sábado, 19 de fevereiro de 2011

DO TEMPO DO MIMEÓGRAFO

Você lembra daquela maquininha que de uma matriz com papel carbono faz surgir muitas cópias a medida que uma manivela é girada? Pois encontrei um exemplar desses, o mimeógrafo, no Museu das Comunicações de uma universidade que visitei. Estavam expostos diversos objetos utilizados no Século XX. Eram rádios gigantescos e nos mais diferentes formatos, televisores de imagem preto e branco, discos LP, os primeiros aparelhos de fax e de telefone que surgiram no mercado, máquinas de escrever e o dito mimeógrafo.
Ele é um artefato do passado, mas, infelizmente, também do presente. Não deveria mais ter lugar nas salas de aula, contudo, continua sobrevivendo como ferramenta em muitas escolas brasileiras. Tão triste quanto isto é constatar, também, que além de não nos desprendermos de objetos do passado, ignoramos as novas tecnologias. O computador, projetores de imagem, aparelhos de DVD e de som são mídias mais atualizadas, mas continuam sendo monstros para grande parte dos docentes. Assim como é retrógrado o uso do quadro-negro para transmitir toda a matéria à turma.
Não apenas em turmas de ensino fundamental e médio deparamo-nos com quadros cheios de conteúdo rabiscado. Não raro o mesmo ocorre nas salas de aula de ensino superior, seja nos cursos de formação de professores ou em outros. E esses mesmos professores ainda querem que seus alunos sejam dinâmicos em sala de aula, que utilizem toda a tecnologia disponível para facilitar a aprendizagem dos discentes. É muita hipocrisia. Ou falta de sensibilidade para não perceber a incoerência do discurso com a prática.
A lousa deve ser utilizada como um meio auxiliar, onde o docente aponta alguma observação que vá surgindo durante a aula. Se existem folhas e a máquina copiadora já foi inventada, por que não usar? Desse modo, ao invés de perder tempo transcrevendo as regras gramaticais para o caderno, o aluno poderá ler com a turma a matéria, realizar exercícios, fixar o conteúdo e unir o que assimilou com todo o conteúdo da disciplina.
A mera cópia para o caderno dos vocábulos escritos na lousa não ensina nada. Aí, abre-se margem para que surjam piadinhas nem tão distorcidas da realidade como a que diz que o professor faz de conta que ensina e o aluno faz de conta que aprende.
Que atrativos terá uma aula com apenas caderno, caneta e um professor sentado falando, se o aluno chega em casa ou vai numa cyber, acessa o Orkut, conversa com outras pessoas pela rede, atende ao telefone, fotografa algo que acha interessante, filma alguém, envia um torpedo e escuta uma música do mp3 pelo fone de ouvido? Há muito mais dinâmica nas interações extra-escolares que dentro da sala de aula. Se o que ele faz na escola tiver relação com o que vive fora dela, a aula será atrativa.
Lógico, a teoria anda muito bem quando dissociada da prática. Pois pôr todo esse palavreado dentro da aula é uma tarefa árdua e que exige grande esforço do professor. Ele necessita estar atualizado com a evolução digital, com os fatos cotidianos e não pode esquecer de entrelaçar a essas mídias, as matérias inerentes à série.
Conforme reportagem da revista Nova Escola de janeiro/fevereiro de 2011, existem 67,5 milhões de pessoas com acesso à internet, incluído o uso em lan house e no trabalho. São 34,9% dos brasileiros. Temos computadores desktop (de mesa), notebooks, netbooks e tablets a nossa disposição. É uma infinidade de aparelhos que nos conectam à internet e com inúmeras funções. É uma realidade que não podemos ignorar. Mais que isso, devemos incluir no estudo. Utilizar a nosso favor as redes sociais como Orkut, Facebook, Badoo e os blogs e sites especializados em disciplinas curriculares.
Os computadores estão cada vez mais baratos e acessíveis. Urgem como necessários em sala de aula na construção do conhecimento do aluno. Aulas iguais às que nossos pais tiveram na infância e adolescência não são mais bem-vindas. Porque não há nada de atraente nelas. Enquanto o professor ficar escrevendo textos e textos no quadro ensandecidamente, seus alunos estarão ouvindo mp3, trocando torpedos ou tirando fotos com seus celulares. E aí, sim, faremos valer a triste máxima de que o professor faz de conta que ensina e os alunos fazem de conta que aprendem.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A garota do assento sanitário

