terça-feira, 12 de outubro de 2010

POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA

Publicado no Jornal Pampiano de 30 de janeiro de 2010

Dizem que sempre é bom manter uma boa política de vizinhança. Relacionar-se bem com os vizinhos, ser querido pelos demais moradores do prédio, pelos inquilinos das casas ao lado. Mas nem sempre é uma tarefa fácil. Ainda mais se houver um vizinho decididamente inconveniente. Se alguém estiver determinado a tirar-nos do sério. Se é descabido com suas atitudes, desrespeitando o espaço do outro. Mas vamos falar de algo mais palpável, concreto.
Em toda a vizinhança há apenas uma lixeira. Em frente onde moro. Minha. Serve para pôr os detritos que sobram das minhas comidas, as minhas sobras. Sim, dei-me ao trabalho de comprar uma lixeira, fazer massa, concretar a base, tudo isso para não colocar o lixo no chão até o caminhão da empresa licitada passar. Os demais moradores da rua, apesar de não possuírem lixeira, colocam-os como podem, em cima dos seus muros, pendurado em árvores à frente das suas casas. Até o momento, nenhum problema na situação. Não fosse algum vizinho, ainda não identificado até o momento, colocar o seu lixo na lixeira de casa, não deixando espaço nenhum para nosso lixo. Quer colocar o lixo, ponha depois que o de casa estiver posto. Não quero ser egoísta em dizer que não podem colocar o lixo lá. Desde que o meu espaço esteja respeitado.
Vou contar o fato que fez com que investisse o meu tempo falando sobre pessoas desagradáveis e situações também desgostosas como essas. Com as festas de final de ano muito lixo ficou acumulado. Era segunda-feira, o primeiro dia útil do ano, dia de o caminhão do lixo passar. No domingo à noite, por surpresa minha, a lixeira já estava abarrotada de porcarias e nenhuma delas era lá de casa. Onde ficou o meu lixo até o outro dia, quando passaram pra recolher? No chão, é obvio. Jogado a toda sorte, propício a cachorros de rua passarem, pegarem alguma comida, bagunçarem tudo e saírem. Adonar-se do que é seu não é algo legal. Nem um pouco.
No momento de raiva, imediatamente após verificar o que haviam feito, cheguei a pensar em ficar de tocaia na véspera do próximo dia que passasse o lixeiro, pegar o meliante no flagra, dar um sermão, xingá-lo. Mas a cabeça esfriou e vi a idiotice que pensava. Um erro não justifica fazer outro erro. Se não respeitam, não é desrespeitando o outro também que o erro será corrigido.
Assim como há pessoas assim, que agem intencionalmente, há muitas outras que não se tocam quando são inconvenientes, desagradáveis. Ou percebem tarde. Nessas horas, quando a ficha cai que o não quisto é você, o melhor a fazer e sair o quanto antes, de fininho.
Podemos encontrar espécimes em todo o canto. No MSN, então, há uma récua desses. O meio virtual faz as pessoas tornarem-se mais desinibidas. E muitas não sabem como lidar com isso. Cada palavra tem um emoticon correspondente e quando vai falar aparece coração, seta, bichinho correndo, explosão, letra animada, frase e aí vai. Se a pessoa não está acostumada com a linguagem virtual é um sofrimento pra decifrar. Ou então não para de chamar a atenção, escreve um monte de coisa e pede opinião toda hora. É o chato online. Existe, inclusive, reportagens que dão dicas de boas maneiras na internet. Porque é importante ser agradável ao vivo e virtualmente também.
Essa fato faz-me lembrar de uma amiga minha que no meio da conversa ficou offline e continuou a conversar comigo. Disse que tinha um colega de trabalho importunando, não parava de falar de trabalho. E isso era domingo, o dia da folga merecida. Ao menos deveria ser da folga. Ficou aparecendo offline para que não fosse incomodada.
E é disso que tenho medo. De ser como esse colega de trabalho. Porque o chato geralmente é o outro. Mas um dia pode ser que sejamos nós. A Martha Medeiros até fez uma crônica tempo atrás questionando quando somos nós os chatos.
Encontramos gente de todo estilo, bem e mau intencionadas. Seja o chato, que é bem intencionado, exagerado. Sejam meus vizinhos do lixo, desrespeitando o convívio harmonioso entre as pessoas. De qualquer modo, sempre haverá alguém assim próximo de nós, na internet ou seremos nós mesmos.

