escove os dentes, faça algo diferente que lhe desvie da vontade de fazer o inútil.
Para ilustrar essas reflexões, baseio minha crônica numa história que um amigo relatou-me, profundamente cabisbaixo. Sua namorada disse-lhe, certa feita, nessas palavras “Tento decifrar, entender certas coisas, mas é esforço em vão...”. Isso o fez carregar consigo por dias um ponto de interrogação debaixo do braço. Ele supunha o que a garota queria dizer, mas não botava fé que realmente fosse.
A garota escreveu-lhe, ainda, um bilhetinho e entregou após os dois saírem de um jantar:

É como um filme de suspense ou policial onde tem as pistas e temos que juntar para decifrar o crime, quem é o assassino.
Geralmente sou boa nisso, mas tenho que admitir que dessa vez a emoção não dá espaço para o raciocínio e é difícil compreender as pistas.

Nem implorando ela falou-lhe o que significava. Ele que dissesse o que entendia. Quanta mística naquilo tudo! Decorreram mais alguns dias e o relacionamento estava acabado. O motivo? O mistério que ela tanto falava eram os relacionamentos paralelos que ele tinha enquanto se dizia apaixonado por ela. Descobrira em mensagens de celular que o esperto do meu amigo deixara. Além de cafajeste era burro! Mas tudo bem, teve o que merecia...
O público feminino que me odeie, mas entro em defesa desse meu amigo. Ao menos quanto ao que sentia por ela. O resto não entra na análise: foi mais que errado, uma demonstração de fraqueza moral, de covardia de dizer a ela que queria uma relação mais aberta, menos envolvente que um namoro. Quanto à defesa, digo que ele realmente gostava dela. Talvez não houvesse dito que a amasse ainda porque o relacionamento deles era recente ou porque fazia pouco que terminara outro, longo e de fim também amargo. Sei que ele sentia por ela muito mais que apenas amizade, mas seus atos negativos não refletiram, definitivamente, o que sentia por ela.
Ele estava querendo a liberdade (ou libertinagem) que não tivera no outro namoro. Saía de um e engatava em outro. Não era de acordo com seus planos, mas era melhor do que poderia imaginar. Porque aquela garota que escreveu o bilhete era alguém que certamente ele não veria duas vezes na vida. Porque ela acertava tanto com os seus pensamentos que chegava, por vezes, a grau de espanto mútuo. Você só pode ter copiado isso de mim. Nem sabia.
Ele estava querendo a liberdade e não tivera aquele momento mínimo de sinceridade com a garota. Não quero envolver-me agora contigo. A Medusa que se tornara a sua amiga, ficante e depois namorada, tinha poderes muito além dos seus.
Estava, de fato, investindo as suas energias inutilmente. Esgotava-as com outras mulheres, que não lhe preenchiam por dentro. Imprimia todas as forças na falsa sensação de bacanal, que aos dezessete anos também tivera, onde a quantia de mulheres era superiormente mais importante que a qualidade.
Mas tudo isso são conjecturas. Ele não me disse nada depois que mostrou o bilhete manchado de lágrimas e repetiu a frase enigmática da já ex-namorada. E chorou em meu ombro. Estava fraco agora. Gastara as forças onde não devia.

EFEITO BORBOLETA

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 1º Set 2010.

Neste último final-de-semana estava prestigiando a formatura de alguns amigos e deparei-me pensando em como o meu destino poderia ter sido diferente caso eu houvesse tomado outras decisões no decorrer da vida. Se não me mudasse daquela cidade, talvez estivesse junto aos formandos, seria um deles. Se não terminasse o primeiro namoro, estaria em outra formatura, noutra cidade. Se continuasse com a segunda namorada, talvez não estivesse nem em uma formatura, nem na outra. Destino modificado devido a uma série de escolhas. Algumas direcionam a vida para um caminho ou outro. Outras levam a esses momentos decisórios. Não se trata de atitudes deterministas como a fajuta mudança de destinos devido a detalhes, encontrado nos filmes da série “Efeito Borboleta”, e sim, de diversas ações que nos levam a algum lugar.

