Mostrando postagens com marcador dinheiro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador dinheiro. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

ILUSÕES COLETIVAS: FUTEBOL

Parece consenso de que o Brasil seja o “país do futebol”. Mas estamos mais para o “país do vôlei”. O esporte criado pelos ingleses brindou-nos cinco títulos mundiais e nenhum olímpico. Já o vôlei masculino brasileiro obteve nove títulos da Liga Mundial e dois olímpicos.
Na “pátria de chuteiras” poucos clubes conseguem se profissionalizar e entre os profissionais, poucos prosperam e recebem salários milionários. Os demais mal conseguem para o sustento. Todo o glamour do futebol é uma ilusão, uma ilusão coletiva proposital.
Valorizamos muito o futebol, tanto é que é o esporte que mais dá audiência. Entretanto não é acessível (profissionalmente) ser jogador de futebol para a maioria das equipes porque é caro manter 11 jogadores titulares, reservas, campo para treinar, uniforme, bolas, técnico, equipe técnica e por aí segue. Também porque faltam incentivos do Governo que fomentem e profissionalizem as equipes de várzea.
Ainda, necessita-se apresentar o lado perverso do futebol. Há muito tempo ele serve como distração da população. Foi assim durante a ditadura militar e servia para a população oprimida esquecer o sofrimento com o regime ditatorial. Atualmente, de quatro em quatro anos, políticos aproveitam a Copa do Mundo para aprovar seus aumentos e outras leis que lhes beneficiam, enquanto os iludidos gritam “gol”.
E se o futebol é um esporte que privilegia poucos, por que então ele é tão venerado pela população? Ele é supervalorizado pela mídia para que obtenha exatamente o impacto que tem: mobilizar multidões. Injeta-se muito dinheiro em publicidade para se receber um retorno ainda maior.
Ao invés de dividir a atenção dos telespectadores em uma dúzia de esportes, a estratégia é focar num só. MAIS dinheiro para esse um. Ao invés de haver a dúzia com certo prestígio, melhor um esporte superestimado.
Assim, assume-se como esportes menores o vôlei, o basquete, o judô, a esgrima, o atletismo, a ginástica rítmica. Holofotes ao futebol e às demais modalidades, a luz que sobrasse.
Toda essa superexposição, naturalmente, gera salários astronômicos. Discordo de que os jogadores de ponta devam ganhar tanto: nenhum jogador joga 500 mil reais por mês, ele não vale isso. A supervalorização dele, o seu endeusamento, fazem-lhe valer 500 mil mensais. Mas esse número é irreal.
Nossas várzeas estão cheias de craques que não se profissionalizaram(ão) porque é muito caro fazer testes em grandes clubes e manter equipes amadoras. E o país de poucas oportunidades, mais uma vez, reproduz as oportunidades para poucos: só alguns atingem o estrelato, só alguns ganham bem, só alguns ficam famosos, só alguns ficam ricos e apenas alguns se mantêm no topo.
É muito difícil se tornar jogador de futebol. Mesmo sendo muito improvável prosperar no futebol, seguimos amando a corrida atrás da bolinha, reclamando do juiz e dos bandeirinhas, cobrando impedimento. De vez em quando, se sobrar um tempinho, damos uma espiadinha num saque, uma cesta, um salto triplo ou num wazari.

domingo, 23 de janeiro de 2011

CORPOS NUS, TARAS E PRISÕES

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 23 de janeiro de 2011.