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 13 de fevereiro de 2011.
Perguntei-me, há alguns dias, o que levaria uma empresa que vende assentos sanitários a colocar a imagem de uma mulher na embalagem do produto. Não fui só eu. Quem estava a minha volta questionava-se, também, quanto ao motivo. Estranhamente, aparecia escrito “assento sanitário plus – modelo universal”. Havia mais informações, inclusive: “material almofadado. Acesse nosso site www.nomedaempresa.ind.br". Tinha, também, o SAC, Serviço de Atendimento ao Cliente. Fiquei tentado a ligar para lá e indagar o motivo de uma mulher jovem, possivelmente antes dos 20 anos, loira, produzida um pouco no Photoshop (arrisco eu), aparecer na embalagem de algo que serve para as pessoas sentarem na hora de irem aos pés.

As cervejarias e outras que vendem produtos de baixo valor e grande vendagem utilizam uma técnica semelhante, onde associam os seus produtos a imagens de mulheres impecavelmente lindas de rosto e corpo, banhadas em pó, luzes e retoques digitais para deixar perfeitas todas as silhuetas dos seus corpos. E para que tudo isso? Pesquisas comprovam que no momento que um homem (o maior cliente quando se trata de cerveja, neste exemplo) vê a imagem de mulheres bonitas na televisão, tende a ser mais impulsivo. E como uma cerveja é relativamente barata e dá para comprar na esquina, esse impulso leva-o a comprar pelo menos um exemplar de cevada. Depois de fazer esta associação, constatei que os donos da empresa de assento sanitário devem ter pensado na pesquisa e tentado adequá-la ao produto que vendiam.

Ainda ilustrando essa situação, a Antarctica lançou a Juliana Paes tomando cerveja, o que inicialmente não tem nada a ver uma coisa com a outra. Mas criaram toda uma história para que houvesse relação. Dessa maneira, toda hora que a Juliana for vista, a mente vai remeter à cerveja e à vontade de beber.

Há pessoas que são assim. Você vê um eu que não é o verdadeiro. É apenas aquela imagem bonitinha, certinha e perfeita que é transmitida com o intuito de parecer ser alguém seguro de si, alguém que resolve todos os problemas num passe de mágica. Um super-herói. Mas descobrimos ainda na infância que superpoderes só existem na ficção. No entanto, continuamos acreditando que existem super-heróis na quadra ao lado. E tentamos, inutilmente, ser como aquele nosso farol, nosso deus particular. Fracassamos e jogamos a culpa em nós, que somos incompetentes. Ledo engano. A pessoa segura que vemos treme de medo ao sair de nossa visada. A pessoa a qual aspiramos ser chora deitada na cama. A pessoa que endeusamos clama por ser criança de vez em quando, ao aparecer um problema de difícil solução. Assim como nós, os reles mortais.

Mas, também, há outro motivo para ver uma garotinha bonita na tampa de um assento sanitário. Qual é a primeira coisa que uma mulher se preocupa quando entra numa casa? Se ela é higiênica. Em especial, se o banheiro é limpo. E nada mais íntimo que a tampa do vaso, o assento sanitário. Por isso a preocupação da empresa em associar a imagem de uma garota à “tampa injetada em polipropileno de alto brilho com base soprada com PEBD/EVA preenchida com espuma de poliuretano”. Ao olhar para a imagem da menina na capa do assento, a mulher tem a sensação de que a garota já o usou e o aprova. Isso quer dizer que é um produto higiênico, limpo, de qualidade, que pode ser comprado.

A aparência sempre foi protagonista. O conteúdo continua remando para assumir a relevância devida. Ser apenas um rostinho bonito pode abrir algumas portas, mas não dá a chave da casa. Para isto, o conteúdo se faz necessário. Não compensa ser o que não somos, porque um dia a máscara cai e o verdadeiro rosto, feinho, se descortina.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

VOCÊ FALA CORRETAMENTE?