Aproveito e faço um gancho com a crônica da Martha Medeiros deste último domingo, dia 29 de agosto, na Zero Hora, “Em que esquina dobrei errado?”. Ela recorda de uma situação que passou, onde errou de esquina e foi parar “em lugar algum”. “Quanta gente perde a vida que almejou por ter virado numa esquina que não conduzia a lugar algum?” Já penso diferente da colega cronista: as decisões que tomamos, ainda que depois vejamos não terem sido as melhores, nos levarão a algum lugar sim, mas será um destino que não planejamos.

Uma amiga, sábia, disse certa vez: “Somos quem queremos ser, se optarmos podemos mudar. A decisão é nossa, não pedimos licença e nem mesmo perdão pelo que somos.” Um jogador, geralmente, não é expulso de um jogo de futebol pelo simples fato de uma entrada mais severa, mas por estar a todo momento cometendo faltas que são relevadas pelo juiz. Não perdemos um emprego simplesmente porque não agimos da melhor maneira numa situação, salvo os momentos de crise financeira, mas porque em diversos momentos deixamos a desejar. Não é só uma ação que nos determina. Precisamos de um conjunto de ações e motivos que nos conduzirão à ação principal.

Seguindo a lógica que apresentei, não podemos fazer recair a pequenos fatos toda a culpa pelos nossos fracassos. O sol brilha a todos e o relógio caminha na mesma velocidade, sempre, independentemente de credo, etnia ou classe social. O que fazemos com esse tempo é que vai, aos poucos, definirnos para a direção “A” ou para o caminho “B”.

E qual desses dois rumos é o melhor? Difícil dizer. Muitas vezes não conseguimos definir este antagonismo. Pode ser que ambos sejam bons, ruins ou que tenham doses de cada.

Desculpem-me os amantes de “Efeito borboleta”. Para um momento de curtição, divertimento, aqueles onde colocamos a chave do senso crítico em “off” e apenas queremos acreditar e iludir-nos com a história à frente, o filme é um bom entretenimento. Acreditar que, ao invés de deixar o amigo perto da explosão, salvá-lo irá mudar todo o seu destino, é ser um tanto bestial. Salvo casos isolados, haverá muitos outros fatores que no decorrer da vida definirão se a pessoa irá se tornar um viciado ou um intelectual. Ou os dois. O filme mostra que quando um fato da infância do protagonista é modificado, um novo futuro lhe é reservado. E essa mutação é constante. Jogar a culpa em Deus, no destino ou num fato que não é mais possível mudar é algo muito fácil. Difícil é enfrentar a realidade.

Há momentos na vida os quais queríamos que os fatos surreais do Efeito borboleta realmente pudessem ocorrer. Muita dor seria evitada. Mas não teríamos o senso crítico atual, porque não haveríamos sofrido o tal trauma, susto, seja o que for. E, quem vai saber se era, realmente, melhor ter trocado de opinião antes? Talvez seja melhor estar aqui onde está e deixar que o universo se ajeite de acordo como as coisas vão ocorrendo. Porque se não for, já está mais que na hora de ir em busca do tempo perdido.

OS 65 ANOS DE HIROSHIMA E NAGASAKI

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 25 ago 2010.