AMIGOS DE SEMPRE

Publicado no site da Casa do Poeta de Santiago,
em 08 junho 2010

Semanas atrás fui para Santa Maria a trabalho. Uma semana. Inicialmente fiquei chateado, pois essa viagem atrapalharia muito os meus estudos. Mas eu sabia que coisas boas estariam por vir. Isso porque já morei lá e quando saí deixei muitos amigos que até hoje converso. Não com a mesma periodicidade, mas ainda tão íntimos quanto um irmão mais velho. E também ficou um casal de velhinhos (vamos chamá-los de melhor idade, porque o espírito jovem deles torna injusto alcunhar-lhes dessa maneira). Os eternos tio Newton e a tia Criseida.
Conheci-os em 2004 num Grupo de Jovens chamado Jufra. O local? Paróquia de Nossa Senhora de Fátima. O significado de Jufra? Juventude Franciscana. Podes procurar no Orkut. Vais encontrar muitas comunidades inspiradas em São Francisco de Assis, o protetor dos animais. Assimilei esses conceitos e muitos outros com os tios. Mas o mais importante foi a experiência de vida que eles me transmitiram. Os valores que passaram com seu exemplo. E a sempre solicitude que eram e ainda são com todos a sua volta.
Retornar à casa amiga sempre é bom. Traz consigo um pouco de nostalgia. Mas novos ares, por mais conhecidos que sejam, sempre são bons. Pessoas novas que se encontra. Tio Newton e tia Criseida reencontrados.
No sábado dei uma espacapadinha do trabalho e fui à reunião semanal da Jufra. Cheguei antes dos tios. E encontrei dois ou três rostos conhecidos ainda de 2004 e o resto era tudo pessoal novo. Conversava com o Guilherme quando brados e canções davam salvas a quem chegava. Eram os tios. Uma rapazeada de 15 a 18 anos, quase ninguém passava dessa idade, todos louvando a presença dos tios. Fiquei feliz por isso. Abraçamo-nos e atualizamos alguns fatos. Porque pôr em dia tudo precisaria de mais uma semana.
Ao final do encontro cada um fez uma prece em voz alta. Agradeci a receptividade de todos e em especial do tio Newton e da tia Criseida. Salientei que como meus pais moravam em Uruguaiana em 2004, foram eles os meus pais de Santa Maria. E acho que ainda são. Porque pai não é somente aquele gerou, mas quem criou, quem amparou nos momentos ruins e quem inspirou confiança quando um mar de dúvidas nos domina. E não continuei. Porque prosseguir falando como eles haviam sido bons comigo far-me-ia derramar algumas lágrimas.
Foi bom vê-los. Também ótimo descobrir que outro amigo que fazia agronomia desencantou-se com a vida do campo e rumou à filosofia. Tenho, então, um amigo filósofo! disse-lhe. Quase isso, redarguiu-me, talvez achando um tanto elevado o título dado. Mas como ele não seria se andava à volta de Kant, Rousseau, Sócrates e tinha na cabeceira um livro de Platão? Era gostoso conversar com ele e ver-lhe os questionamentos intermináveis e relativismos sempre ponderados com a teoria lida e o conflitante empirismo. Perdia um pouco a graça quando chegava ao ponto de, mesmo esforçando-me muito, não conseguir acompanhar seu raciocínio e abstrair suas ideias.
Também achei incrível quando o Guilherme, outro amigo meu e anfitrião da minha morada naqueles dias, ligou para outro conhecido dos tempos de Santa Maria. Adivinha quem está aqui? Uma chance. E do outro lado veio o tiro na mosca. O Giovani. Dois anos depois eu retornava a passeio ao centro do estado e ainda assim ele acertara supondo que eu lá estava. Assustei-me com isso, pra não dizer que fiquei lisonjeado.
Voltei a Uruguaiana no domingo, exata uma semana depois de haver abandonado a Fronteira Oeste temporariamente. E muita história para contar. E com um sorriso nos lábios. E com as amizades reforçadas. E com a certeza de serem os tios, o filósofo e todos os outros, as pessoas que verdadeiramente fazem uma cidade ser hospitaleira ou não. Que tornam acolhedora ou insensível, Santa Maria. Serem as pessoas que lá vivem as causadoras de boas ou más lembranças. Com Uruguaiana é a mesma coisa. É uma cidade longe de Porto Alegre? Depende do ponto de vista. Eu responderia que não é longe da capital e sim perto de Buenos Aires. Se aqui falta alguma coisa que num centro maior tem, falo sobre o que é material. Porque as pessoas boas que encontrei em Santa Maria existem aqui também. Com outros nomes e sobrenomes, mas são de carne e osso. E coração.