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 06 Fev 2011
Essa língua portuguesa vem, cada vez mais, conspurcada... Deletou o texto? Printou o texto? A língua sendo engolida por essas coisas todas... pode ser um processo normal, pode ser um enriquecimento da língua, mas pode ser, também, às vezes, um desvio.
Pode ser um abuso, porque se você tem a palavra em português, por que não usá-la corretamente? Essa invasão da língua talvez seja não conhecer a língua e vai assimilando o que vem como vem.
Aí vem com a bandeira de libertário, de inovador. É um grande engano.
Por favor, não atirem pedras neste cronista. Apenas reproduzi a fala tosca do jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão, em entrevista ao professor Pasquale Cipro Neto, num DVD da TVEscola, promovido pela Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação. Na ocasião, o escritor comentava do grau de responsabilidade que possuía um cronista de jornal. Ele via o seu papel de comunicador como uma grande ferramenta na ajuda a lutar por uma língua mais pura, ou menos conspurcada, ou seja, menos suja, corrompida. Vernáculo este que poucas pessoas utilizam. Geralmente são do rol discursivo de teóricos, intelectuais, nas suas ânsias em demonstrar toda a gama de conhecimento que possuem. Não passa de erudição quadrada, arcaica, retrógrada, infeliz.
Pois esse purismo de Ignácio de Loyola está em todo canto, mascarado em forma de piadinha entre amigos, discriminação de alunos com outros. Os estudantes de escola rural que saem do seu lócus e buscam vida melhor na cidade encontram uma realidade cruel. São discriminados pela sua fala caipira, diferente da fala da elite. Das pessoas que acham que conseguem flexionar verbos e estruturar orações como se habitassem o mundo do Parnasianismo de Vaso Grego e Vaso Chinês, preocupados tão só com a estrutura, de discursos esvaziados.
Joga nesse time torto de puritanos, também, o integrante do programa CQC, Rafinha Bastos. Ele e Marcelo Mansfield analisaram, inoportunamente, a fala do casal Nardoni, numa entrevista do casal para o programa Fantástico, da Rede Globo. Sem a mínima sensibilidade com o tema e desprovidos de conhecimento da gramática, fizeram pouco caso da morte da menina Isabella e tentaram seguir a fórmula mágica do Ignácio de Loyola: falar corretamente e explicar como se faz isso. Mas o resultado foi trágico: demonstraram sua ignorância linguística, que não são pessoas sérias e que a fala coloquial sempre prevalece no discurso. Mesmo quando se tenta ostentar maior sapiência e termos arcaicos são buscados no dicionário apenas com essa finalidade, sempre escorregamos e não falamos o português formal (e irreal).
Em determinado momento, Rafinha critica a coerência da fala do casal e Marcelo complementa “verbo, objeto direto, sujeito oculto, não dá pra entender... ditongo crescente”. Tem frase mais mal estruturada que essa? Citar classes gramaticais, termos da oração, apenas, escancara o ridículo de suas falas. São críticas vazias, inconsistentes. Assim como os Nardoni, utilizaram uma variação não-padrão da língua.
Posicionamentos retrógrados como esses, de um escritor aclamado e de dois comunicadores de grande projeção no cenário nacional, remontam quase à Idade Média. Esse purismo que evidenciam surgiu na França, no longínquo Século XVII. A terra do perfume vivia um regime absolutista, centralizado na figura do rei, detentor de poderes inquestionáveis.
Nasceu com aquela aura e naquele solo, em 1585, Claude Favre, Barão de Pérouges, senhor de Vaugelas. Acreditava, à semelhança de nossos antagonistas, que a “boa linguagem” era a falada pelos aristocratas. A sua visão delimitava-se à condição de que, para falar francês corretamente, deveria-se ter como inspiração a parte mais sadia da Corte. Palavras de Marcos Bagno, professor sociolinguista, estudioso da nossa língua falada, no seu site: “Então, não basta ser nobre, não basta ser aristocrata, é preciso ser mais nobre que a nobreza, mais aristocrata que a aristocracia… O espírito de Vaugelas se incorpora hoje em muitos paspalhos e sacanas que andam por aí atacando as “impurezas” do português brasileiro”.
Paspalhos” como Rafinha e Marcelo Mansfield não deveriam palpitar em campos desconhecidos, deixando claro um posicionamento preconceituoso e inaceitável. Loyola deveria conhecer o profº Bagno. Ou, pelo menos, aprender que os abusos e desvios da língua aos quais ele se referiu, nada mais são que a evolução dinâmica da língua. De todas as línguas, não só a portuguesa. Assim como evoluímos e adaptamo-nos de acordo com o tempo, o que falamos também assume formas diferentes.