Quando grandes tragédias ocorrem, os primeiros cinco anos servem para todo tipo de análise e reportagens especiais serem feitas. Depois disso, perde relevância e só voltam a ser o foco da mídia quando são completados -vamos fazer aqui, um neologismo- “anos meio-redondos” 5, 15, 25 e “redondos” 10, 20, 30 anos. O intuito é relembrar esses fatos históricos de vulto.
Ano que vem, dez anos depois da destruição das Torres Gêmeas em Nova Iorque, o terrorismo será posto à luz, reanalizado, refletido e lamentado. Em 2004 foi assim com Senna e neste ano com Cazuza, data que completou 20 anos sem o “exagerado”.
O terremoto ocorrido no Haiti e que sangrou diversas famílias neste janeiro e o “primeiro ano sem Saramago”, falecido em junho, serão relembrados em 2011.
2010 é o ano de relembrar, com pesar, os 65 anos do término da 2ª Guerra Mundial e o indissociável ataque nuclear às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. A bestialidade norte-americana de exterminação humana (atingindo muito mais pessoas que a Al-Qaeda nove anos atrás!) e demonstração de poderio militar à extinta União Soviética assopraram velinhas cor-de-sangue neste agosto.
Nos dias seis e nove do mês do azar, o avião alcunhado de Enola Gay sacramentou a morte instantânea de milhares de pessoas, lançando sobre as cidades as bombas chamadas pelo carinhoso epíteto de Little Boy (pequeno garoto). Do hipocentro da explosão, num raio de 2 km, tudo foi destruído. A bomba atômica gera a explosão mecânica, provoca uma onda de calor e, para sacramentar, emite radiação. Esta última não foi a maior responsável pelas mortes momentâneas, e sim pela modificação do código genético daquelas pessoas e de seus descendentes. Consequência? Várias gerações com câncer e outras doenças.
A desgraçada explosão foi eternizada, para que nunca se esqueça nem haja dúvida quanto aos problemas que a exposição à radiação traz, na música “Rosa de Hiroshima”, pelo extinto Secos e Molhados, na voz de Ney Matogrosso.
Felizmente, depois de 1945, a radiação nuclear não foi mais utilizada como bomba para matar populações. O seu uso também pode ocorrer para a produção de energia, mas a má administração desta fonte de energia pode trazer conseqüências catastróficas.
Exemplo disso foi a madrugada de 26 de abril de 1986: a usina nuclear de Chernobyl, localizada em Pripyat (extinta União Soviética e atual Ucrânia), teve medidas de segurança negligenciadas e, consequentemente, vazamento de energia nuclear, radioativa portanto. Milhares de pessoas morreram.
Houve uma série de desinformações sobre o desastre que havia ocorrido, quase levando a uma precipitação radioativa 100 vezes maior que a soma das emissões em Hiroshima e Nagasaki. Para evitar o pânico, a população não foi informada sobre o que, efetivamente, estava ocorrendo. Essa incompetência das autoridades governamentais permitiu que toda a Europa passasse a receber as letais doses de radiação. Apenas depois de 30 horas após a explosão as pessoas foram evacuadas da cidade, porque os níveis de radiação existentes em Pripyat poderiam matá-las.
Ainda, hoje, o acesso às informações sobre Chernobyl é escasso. Porque quanto menos se falar sobre o assunto, menos pessoas lembrarão o acontecido, menos cobrança haverá. Essas “datas redondas” e “meio-redondas” têm grande valor, porque aqueles que não vivenciaram os dramas podem aprender sobre o acontecido. E aqueles contemporâneos aos desastres e que não puderam informar-se quando da ocorrência dos fatos, têm agora essa oportunidade.
No ano passado, elaborei o conto “O tempo parou” sobre os ataques a Hiroshima e Nagasaki e um vídeo com esta história e informações sobre o desastre nuclear. Está visível no meu site.
A nossa memória, que é seletiva e curta, não pode ficar à mercê de datas comemorativas, célebres. Não esquecer o que ocorreu de errado é imperativo para que a história não seja repetida. Como reza o ditado, “errar é humano, repetir o erro é burrice”. Acrescento: ignorá-lo é estar fadado a repeti-lo.

O DIREITO A RESPOSTA

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 18 ago 2010.

Aqueles que fazem das palavras sua ferramenta de trabalho sabem a importância que vírgulas, reticências, expressões bem ou mal posicionadas e argumentos tendenciosos têm numa fala ou texto. Os professores dispõem desse poder cotidianamente, diante de seus alunos. São os heróis que muitos estudantes não encontram em casa, o pai que a garota sempre quis ou a mão firme que reforça os recados chatos da mãe. Os jornalistas e todos aqueles que têm um breve espaço para pronunciar-se em meios de comunicação também desfrutam de uma influência gigante perante seus leitores, telespectadores e ouvintes. Suas palavras, seus artigos indefinidos e posicionamentos críticos, sarcásticos, humorados e, infelizmente, parciais algumas vezes, alcançam num piscar de olhos mais pessoas que os professores. Em contrapartida, não têm a enorme felicidade de conhecer bem aqueles que lhes ouvem, fato este que sobra ao professor.

Lembro das aulas de jornalismo, nos idos anos de 2003, quando os professores ressaltavam que o jornalista tem que procurar ser, ao máximo, imparcial. Lógico que essa utópica neutralidade não abençoa ninguém e nenhum repórter, porque a própria visão de mundo faz-nos simpatizar com uma ideia ou com outra. Mas a versão de ambas as partes envolvidas sempre necessitou ser apresentada ao público. É isto o que vemos em empresas sérias, preocupadas com a verdade. Há um posicionamento do jornal, ele simpatiza com determinada causa, mas nem por isso deixará de dar espaço ao outro lado da história.