PÃO, CIRCO E COPA DO MUNDO

Publicado no O Jornal de Uruguaiana, de 16 de junho de 2010

Inevitavelmente, nesses junho e julho gelados de 2010, um dos assuntos mais comentados será a Copa do Mundo. Entre os dias 10 de junho e 11 de julho a África do Sul será a “arena romana” da maior festa do futebol. Por mais que a pessoa não goste do esporte ou deteste a Copa do Mundo, estará envolta do campeonato. O que preocupa é que o encantamento que permeia a competição e a atenção que a mídia dá ao evento faz com que tudo o que ocorra concomitantemente à Copa, passe desapercebido. É impossível não relacionar a competição à política do Pão e Circo.
Na Roma antiga, os problemas sociais chegaram a um estado tão crítico que os imperadores, receosos que a população se revoltasse, promoveram a luta de gladiadores em estádios, dentre eles, o Coliseu. Lá, o povo recebia alimentos. O império fomentava festas para entregar comida no intuito de que todos esquecessem suas vidas miseráveis.
Muitos políticos acreditam que vivemos essa política do panis et circenses, a política do Pão e Circo, a cada quatro anos. Aprovam leis durante a Copa porque sabem que o circo africano faz o brasileiro esquecer de ler qualquer notícia que não tenha relação com o futebol. Porque sabem que o jornal vai escrever uma pequena nota relatando a votação da lei. E que a televisão não noticiará por mais de dois minutos. O tempo restante estará reservado ao futebol, à Copa do Mundo. E viva Robinho & Cia. E dane-se o povo.
Esquece-se o que ocorre fora dos gramados. Além disso, ocorre uma espécie de patriotismo relâmpago no país. Um pouco antes de começar a Copa, aumentam as vendas de camisetas e qualquer parafernália que sirva para torcer pelo Brasil e mostrar-se patriótico. Em pleno campeonato, o comércio verde-amarelo ferve. E surgem os discursos ufanistas de patriotismo. Salve o Brasil! Viva no nosso país! Como é bom ser brasileiro! Eu dou o sangue pela minha pátria! Um mês depois de todo esse alvoroço, ninguém mais ousa dizer algo parecido. Parece-me um patriotismo de fogo de palha vivido a cada quatro anos.
Ser patriota é muito mais que vestir a camiseta do país e dizer “eu amo o Brasil”. E, lógico, não é lutar pela nação a cada Copa, mas no dia-a-dia. Ser patriota é lutar por uma educação melhor no nosso país, é denunciar alguma irregularidade com dinheiro público que tenha presenciado. Ter patriotismo é ver a frente de uma escola cheia de alunos, as salas de aula quase vazias e denunciar o problema às autoridades competentes para que se resolva. Ora, é o dinheiro do contribuinte que está em jogo. Quem paga a escola pública? É a mesma população que veste a camiseta canarinho e vibra com o gol da seleção brasileira, mas que quando há protestos contra o governo ou uma empresa privada, tem preguiça de sair de casa e ajudar na luta sindical. Não é fácil ser patriota, mas é muito mais que ser torcedor da seleção. Por mais fervoroso que seja.
Outro exemplo de pseudo-patriotismo é a batalha dos jogadores na Copa, os nossos “gladiadores”. Sim, o sangue esquenta durante o campeonato e a adrenalina fica a mil na hora do jogo. O jogador sabe que grande parcela da população do seu país estará acompanhando o seu desempenho dentro de campo através da televisão e do rádio e que, inclusive, muitos aficcionados torram suas economias para poder assistir aos jogos ao vivo. Mas as cifras generosíssimas que cada seleção irá receber também fazem com que a vontade de vencer cresça ainda mais. Em página especial da Copa, reportagem da Veja Online esclarece que quem for eliminado na primeira fase da competição, ganhará a merreca de 8 milhões de dólares, ou 14,5 milhões de reais. As seleções eliminadas nas oitavas e quartas de final ganharão 9 e 14 milhões de dólares, respectivamente. Para a vice-campeã, o prêmio de consolação bate na casa dos 24 milhões de dólares (44 milhões de reais). A seleção campeã da Copa do Mundo vai abocanhar 30 milhões de dólares. Tratando-se do Brasil, serão 55 milhões de reais. Tem “patriotismo” melhor?
Quem dera eu, se atingisse um objetivo proposto pelo meu chefe, ganhasse 10% disso. Quem dera que os brasileiros que trabalham de domingo a domingo, ganhassem 1% desse valor se trabalhassem bem, se fizessem o que já são pagos para fazer. Quem dera se todos recebessem um salário digno, isso sim. Ao menos não é a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) que vai pagar essa grana, e sim a FIFA (Federação Internacional das Associações de Futebol). Menos mal! Pudera, seria o cúmulo a população pagar aos jogadores e comissão técnica uma fortuna para o que já são pagos (e muito bem remunerados) para realizar.
Mesmo parecendo Pão e Circo em alguns aspectos, a Copa do Mundo tem o seu valor. Alegra as pessoas, promove o encontro de amigos para assistir aos jogos. Todos voltados para uma festividade. Melhor que para uma guerra. Mas, também, é tentadora para a política. Porque o mundo (muito menos o Brasil), não para durante esse mês. E se ninguém prestar atenção ao que é votado lá em Brasília, em Porto Alegre e aqui mesmo em Uruguaiana, a Copa terá servido apenas como um bom entretenimento enquanto os políticos fazem a festa.