Vá mais fundo no assunto.
Assista ao vídeo

Leia sobre o profº Marcos Bagno em http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=420

domingo, 30 de janeiro de 2011

ENEM, ProUni e vestibulares pelo Brasil

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 30 de janeiro de 2011.


A busca por uma educação de qualidade perpassa mais acesso a escolas e universidades e à qualidade do ensino. Ao menos em um destes aspectos, estamos caminhando positivamente. Aumentamos, em 2009, o número de cursos de ensino superior. É uma vitória. Mas estudar em uma universidade ainda é privilégio de alguns e um sonho longínquo para a grande maioria.
No site da UOL, deste sábado, 29, a manchete “Número de cursos de graduação cresce 13% em um ano, mostra censo do MEC”, indica o aumento significativo da oferta de cursos de nível superior no Brasil em 2009, com relação a 2008. Tivemos um salto de 24,7 mil para 28,6 mil cursos. Alavancou este crescimento, a educação a distância, com aumento expressivo de 30,4% em relação ao total.
Essa explosão das instituições de educação a distância deve ser muito bem recebida. Porque, com preços mais acessíveis, uma enorme fatia da população brasileira pobre saiu da marginalização do ensino superior. Eram pessoas que não tinham condições de pagar uma universidade presencial, geralmente mais cara, nem cursinho para tentar o ingresso em universidades estaduais e federais. O que ocorria com elas? Não cursavam, nem acreditavam na possibilidade. Eram menores as perspectivas de se ter um futuro melhor.
Além das instituições de ensino não-presencial, o ProUni -Programa Universidade para Todos- também serviu de ferramenta de inclusão social. Este ano de 2011, atingiu assombrosos 1 milhão de inscritos. Foram ofertadas 123 mil vagas e 117,6 mil já foram completadas. Só tem direito à bolsa quem estudou em escola pública e possui renda familiar de até três salários mínimos. Além desse pré-requisito, o estudante necessita realizar o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e obter boa nota na prova. É uma iniciativa que surgiu em 2005 e desde então, começou a minimizar a elitização da educação superior.
Mas o problema está longe de ser resolvido. Na mesma reportagem da UOL, o presidente da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior), Gabriel Mario Rodrigues, alertou para a concentração da procura por determinados cursos. Cerca de 90% daqueles que desejam ingressar no ensino superior procuram 20% dos cursos existentes. Consequentemente, algumas relações candidato/vaga beiram a proporção de um candidato por vaga; outros cursos 30, 50 por vaga.
Os vestibulares em instituições públicas são a prova cabal dessa disparidade. Duas das universidades mais conceituadas do Rio Grande do Sul demonstram claramente esta estatística. Para a vaga do curso de medicina, classicamente disputada, a UFRGS -Universidade Federal do Rio Grande do Sul- de Porto Alegre, contabiliza a relação candidato/vaga de 45,32 e a UFSM -Universidade Federal de Santa Maria- no coração do solo gaúcho, densidade absurda de 96,34. Na USP, Universidade de São Paulo, a relação oferta/procura do vestibular 2011 para medicina ficou em 67,7.
Não podemos olhar com indiferença ou acreditarmos que é normal tanta procura e tão poucas vagas. Por mais que a concorrência em outros concursos públicos beire números muito maiores, estamos falando de 11,8 mil candidatos em São Paulo, 5,3 mil em Santa Maria e 6,3 mil em Porto Alegre. A realidade dos vestibulares para direito, jornalismo, arquitetura e urbanismo, fisioterapia e odontologia não é menos preocupante.
Fatalmente, conseguirão a vaga aqueles candidatos mais bem preparados. E como se tornam melhor preparados? Através de uma educação básica de qualidade e de cursinhos pré-vestibular caros. Assim, as vagas mais cobiçadas acabam sendo supridas por estudantes de classe média-alta, jovens que, geralmente, nunca trabalharam.
O que resta a aqueles que necessitaram trabalhar desde novos para auxiliar no sustento da casa e que, já mais velhos, conseguiram uma brecha no orçamento para custear a universidade? A resposta retoma as conquistas recentes: as universidades de ensino a distância, mensalidades mais baixas, o ENEM e o ProUni.

domingo, 23 de janeiro de 2011

CORPOS NUS, TARAS E PRISÕES

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 23 de janeiro de 2011.