Mesmo com escândalos que pudemos ver em Foz do Iguaçu, onde vereadores utilizavam ilegalmente dinheiro público, passeando a nossa custa, com família, periquito e papagaio, os ladrões tiveram o direito de falar. Muitos se calaram, mas lhes foi auferida a oportunidade, assim como num julgamento, dentro das formas da lei, onde acusados e acusadores falam, cada um no seu tempo destinado.

No final do mês passado colei grau pela PUCRS em Letras, junto a tantos outros colegas de Letras, Matemática e História. Estavam lá, prestigiando-me, meus pais, minha irmã, amigos, amigas e alguns parentes que vieram de longe para comemorar comigo esta vitória. Havia cinco lugares à disposição de familiares ou às pessoas mais próximas que cada formando escolhesse. Como eram muitos concluintes, multiplicados por cinco, os lugares reservados iniciavam próximos aos novos professores até quase o fundo do salão. Meus pais ficaram lá no fundo. Os tios, primos e amigos sentaram junto ao público geral, mais ao longe ainda. Nem por isso achei prejudicado com os organizadores da solenidade. Cada um tinha o seu lugar e eu, meus colegas e professores, ocupávamos posição de destaque, como prevê o protocolo. Aliás, nem deveria ser diferente, éramos nós as autoridades da festa, o motivo de todos estarem lá. Nada mais justo que quem é mais relevante na solenidade ocupar o local de maior prestígio.

Dessa forma, pouco vejo de concreto no posicionamento, publicado em jornal local, de um advogado que se sentiu desprestigiado na formatura. Acompanhava-o o prefeito de Bagé. Assim como todos os demais familiares, puderam ocupar as cinco vagas disponíveis aos parentes daqueles que estavam pagando a festa, os formandos. Não foi reservado nenhum local específico para o prefeito e não era necessário. As autoridades da festividade eram os alunos, os professores. O espaço era particular, e não público. Ele não era mais importante que os pais dos demais formandos. Estava lá na condição de tio e possuía o mesmo grau de relevância que meu avô.

Assim como os demais jornais sérios que conheço, acredito que o semanário que publicou a opinião do ofendido também abrirá espaço para defesa, para a exposição da outra versão dos fatos. As palavras, como já disse, têm um poder enorme. Por isso, expor apenas uma das versões faz correr o risco de os leitores verem os fatos apenas sob uma ótica e uma nuvem espessa encobrir outros aspectos que envolvem o ocorrido. E não é uma verdade caolha que queremos.

Gosto muito do jornal, respeito e tenho grande admiração pelo trabalho que realiza, e é por este motivo que tenho a convicção de que será aberto o espaço para a réplica. Em tempos de eleição, acostumamo-nos com expressões e palavras do tipo “direito a resposta”, “réplica” e “tréplica”. E é assim que deverá ser conduzida esta questão.

O GOLPE DO DISQUE-SEQUESTRO

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 11 ago 2010.