AQUI NÃO TEM SHOPPING!

Publicado n'O Jornal de Uruguaiana de 26 mai 10

No meu trabalho há muita gente que vem de outras cidades do estado e outros estados do Brasil. Muitos são a contragosto, por motivo de transferência forçada e alguns porque querem. Ouço muitas reclamações quanto a Uruguaiana, cidade de onde vos escrevo e que considero como minha cidade, mesmo não sendo a natalícia. Aqui não tem shopping, não tem praia, nem MacDonald's, Pizza Hut, e segue a ladainha. Realmente não tem isso, nem Morro do Alemão e engarrafamento.
Não posso dizer que fico triste com o que declaram daqui. O termo correto seria decepção, desalento. Porque vejo que se alguém se muda para cá não querendo, significa que tem grandes chances de permanecer durante toda a estadia nesta cidade achando-a ruim e por isso mesmo, não descobrindo as boas oportunidades que poderá encontrar.
Se você está indo para uma nova cidade morar, é interessante que abra o coração e a mente aos novos costumes que encontrará. E se a transição cultural for muito grande, porque há gente do Nordeste, Norte e Sudeste que migra, é muito válida toda e qualquer tentativa de adaptar-se. Ninguém vai perder as raízes só porque toma chimarrão ou porque aprende a cantar o Hino Riograndense. Nem porque não vai mais ao Shopping Iguatemi, em São Paulo, e sim ao “Shopping da Baixada”.
O livro “Seja feliz sem querer controlar tudo”, de Joe Caruso, fala algo sobre isso. Sobre a questão de não conseguirmos controlar as coisas a nossa volta, nem as pessoas, nem os acontecimentos. O poder consiste, efetivamente, em controlar a nossa reação perante os fatos, a maneira como encararemos a nova situação. Se não foi possível morar em outra cidade que lhe agradasse, se não houve como controlar a escolha da cidade, então concentre as atenções em ver quais são as vantagens do novo habitat, controle o seu pensamento e foque-o na busca por tornar o novo lar no melhor lar do mundo.
Porque o local que vivemos é bom ou ruim dependendo, principalmente, das pessoas com que nos relacionamos, das relações que tecemos ao longo do tempo, das amizades que cultivamos. Eu mesmo, quando vim para Uruguaiana em 1999, não gostava da cidade. E qual era o motivo? Deixava na terra natal muitos amigos e uma vida calma e segura. Ingressava aqui num novo território, um mar de surpresas ainda a serem desveladas, precisava tecer novas teias de amigos. E comecei a gostar da cidade a partir do momento que construí amizades. Desde então, saí para estudar e trabalhar fora e na primeira oportunidade que surgiu para retornar, juntei as trouxas, subi na mula e troteei até aqui.
Uruguaiana tem 125 mil habitantes. Não é uma cidade de grandes proporções. Não se compara a São Paulo nem ao Rio de Janeiro. Porto Alegre é um formigueiro de pessoas comparado a aqui. Não possui, é verdade, MacDonald's, nem Pizza Hut. Algumas favelas dos grandes centros possuem quase a população daqui. Faltam opções de cultura e lazer? Pode ser que não tenha na multiplicidade ideal, mas tem. Mas há aqui coisas que em outros lugares não são possíveis...
Por acaso é possível, morando em Belo Horizonte, andar menos de 10 quilômetros e jantar num restaurante no exterior? Em poucos minutos atravessa-se a ponte e nos deparamos com uma cultura bem distinta da nossa. E olha que a vizinha argentina Paso de los Libres é a cidade mais próxima de Uruguaiana. Depois dela, encontramos Barra do Quaraí a 70km, Itaqui a 100km e Alegrete a 150km. Só em Uruguaiana e noutras cidades fronteiriças temos possibilidades semelhantes. Só em cidades assim podemos nos deparar com frequência que até se torna natural, com um argentino fazendo compras com toda a família.
Para quem me fala que a cidade até poderia ser boa se não fosse tão longe de Porto Alegre, eu respondo que aqui não é longe da capital, e sim perto de Buenos Aires. Fica praticamente no caminho entre a capital argentina e a capital gaúcha. A 680km de Buenos e 630km de Porto. Quem é natural de regiões longínquas do Brasil, morar aqui é a grande oportunidade da vida para ir à Patagônia, a Mar del Plata, Montevidéu, Punta del Este ou Bariloche por um preço bem em conta.
Não se trata de morar num lugar com completa infraestrutura, dezenas de salas de cinema, shopping de oito andares, autódromo, parque temático, fast foods e qualquer outra demonstração arquitetônica de desenvolvimento urbano. Trata-se de saber colher os bons frutos que aquele local que habitamos tem, tirar vantagem mesmo que nos consideremos desvantajosos. Ainda que não controlemos o destino de nossa morada futura, podemos aprender a lidar em como encarar essa mudança. E da melhor maneira possível.