Ela endoideceu, tirou as roupas e saiu à rua. Caminhou menos de quadra e encontrou dois garotos, assustados agora, e começou a rebolar. Esfregou a bunda na cara do mais alto, na velocidade cinco e cantarolou algo que os dois não tiveram condições psicológicas de compreender no momento. Encontrou duas pequenas folhas soltas no chão, esvoaçadas da árvore que as repelira naquela manhã de outono. Por decoro, usou-as para tapar os bicos dos seios. Deixou ambos os jovens boquiabertos num canto da rua e prosseguiu seu desfile glamoroso pela avenida mais movimentada da cidade.
Duas velhinhas com sombrinhas bem coloridas protegendo-se do sol viram a Boazuda da Avenida de longe e começaram a aplaudi-la, ovacioná-la e a assoviar. Mas Claudino Torres, policial há dez anos, poderoso no seu traje cinza, recheado de divisas, brevês e pompas, cortou o barato das anciãs e da nossa protagonista. Prendeu a moça em flagrante delito. Tadinha da gostosona, presa por atentado ao pudor em pleno centro da capital. Que constrangimento o Estado a fazia passar...
Não muito longe dali, outra força policial moralizava a nossa sociedade purista. Era o senhor Arthur. Sim, nome de rei. E haveria de honrar o peso de tal nomenclatura cumprindo as determinações legais impostas pelas leis. Dois jovens de 30 e poucos anos haviam saído de uma balada e não detiveram a atração que lhes assombrava o corpo. Eram Valquíria e Pedro. Encostaram-se numa árvore, na área menos movimentada de uma das tantas praças da cidade, e começaram a fornicar. Primeiro uma mão aqui, outra ali, as duas lá. Abaixaram as calças e sem proteção alguma, no nível de preocupação zero, seguiram fazendo o que suas vontades pediam. Correndo, apareceu um guarda municipal, acompanhado do brigadiano que zelava pela área. Mais um atentado ao pudor... mais uma detenção. Observavam a conjunção carnal, de longe, um pai com o filho pequeno -que estava de costas e foi desconversado quanto aos acontecimentos, rapidamente e uma estudante, corada, que ia para a faculdade.
Chegou a noite, Arthur chegou em casa e ligou o DVD. Remake do carnaval 2010. Vamos ver as melhores cenas, as escolas de samba que desfilaram e o grande desfile da Unidos da Tijuca. O Sr. Torres deixou a esposa assistindo à novela das oito e foi com os amigos jogar futebol. A pelada levou-o a uma pelada, depois de umas cervejas ao término do jogo. Valquíria e Pedro pagaram fiança e dirigiram-se aos seus templos, quando chegou a noite. Cada um ao seu, dentro da sua fé. Ele era pastor de uma igreja pentecostal e ela, ministra de comunhão da católica.
Os dois policiais continuaram com o mesmo salário depois de cumprir sua missão constitucional. A estudante também não teve nem desconto de sua mensalidade na instituição de ensino, nem ganhou bolsa por presenciar o fato pornográfico. Mais que algumas explicações desencontradas ao filho curioso, foi a única coisa que o pai ganhou com toda a farândula ocorrida naquela manhã. Alguns jornais locais, todos pequenos, conseguiram extrair água de pedra e estamparam na capa uma foto amadora do casal. Meia dúzia de linhas explicativas, muitos adjetivos, dezenas de pontos de exclamação, centenas de suposições e uma porção de exemplares vendidos. Nada que movimentasse muito o bolso de seus donos. O canal de televisão não se prestou a noticiar. Cada segundo é valioso e sem vídeo sobre os fatos, a cara televisão não se importa em não relatar a seus telespectadores
Ninguém ganhou dinheiro com as mirabolantes cenas descritas aqui. Nem televisão, nem cervejarias, lojas, indústrias, nem ninguém. Tristemente, a Boazuda da Avenida fora vexatória, errada, imoral. Ela e o Casal Sexual. No contexto apresentado, sim, é inaceitável que façam o que fizeram. Mas se a Boazuda da Avenida passeasse pelas ruas com os seios pintados de carnaval com Brahma, não seria presa. Pelo contrário, receberia os aplausos que as velhinhas ousaram presentear-lhe. O Casal Sexual jamais seria preso se estivesse num estúdio, com luzes, diretores, atores, grifes e aparecessem na telinha, enchendo os bolsos dos acionários.
Quando dólares, pesos, guaranis, reais, euros, ienes e yuans estão envolvidos, relativiza-se tudo. Posso caminhar pelado no meio de uma multidão, mas não sozinho nas ruas. Posso transar na televisão e crianças, adultos, vovós, intelectuais... geral achará normal. Que coisa linda, família inteira descontraindo-se, comemorando o desfecho lindo da novela das oito. A santinha consegue ficar com o bad boy, os dois se beijam, vão para a cama e transam. Sem preservativo, nem DST ou fetos...
Mas há um jovem na família que não gosta de novela. É o Ruy. Novela é coisa de mulher... então, entra no seu quarto, fecha a porta, dá uma olhada e suspira para a playmate estampada e deita na cama. Estica os braços e liga o som, faixa 12. Toca velocidade um. Velocidade dois. Velocidade três. Velocidade quatro. E, finalmente, velocidade cinco. Não se aguenta e liga o PC. Acessa a internet, liga o MSN e lava os olhos nas diversas velocidades à disposição na rede, que vão da cinco à 69.
Condenamos o Sr. Torres? O jovem Ruy? A Valquíria? Chega de hipocrisia. Condenável é esbravejar, discursar sobre todos esses moralismos e chegar em casa e desmoralizar-se. É ouvir profanações, condenações, moralismos, vibrar com a derrocada dos traficantes do Complexo do Alemão e desejar que sejam, finalmente!, presos, e puxar um baseado na Zona Sul. Libertinagens, traições e sem-vergonhices, sempre ocorreram. Tapar esse sol forte com peneira, também. Mas se somos humanos e temos a capacidade de evoluir, talvez consigamos parar de falar mal de quem faz o mesmo que nós.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Adeus ano velho