Estamos com o seu filho. Não desligue o telefone, senão apagamos ele. Se avisar a polícia, ele morre. Você quer o seu filho vivo? Então deverá fazer exatamente o que estou dizendo. Deposite cinco mil reais nesta conta, anota aí.... E nada de avisar a polícia, certo?
Foi mais ou menos esse o diálogo inicial de um conhecido com o suposto sequestrador do seu filho, na semana passada. Um ótimo presente antecipado de Dia dos Pais. Contudo, não havia sequestrador, muito menos sequestrado. É um golpe ao qual muitas pessoas já sucumbiram. Não é novidade aos bandidos essa maneira de ganhar dinheiro “fácil”. Infelizmente, a mente humana tem o seu brilhantismo também à disposição do mal.
A história acima ocorreu ao amanhecer da quinta passada, com dois idosos. Eles tomavam seu chimarrão costumeiro quando receberam a ligação pelo celular. Ao ouvir que o filho fora sequestrado, o pai mal conseguiu raciocinar e continuou acreditando na mentira maldosa. Era cedo e o banco não havia aberto ainda. Saiu o casal, desesperado pela rua, gritando que o filho iria morrer, a caminho do banco. “É caso de vida ou morte”, respondeu a mãe ao segurança do banco. Este chamou o gerente, que os mandou entrar. Enquanto a polícia dirigia-se ao banco, acionada pela gerência, o pai continuava ao telefone, sendo ameaçado pelos sequestradores. O desespero era tanto que a mãe não recordava o número do filho, até lembrar-se que estava anotado na sua agenda. A ligação foi realizada e o filho, que estava são e salvo em casa, tranquilizou todos. Ficou evidente que se tratava de um falso sequestro pelo telefone. Realmente, não passava de uma ligação feita por bandidos que tentavam subtrair dinheiro de duas pessoas que não conheciam, mas sabiam dos efeitos devastadores das suas palavras.
“Eu escutei a voz do meu filho, era ele mesmo”. O desespero em que a pessoa entra após ouvir que alguma pessoa muito próxima foi sequestrada acaba por diminuir o discernimento entre realidade e ficção. É o que afirmou o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, na edição de 12 de fevereiro de 2007, da Revista Veja: “O estado de desorganização mental que se segue a uma notícia de acidente ou sequestro do filho ou cônjuge faz com que a vítima entre em um estado de quase-hipnose”. A reportagem antiga faz perceber que o golpe é antigo. Ainda assim, muita gente continua sendo vítima de pilantragens como essa.
Outra modalidade semelhante ao “disque-sequestro” é a “ligação-premiada”, onde um suposto funcionário de uma empresa conhecida informa que a pessoa ganhou boa quantia em dinheiro e para que seja depositado na sua conta, deve comprar cartões telefônicos e informar o número do código, ou então depositar 500 reais para ganhar os dois mil da premiação.
Ligações como essas podem ocorrer tanto em São Paulo como em Uruguaiana. Ainda mais com a facilidade que existe, atualmente, em acessar as informações de qualquer pessoa. As lojas detêm um cadastro com incontáveis informações pessoais, que vão de nome completo a filiação, CPF e endereço.
As redes de relacionamento na internet dispõem de álbuns de foto, onde o internauta divulga imagens da sua casa, dos pais, filhos, irmãos, amigos de maior convivência, local de trabalho, isso se não escancarar o endereço e o número do celular. Basta um acesso rápido aos álbuns, nem sempre disponíveis apenas a amigos, mas a amigos dos amigos ou àqueles que são adicionados sem realmente sabermos quem são e, pronto, tem-se uma ficha completa. Também são encontradas informações que você quer que apareçam e também o que não quer se digitar o seu nome no site do Google: concursos realizados, aprovações, promoções em empresa pública ou caso seja citado num site; tudo isto estará/está disponível na web.
É muita informação solta, livre e fácil de ser encontrada e fica difícil manter em segredo, na internet, a própria atividade profissional, rede de amigos e demais dados pessoais. Ajuda se controlar o impulso de postar na internet tudo o que ocorre consigo. A foto está tão bonita, dá tanta vontade de deixá-la pública para que os meus amigos vejam. E para que os inimigos invejem. É um enorme campo para contraventores aproveitarem-se e usarem contra nós. Não se desesperar ao ouvir o anúncio do sequestro, quando ele pode ser verdadeiro, é uma tarefa difícil. Mas é possível bloquear imagens, selecioná-las melhor para que nossa vida fique menos exposta e tentar permanecer sempre atento a qualquer chamada fora do usual.

O HERÓI, CONSELHEIRO E PAI

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 04 ago 2010.