BOA NOITE, CINDERELA

Publicado n'O Jornal de Uruguaiana de 09 jun 2010
e no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Eis que num dos tempos ociosos do meu dia deparei-me pensando em algumas coisas interessantes para se fazer na vida com a pessoa que gosta, seja ela a esposa, namorada, ficante ou qualquer outra relação afetiva. Presentear com pétalas de rosa num buquê grande e lindo, para quem nunca fez, é a primeira providência. Mas não esqueça do cartão. Nem que seja feito à mão, pequeno, com duas linhas escritas. E que seja de coração.
Basicamente, precisamos de um jantar romântico. Se houver ocasião especial, perfeito! Se não houver, perfeito também! Vamos ao tradicional, porque faz parte do imaginário de todo mundo, especialmente das mulheres. Vela, toalhinha delicada e bonita, balde com champanhe e muito gelo, som com a seleção de músicas que ela adora. É um trabalho pra ser iniciado alguns dias antes. Só no dia vira correria.
Ah, caso não se garanta na cozinha, o melhor é encomendar uma pizza.
Outra coisa interessante seria, enquanto a garota se prepara no banheiro, antevendo aquela noite maravilhosa com ela, puxar da mochila um pacotinho de pétalas de flores e espalhar na cama. Se der tempo e a criatividade ajudar, escreva as iniciais dos dois ou faça um desenho inspirador. Receber rosas é legal e as pétalas na cama certamente serão tanto quanto.
Realize um sonho da garota que ama. Se ela não conhece a praia, convide-a para viajar num feriadão. Mas não diga o lugar. Ou invente outro. À medida que forem chegando, possivelmente a ficha irá cair. Mas aí a surpresa estará feita. Ela terá que comprar um novo biquíni, mas isso faz parte do suspense.
Costumeiramente os pores-do-sol e nasceres são lindos. Se houver um rio ou mar próximos, a chance de ser uma visão encantadora é muito grande. O pôr-do-sol é mais fácil de ser degustado, uma vez que já estamos acordados quando ele ocorre. Mas não deixe de ir ver com sua querida. Um tanto mais sofrível é vê-lo nascer. Mas o resultado compensa. Ponha o celular para despertar um pouco mais cedo. Previna-se com um som e dentro dele um CD. Senão a única opção poderá ser ouvir a Rádio Gaúcha, o que não tem nada de romântico nisso.
Se vocês namoram ou ao menos há acesso até o quarto dela, espalhe por todo ele bilhetes. Pode estar escrito apenas OI, ou BEIJOS, ou TE ADORO, ou TE AMO. Qualquer coisa que faça lembrar vocês dois. Se ela passar a semana inteira encontrando ao acaso esses bilhetes, a cesta será de três pontos!
Além disso, fuja um dia com ela. Rapte-a. Ainda que a garota more sozinha. O destino? Só vocês dois sabem. Hospedem-se num hotel e contem outra história em casa. Não tem como viajar? Fiquem num hotel da própria cidade. Permitam-se turistas por um dia. E fica sendo um segredo só de vocês dois.
Surpreenda sua garota. Surpreenda-se. Crie e recrie. Só não deixe a relação amornar na mesmice. A nossa vida é muito curta para desperdiçar tempo com água morna. Que seja quente. Mas não fervente, porque queima. Não podemos esquecer que se não fizermos coisas diferentes com as pessoas que gostamos, ou elas farão algum dia com outra pessoa, ou você e ela terão se privado de algo que seria bom para os dois.
Li certa vez e nunca esqueci, mas não recordo onde. As melhores coisas que ocorrem conosco acontecem em dias normais, cotidianos, na rotina. É num dia comum. Porque os astros não alinham, não ocorre um eclipse solar só para louvar o que está fazendo, o Brasil não para esperando o desenrolar da sua surpresa.
Se as dicas forem muito românticas, desconsidere o que achar mais meloso. Se não concordar com o que é dito aqui, tudo bem. Há quem concorde. Tire proveito do que não lhe agrada para, então, fazer diferente. Está aí a multiplicidade de pensamentos e modos de ser das pessoas. Independente do ponto de vista, faça a sua garota sentir-se melhor, perceber-se sua. Para que você mereça dar-lhe um boa noite, Cinderela.