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 02 de janeiro de 2011.
Vai entrando o novo ano, indo embora o velho, família reunida, ou amigos reunidos, ou sozinho mesmo. Toca a musiquinha adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize no ano que vai nascer. Um misto de alegria com expectativa pelos próximos 365 dias de trabalho, amor e problemas a serem resolvidos acompanha o jingle. Não dá pra dizer que não ocorra nostalgia. É uma época propícia à reflexão, a uma retrospectiva interna. Muita gente chora ao lembrar de fatos, outras riem. Alguns agradecem os momentos passados, muitos ficam aliviados pelo final do ciclo, pelo final do ano.

Realmente, foi uma ideia sensacional dividir o tempo em anos, os anos em meses, estes em dias, os dias em horas, elas em minutos e os minutos em segundos. Logo após a meia-noite nada se transforma, os planetas não se alinham, as águas do oceano não sobem, o vento não aumenta, os peixes não passam a voar. Apenas a nossa percepção das coisas muda. É como se colocássemos uma pedra nos dias que passaram sob a alcunha de 2010 e renovássemos as vontades, os planos. Repetiremos o que fizemos em 2010. Com algumas diferenças, é claro, mas o ciclo se renova, prossegue.

Ao mesmo tempo que muita gente faz festa à beira-mar, cantando, bebendo, dançando, assistindo a shows, alguns preferem programas mais calmos, caseiros, mais centrados. À frente de casa tenho um exemplo. Uma igreja ficou aberta e fiéis rezaram desde cedo e seguiram até a virada.

Outras pessoas trabalham no dia 31. Estão uniformizadas ou mesmo vestidas informalmente. De um jeito ou de outro, o certo é que estão com os olhos, a boca, o corpo e parte do pensamento no ofício. O outro hemistíquio da mente está em casa, na esposa, nos filhos, nos amigos, na festa que está perdendo. Em 2005 para 2006 eu estava assim. Não é uma experiência das mais agradáveis. E por fim, temos aquela classe de pessoas que passa a mudança de ano sozinhas, com a televisão ligada, assistindo ao Show da Virada na Globo, algum outro programa ou mesmo um filme. Não considero a maneira mais interessante de trocar de ano, mas cada um comemora (ou não) da sua maneira. Ruim mesmo é estar num hospital comemorando. Estar doente não é nada agradável. Alguns anos antes, meu avô passou mal e fez a festa da virada com meus pais e minha irmã juntos, no hospital. De certa maneira foi bom, pois o problema que teve foi muito sério e poderiam ter ocorrido complicações maiores. Hoje está melhor, graças a Deus.