“Você culpa seus pais por tudo
Isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?”
Nas palavras de Renato Russo inicio esta crônica que reflete sobre os mais diversos pais que comemoram o seu dia no próximo domingo, dia 8 de agosto. Sejam eles pais bons ou nem tanto assim, conselheiros, negligentes, zelosos ou superprotetores. Esses pais que já foram crianças e por vezes têm atitudes de crianças, são as mesmas pessoas que seremos no futuro, salvo se não tivermos filhos e nunca assumirmos esse papel com outros entes queridos.
Vi neste final de semana que passou, um jovem subindo para o ônibus, rumo a Santa Maria, e seus pais parados, olhando o coletivo ir, levar seu filho, o tesouro das suas vidas e sumir na esquina. A mãe usava óculos escuros, mas algumas lágrimas eram visíveis escorrendo pelas beiradas dos óculos, acusando o seu pranto interior. Abraçado a ela o pai postava-se sério, sem chorar, olhando com profundidade para o ônibus que desaparecia. Claro que se derramava em lágrimas por dentro, mas precisava secar o choro da esposa, acolhê-la, dizer-lhe que no próximo final de semana, dali a um mês ou nas férias seguintes ele estaria de novo, chegando naquele mesmo ônibus, inteiro, são e salvo. Talvez sem as lágrimas do embarque e possivelmente com um largo sorriso no rosto.
Não que os pais sejam insensíveis, mas é típico do homem segurar o choro, aparentar estar menos sensibilizado. Interiormente a pessoa é um chorão, dengoso, mas a mãe dos seus filhos poucas vezes o verá em prantos por causa do filho que mora longe. Se chorar ela chora também. Então é melhor segurar. Ao menos quando tem alguém por perto.
Infelizmente, algumas vezes esses jovens não reaparecem nos ônibus. Nesses casos os pais recebem a notícia que o filho faleceu em outra cidade. Acidente de carro, desastre natural, suicídio ou outros motivos. É o pior reencontro com o filho que um pai pode ter. Meu primo faleceu há exatos sete anos atrás quando retornava de uma festa ao final da madrugada. Colidiu o carro num poste e não suportou os ferimentos. Chegaria em casa e viajaria com o pai.
Não menos trágico foi viajar até a cidade natal de um jovem que trabalhava comigo e se suicidara, em 2006, e entregar os pertences dele aos seus pais. A mãe olhava consternada para as roupas e demais materiais dele. O pai parecia mais sereno. Talvez estivesse assim porque sua esposa precisava contar com alguém. E seria com ele.
Mas também de momentos felizes os pais recheiam a vida dos filhos. São os heróis até a adolescência, aconselham na escolha da profissão, na decisão de largar o emprego, apoiam o orçamento que furou nesse mês ou simplesmente têm um abraço gostoso e seguro quando tudo em volta amedronta.
Muitos desses pais comemoram pela segunda semana consecutiva o seu dia. No domingo passado celebrou-se o Dia do Motorista, profissão predominantemente masculina. São eles que mereceram um dia especial para celebrar sua nobre profissão perigosa, desgastante e importante.
Estes pais merecem ser louvados. Vivos ou mortos, se contribuíram para o crescimento de seus filhos, fazem jus ao Dia. Já pais como o conhecido em cadeia nacional Alexandre Nardoni, condenado pela morte da filha Isabella, não deveriam receber este honroso nome. Ganhou sua fama junto à madrasta Anna Jatobá após Isabella cair do apartamento onde morava e ser o principal suspeito, inicialmente, pela morte da pequena. Após considerável tempo que só ricos e políticos conseguem protelar, foi julgado e considerado culpado. Ele é pai, sim, biológico, mas só mereceria ser chamado de pai quem levasse amor ao descendente, educasse e protegesse. Porque como ele há muitos outros homens que só devem ser considerados pais biológicos. Não assumem a paternidade, batem nos filhos, vendem para o tráfico de inocentes, abusam sexualmente e fazem barbáries com aqueles que deveriam receber proteção.
A estes últimos, o domingo é um dia como os outros. A todos os demais, é uma data para comemorar, parabenizar os pais que estão vivos e tentar aproveitar ao máximo o tempo com eles. E se não estão mais entre nós, vale agradecer a Deus (ou da maneira que o credo orientar) por um dia terem passado por nossas vidas.

O ESPETÁCULO DA SOLIDARIEDADE

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, em 28 julho 2010. 