ÁGUAS TERMAIS

Menção Honrosa no 27º Concurso Literário Yoshio Takemoto
Publicado no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Eram vinte e três horas, ventava. O ginásio onde ficava a piscina térmica estava vazio, com apenas uma luz fraca iluminando um pequeno banheiro ao fundo. A piscina estava coberta com uma lona azul, impedindo que qualquer sujeira caísse na água até a manhã do dia seguinte, quando iniciavam as aulas de natação. Começou uma garoa fraca e o telhado de zinco aumentava dramaticamente o som da chuva. As inumeráveis frestas proporcionavam uma sinfonia assustadora do vento.
Jonas empunhava uma toalha, shampoo, sabonete e uma nova muda de roupa. Arrastava o chinelo havaianas e a barra da calça jeans roçava o chão, molhando nas poças d’água. Chegara uma hora atrás de viagem. Ele, Pedro, Airton, Vinicius e Maiara. Os anos nobres da juventude incitaram-lhes a percorrer seiscentos quilômetros pedindo carona. O destino, a casa de praia de Airton. Andavam uma centena de quilômetros e entravam na cidade mais perto. Arranjavam algum lugar para dormir e na manhã do dia seguinte prosseguiam com sua aventura. Já era o quarto dia e menos de cem quilômetros separavam-os das águas salgadas do mar. Decidiram dormir aquela noite e na madrugada do dia seguinte levantar acampamento.
Jonas gostava de Maiara. Airton também gostava de dela. Ela namorava Pedro. Vinicius não gostava de ninguém. Todos sabiam disso. Mas conviviam pacificamente. Até o momento.
Ficaram alojados num salão de festas de um clube, na entrada da cidade. Algumas teias de aranha, papeis higiênicos jogados ao chão, tocos de cigarro em cima das mesas e um engradado de cerveja num canto. Todas as garrafas estavam vazias. Realmente, fazia muito tempo que ninguém entrava naquela sala. As cadeiras e mesas estavam tomadas pelo pó.
Pedro já se banhara, Airton saía do chuveiro e Vinicius disse que não tomaria naquele dia. Maiara estava no banheiro. Jonas chegou à porta de vidro do ginásio e observou a piscina. Abriu devagar a porta e ela rangeu. Dissera-lhe que a seguisse sem que Pedro visse. E não houve problema com isso. O namorado já dormia faziam quinze minutos.
Contornou a piscina e dirigiu-se ao banheiro. Um chuveiro estava ligado. Tirou a roupa e deixou-a num canto. Entrou no banheiro e abriu o box. Lá estava ela, linda, exuberante, assobiando, com o corpo todo ensaboado.
Passou meia hora e os dois ouviram um barulho na porta da entrada. Seria Pedro? Vou lá ver, disse Maiara. Jonas aproveitou e lavou-se. Secou o corpo e vestiu as roupas. Maiara não voltava.
Foi quando Vinicius também entrou no banheiro. Despiu-se. Era você? Eu o quê? Ouvi um barulho na porta, mas não sabia quem era. Hum... apenas disse. Vinicius entrou para o banho. Jonas saiu e não encontrou Maiara. Onde ela estava? Saíra seminua e precisava pegar suas roupas antes de voltar para o pseudodormitório.
Empunhando o mesmo sabonete, o mesmo shampoo, a mesma toalha e a roupa suja, dirigiu-se à saída. Foi quando viu um canto da lona que cobria a piscina com um volume sob ele. Meio assustado, abaixou-se cautelosamente e descobriu a lona. Uma água avermelhada envolvia o corpo desfalecido de Maiara. O pescoço havia sido cortado.
Jonas gostava de Maiara. Airton também gostava dela. Ela namorava Pedro. Todos sabiam disso. Mas não sabiam que Vinicius gostava de Jonas.