Ela endoideceu, tirou as roupas e saiu à rua. Caminhou menos de quadra e encontrou dois garotos, assustados agora, e começou a rebolar. Esfregou a bunda na cara do mais alto, na velocidade cinco e cantarolou algo que os dois não tiveram condições psicológicas de compreender no momento. Encontrou duas pequenas folhas soltas no chão, esvoaçadas da árvore que as repelira naquela manhã de outono. Por decoro, usou-as para tapar os bicos dos seios. Deixou ambos os jovens boquiabertos num canto da rua e prosseguiu seu desfile glamoroso pela avenida mais movimentada da cidade.
Duas velhinhas com sombrinhas bem coloridas protegendo-se do sol viram a Boazuda da Avenida de longe e começaram a aplaudi-la, ovacioná-la e a assoviar. Mas Claudino Torres, policial há dez anos, poderoso no seu traje cinza, recheado de divisas, brevês e pompas, cortou o barato das anciãs e da nossa protagonista. Prendeu a moça em flagrante delito. Tadinha da gostosona, presa por atentado ao pudor em pleno centro da capital. Que constrangimento o Estado a fazia passar...
Não muito longe dali, outra força policial moralizava a nossa sociedade purista. Era o senhor Arthur. Sim, nome de rei. E haveria de honrar o peso de tal nomenclatura cumprindo as determinações legais impostas pelas leis. Dois jovens de 30 e poucos anos haviam saído de uma balada e não detiveram a atração que lhes assombrava o corpo. Eram Valquíria e Pedro. Encostaram-se numa árvore, na área menos movimentada de uma das tantas praças da cidade, e começaram a fornicar. Primeiro uma mão aqui, outra ali, as duas lá. Abaixaram as calças e sem proteção alguma, no nível de preocupação zero, seguiram fazendo o que suas vontades pediam. Correndo, apareceu um guarda municipal, acompanhado do brigadiano que zelava pela área. Mais um atentado ao pudor... mais uma detenção. Observavam a conjunção carnal, de longe, um pai com o filho pequeno -que estava de costas e foi desconversado quanto aos acontecimentos, rapidamente e uma estudante, corada, que ia para a faculdade.
Chegou a noite, Arthur chegou em casa e ligou o DVD. Remake do carnaval 2010. Vamos ver as melhores cenas, as escolas de samba que desfilaram e o grande desfile da Unidos da Tijuca. O Sr. Torres deixou a esposa assistindo à novela das oito e foi com os amigos jogar futebol. A pelada levou-o a uma pelada, depois de umas cervejas ao término do jogo. Valquíria e Pedro pagaram fiança e dirigiram-se aos seus templos, quando chegou a noite. Cada um ao seu, dentro da sua fé. Ele era pastor de uma igreja pentecostal e ela, ministra de comunhão da católica.
Os dois policiais continuaram com o mesmo salário depois de cumprir sua missão constitucional. A estudante também não teve nem desconto de sua mensalidade na instituição de ensino, nem ganhou bolsa por presenciar o fato pornográfico. Mais que algumas explicações desencontradas ao filho curioso, foi a única coisa que o pai ganhou com toda a farândula ocorrida naquela manhã. Alguns jornais locais, todos pequenos, conseguiram extrair água de pedra e estamparam na capa uma foto amadora do casal. Meia dúzia de linhas explicativas, muitos adjetivos, dezenas de pontos de exclamação, centenas de suposições e uma porção de exemplares vendidos. Nada que movimentasse muito o bolso de seus donos. O canal de televisão não se prestou a noticiar. Cada segundo é valioso e sem vídeo sobre os fatos, a cara televisão não se importa em não relatar a seus telespectadores
Ninguém ganhou dinheiro com as mirabolantes cenas descritas aqui. Nem televisão, nem cervejarias, lojas, indústrias, nem ninguém. Tristemente, a Boazuda da Avenida fora vexatória, errada, imoral. Ela e o Casal Sexual. No contexto apresentado, sim, é inaceitável que façam o que fizeram. Mas se a Boazuda da Avenida passeasse pelas ruas com os seios pintados de carnaval com Brahma, não seria presa. Pelo contrário, receberia os aplausos que as velhinhas ousaram presentear-lhe. O Casal Sexual jamais seria preso se estivesse num estúdio, com luzes, diretores, atores, grifes e aparecessem na telinha, enchendo os bolsos dos acionários.
Quando dólares, pesos, guaranis, reais, euros, ienes e yuans estão envolvidos, relativiza-se tudo. Posso caminhar pelado no meio de uma multidão, mas não sozinho nas ruas. Posso transar na televisão e crianças, adultos, vovós, intelectuais... geral achará normal. Que coisa linda, família inteira descontraindo-se, comemorando o desfecho lindo da novela das oito. A santinha consegue ficar com o bad boy, os dois se beijam, vão para a cama e transam. Sem preservativo, nem DST ou fetos...
Mas há um jovem na família que não gosta de novela. É o Ruy. Novela é coisa de mulher... então, entra no seu quarto, fecha a porta, dá uma olhada e suspira para a playmate estampada e deita na cama. Estica os braços e liga o som, faixa 12. Toca velocidade um. Velocidade dois. Velocidade três. Velocidade quatro. E, finalmente, velocidade cinco. Não se aguenta e liga o PC. Acessa a internet, liga o MSN e lava os olhos nas diversas velocidades à disposição na rede, que vão da cinco à 69.
Condenamos o Sr. Torres? O jovem Ruy? A Valquíria? Chega de hipocrisia. Condenável é esbravejar, discursar sobre todos esses moralismos e chegar em casa e desmoralizar-se. É ouvir profanações, condenações, moralismos, vibrar com a derrocada dos traficantes do Complexo do Alemão e desejar que sejam, finalmente!, presos, e puxar um baseado na Zona Sul. Libertinagens, traições e sem-vergonhices, sempre ocorreram. Tapar esse sol forte com peneira, também. Mas se somos humanos e temos a capacidade de evoluir, talvez consigamos parar de falar mal de quem faz o mesmo que nós.

Protegido