Há quem ajude pessoas e não conte isso a ninguém. Mas existem aquelas pessoas ou entidades que fazem da doação um grande espetáculo para promover-se. Pura jogada de marketing. Essa supervalorização de si acaba diminuindo a importância da doação e põe em dúvida a real intenção de ajudar o próximo. É o que vimos na reportagem do Jornal do Almoço do último dia 20.
A jornalista Cristina Ranzolin valeu-se excessivamente dos pronomes “eu” e “minha”, parecendo propaganda eleitoral. Demonstrava em cadeia estadual que ela e a RBS são pessoa e instituição solidários. Retratando a Ilha da Pintada, uma das tantas ilhas de Porto Alegre, retornou ao local depois da reportagem que o jornal exibira na semana anterior, mostrando as condições precárias de vida dos moradores de lá.
Acobertado por um motivo social e que sensibiliza as pessoas, voltou à Ilha da Pintada dizendo que veria se a reportagem da semana anterior surtira o efeito esperado de levar a população a doar alimentos e roupas àqueles miseráveis. “Cenas como estas que impressionam não só vocês que estão em casa, mas também nós jornalistas”. A reportagem começou mostrando ela acondicionando roupas e comidas (da população e dela, como bem destacou) numa caminhonete e o deslocamento da equipe de reportagem até a ilha. Pouco antes de chegar, ela disse “Logo que passei a primeira ponte, o cenário mudou: difícil imaginar que famílias inteiras morem nessas casas, se é que podem ser chamadas assim”. E lá está o uso do verbo em primeira pessoa: “logo que passei a primeira ponte”. Difícil imaginar, isso sim, que sendo jornalista há anos, ela ainda não tenha se deparado com a pobreza. Ou será que era drama para mostrar-se sensibilizada?
Retratou nada além da realidade que conhecemos em Porto Alegre, Uruguaiana e em qualquer cidade brasileira: barracos ancorados por madeiras velhas e crianças dormindo apertadas e passando fome. A visão das casas sob a ótica dela e frases como “cenas que não me saíram da cabeça” e “eu resolvi ir até lá para ver se alguma coisa mudou depois que a história deles foi mostrada aqui no JA (Jornal do Almoço) e também para levar algumas doações minhas” deixaram claro que a intenção não era mostrar como os moradores da ilha viviam, mas para que todos pudessem ver o tamanho da solidariedade da Cristina Ranzolin.
As condições subumanas daqueles moradores realmente entristecem, mas não são diferentes dos moradores de outra região periférica de qualquer cidade ou de Uruguaiana. Chocou, sim, ver uma criança nua, naquele frio (chovia e ventava) e a mãe, ao ser interpelada pela repórter o motivo de seu filho estar sem roupa e os demais descalços, responder que os calçados estavam para chegar e “ele (o menino) fica assim mesmo. Ele é que nem índio. É só tentar colocar a roupa nele que ele tira”. É difícil aceitar que os pais não consigam vestir uma criança de cinco anos. Quiçá dos filhos mais velhos. Parecendo candidata eleitoral, Cristina fechou aquela cena dizendo “O garotinho que não queria saber de colocar roupa, acabou aceitando que eu o vestisse com uma roupinha que eu levei da minha filha”. Precisava dizer que era da filha dela?
A preocupação residiu em demonstrar a solidariedade da emissora. Autopromoção velada e barata. O ápice da autopropaganda ocorreu no final da reportagem “Só mesmo indo até lá, como eu fui, para ver como a vida é dura para eles”. Realmente, no eixo estúdio-shopping-casa não existem casebres.
Caso semelhante presenciei numa formatura de conclusão da 8ª Série de uma turma de Educação de Jovens e Adultos, tempo atrás. A escola era particular, mas seus alunos não pagavam mensalidade. Eram pessoas carentes e recebiam, inclusive, transporte gratuito: um ônibus buscava-os em pontos-chave da cidade e levava-os para casa ao final das aulas. Até então, uma iniciativa louvável. Mas no discurso, o então diretor falou-lhes “tenham orgulho em estudar nesta instituição, pela qualidade do ensino”. Nada de aludir ao fato de serem adultos que retomaram os estudos depois de anos e concluíam o Ensino Fundamental conciliando a escola ao trabalho dentro e fora de casa. Não os encarou como lutadores, perseverantes, mas como sortudos que tiveram a felicidade de estudarem numa escola de primeira linhagem. Se o objetivo era destacá-los, não teve sucesso. O que ocorreu, em verdade, foi uma supervalorização da escola. Os alunos não eram mais o foco e sim, a escola. Da mesma maneira, a reportagem do Jornal do Almoço não objetivou mostrar que os moradores da Ilha da Pintada necessitam de um programa do Governo que preste assistência e melhore as suas condições de vida. Intencionou-se, sobremaneira, mostrar que a RBS é solidária e que a Cristina Ranzolin é uma excelente cidadã, prestativa e preocupada com o bem-estar social. A ajuda ao próximo fica em segundo lugar. Em primeiro está o quão bonzinho somos.

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