Mas não é para todos que o ano termina bem ou que inicia de pé direito. Com o aumento de bebuns nesse clima de festa, aumentam os acidentes de trânsito, crescem as mortes, derrama-se sangue no trânsito caótico e perigoso em que vivemos. Ao sair de casa é necessária muita atenção. Atenção além da conta. Para que iniciemos bem o novo ano e não terminemos nossa vida quando o ano recém está surgindo.

Ano novo e educação velha

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 09 de janeiro de 2011.
O Brasil está num momento de euforia econômica, de lindos índices. A pobreza diminui progressivamente e a tendência é que caia ritmadamente. Mas a educação... a filha problemática do Governo, continua cambaleante. Anda como uma filha pequena, mal-amada pelos pais, maltratada e escanteada do contexto familiar. É o que esclareceu a revista ISTOÉ Independente, de 10 de dezembro de 2010, com a reportagem “A chaga da educação”, denunciando o que todos sabem ou já perceberam: a leitura no nosso país é fraca e os cálculos matemáticos andam de mal a pior.

Essa sentença é ilustrada pela realização, entre os dias 18 e 29 de agosto do ano passado nas cinco regiões brasileiras, a prova do Pisa (O Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Aplicada pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o exame colocou-nos no vergonhoso 53º lugar dentre 65 países analisados. Foram avaliados conhecimentos em matemática, leitura e ciências.

Esteve na contramão dessa realidade educacional, a posse de Dilma no dia 1º de janeiro. Envolta aos números positivos da diminuição da pobreza absoluta no Brasil e a índices econômicos favoráveis que nos colocam como possível 5ª economia mundial dentro de alguns anos, não parece que estamos no mesmo país de 14 milhões de analfabetos e 15,6 milhões de analfabetos funcionais, conforme estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 09 de dezembro de 2010.

No discurso de posse, a presidente Dilma Rousseff ressaltou que junto com a erradiação da miséria, seu governo lutará pela qualidade da educação, saúde e segurança. São estes os três pilares da sociedade, onde a luta pela excelência deveria ser, há muito, ponto de honra. Mas jamais foi.

Nunca se falou tanto na importância da educação para o desenvolvimento do país. Contudo, as ações continuam estanques, nulas. Na edição de 31 de dezembro de 2010 do Jornal Zero Hora (Rio Grande do Sul), o artigo de opinião “As emoções fraudadas”, do professor universitário e membro da Academia Nacional de Medicina, José Camargo, alertou para os impulsos de euforia da economia brasileira contrapostos com os nossos índices vergonhosos de analfabetismo e semianalfabetismo. Como máxima em seu texto, disse o seguinte: “Nenhum país fez, ou fará, a escalada rumo ao desenvolvimento verdadeiro sem educação!”

Na mesma edição, a jornalista Rosane de Oliveira publicou na sua coluna que é a vez de Dilma ascender com luz própria no cenário político, depois de crescer sob a sombra do popularíssimo Lula. Dentre os pontos destacados que urgem como necessários para tratamento pela presidente, foi “...o desafio de acabar com o analfabetismo, melhorar a qualidade da educação e aumentar o tempo de permanência na escola. A história lhe cobrará caro -de Dilma- se negligenciar a educação”.

Todos pela educação. Ela é importante. E as palavras sobre os benefícios do ensino são empolgantes. Mas precisamos mais que frases bonitas, iniciando pelo salário dos professores. Dentre as profissões de ensino superior, a licenciatura figura como a irmã pobre. A revolução do ensino perpassa um salário digno aos professores.
Ainda, há muitas escolas sucateadas e a tecnologia, amplamente utilizada pelos estudantes em casa e na rua, ainda é um dragão assombroso nas escolas. É incipiente e necessita galgar largos passos para que seja inserida nas aulas, tornando-as mais atraentes aos discentes.

No Planalto, Dilma não deve esquecer-se de nossos estudantes. Não pode ignorar as crianças, porque serão elas que definirão o futuro, presidirão empresas, escolherão governantes nas eleições, serão a população economicamente ativa. E só seremos um país de iguais oportunidades se, hoje, todos os estudantes tiverem um ensino de qualidade. Caso contrário, continuaremos com a vergonhosa realidade educacional que presenciamos.

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