DEZ COISAS INUSITADAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER III

Publicado no jornal Letras Santiaguenses de set/out 2010

Na busca pelas dez coisas inusitadas que me agradariam fazer, procurei se havia alguma literatura sobre o assunto. Não encontrei e se encontrarem, peço compadecidamente, enviem-me a URL porque acharia interessante comparar os posicionamentos. Encontrei, sim, algumas breves reflexões no Yahoo! Respostas. Um rapaz lançava ao ar por que devemos fazer coisas inusitadas? Mas não penso como ele. Da maneira como falou o devemos parece que fazer algo inusitado é uma obrigação. Não me sinto obrigado a realizar o que imagino. Talvez ele propusesse que quebrássemos a rotina. E isso também não precisamos encarar como obrigação, mas como filosofia de vida. Porque o rotineiro deixa de enxergar as belezas que o cercam, faz as coisas sem tanta motivação quanto se novas fossem.
A melhor resposta escolhida pelo questionador foi para sacudir a poeira da rotina em nossas vidas. Que busquemos realizar essas dez coisas inusitadas ou simplesmente joguemos gotas de imaginação em nossas mentes e pensemos em coisas diferentes. Chega de pensar dentro da caixa, pensemos fora dela, tiremos os limites.
Essa busca pelo não-rotineiro deve ter inspirado o filme “Antes de partir”. Já diz o narrador em primeira pessoa no início do filme: “Edward Cole morreu em maio, numa tarde de domingo [...] ele aproveitou mais os seus últimos dias de vida que a maioria das pessoas consegue aproveitar numa vida inteira.” E o filme, por sua vez, deve ter inspirado a terceira geração a viajar cada vez mais. As agências perceberam um segmento em potencial e quando se avança no tempo, muitos valores são revistos e aumenta a necessidade de encontrar algo diferente do que foi feito até então. A vida torna-se mais mansa (quando problemas de doença e miserabilidade salarial não assolam os nossos velhinhos) e sobra mais tempo para fazer, finalmente!, tudo aquilo que quando mais jovem foi protelado.
Vemos mais senhores e senhoras aproveitando as economias do ano inteiro e investindo em cruzeiros marítimos, passeios e viagens. Ano passado encontrei um grupo da terceira idade na praia. Estavam hospedados no mesmo hotel que eu. Faziam, inclusive, mais alvoroço que eu na flor dos meus 23 anos. Acordavam cedo, saíam para o mar, chegavam ao meio dia, almoçavam e não dava bem 13h30min já estavam de volta à praia. À tardinha a história repetia-se e à noite saíam, mas o local não cheguei a descobrir. Nesses instantes que estavam no hotel, era um entra e sai nos quartos, uma conversação intermitente e risadas. Pareciam mais novos que muito adolescente. Isso me fez lembrar da minha avó materna. Todo final de ano viaja de excursão para alguma praia, algum parque temático. São duas semanas que ela some e aparece depois com muitas fotos e histórias na ponta da língua. A última foi um cruzeiro marítimo pela costa brasileira, parada no Rio de Janeiro com direito a foto no Pão de Açúcar e o retorno para casa de avião. Aventura que não deve ter imaginado quando mais nova. Ou talvez ela já tivesse feito muito antes uma relação das coisas inusitadas que gostaria de realizar.
Completando as minhas dez coisas inusitadas que gostaria de fazer, falo da penúltima. Andar na lua. Após Apollo 11 em 1969 e as inúmeras excursões à lua que vieram depois, poderia vir a minha excursão. Há quem planeje excursões pagas até o nosso satélite natural e quem desembolse os astronômicos -desculpe o trocadilho- valores exigidos. Se um dia os tiver, talvez pense em pagar. Mas vejo muito mais como forma de desperdício gastá-lo assim. Há muita gente precisando e eu desperdiçando. Talvez eu não me sinta bem com a situação.
E a última coisa inusitada seria ser invisível. Sê-lo para andar por aí sem preocupação de ser assaltado, poder ouvir conversas que só assim são possíveis, aprontar travessuras e deixar a vítima desconfiada e sem resposta. Mas que fosse algo passageiro. Ser assim definitivamente não me agradaria nem um pouco. Não é preciso usar muito a imaginação para ver as catastróficas consequências. O filme “O homem sem sombra” já fez toda a reflexão e ilustra quão terrificante seria se alguém atingisse a transparência total e eterna. Além do desespero de perder a sua identidade e rede social porque ninguém mais lhe vê, as possibilidades tornam-se inúmeras de fazer o mal sem ser flagrado. Prefiro que me vejam. Se for para ser invisível, que seja de hoje até amanhã pela manhã.
Ficaram de fora tantos outros desejos. Foi difícil selecionar apenas dez. Faltou dizer que eu gostaria de voar de balão, de parapente, atravessar paredes, ganhar na loteria, ser presidente do Brasil, ter a foto estampada na capa de uma revista de circulação nacional, conhecer as sete maravilhas do mundo. E se o tempo não fosse um senhor inflexível, conversar com Jesus, ter conhecido Hitler (não se trata de apologia ao nazismo, mas mesmo tendo sido um terrível ditador, seu valor como grande líder faz-lhe valer conhecer), cruzar a pé o Mar Vermelho e se minha voz permitisse, cantar uma música com o Raul Seixas.
Há quem tenha colocado objetivos mais modestos. Ou mais realistas. Conseguir quitar a casa própria pode tornar-se uma missão tão dramática e difícil quanto uma das dez coisas inusitadas citadas. Vale escolher os seus dez desejos, vale driblar a rotina, vale fazer algo inesperado, vale surpreender aos outros e a si mesmo. Vale buscar o melhor. Porque o mais importante é não se acomodar, é pensar fora da caixa e além dela.

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