domingo, 25 de março de 2012

Os encantos do fogo

CHEGA O DOMINGO, AQUELA FOLGUINHA, o pessoal reunido, carne temperada, fogo aceso. Espeta a carne e põe assar. Dali um tempo fica pronta e todo mundo delicia-se com o manjar. Você liga a televisão durante o almoço e surge uma notícia de última hora: foi deflagrada uma queimada no Mato Grosso (mais uma) e os bombeiros não conseguem apagar. Aí aparece aquela filmagem feita num helicóptero, de longe, do campo agonizante em chamas. Enormes labaredas de fogo. O que esses dois fatos têm em comum? Pergunta fácil: o enorme poder do fogo em trabalhar para o bem e para o mal em intensidades iguais.
Ele pode ser utilizado para o bem, esquentando o lar, ajudando a preparar a comida ou protegendo nossos ancestrais dos animais da floresta indócil. E também pode queimar hectares de vegetação em muito pouco tempo, destruindo os lares de incontáveis animais, pode queimar gente viva como na inquisição e até mesmo deixar uma criança com queimaduras de segundo grau durante uma brincadeira na cozinha.


 É interminável a lista de ações do Sr. Fogo. E a sua importância é tão significante que inspira também o imaginário. Que o diga Camões, com a sua máxima “amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente...”, também adaptada na canção "Monte Castelo" de Renato Russo. Os dois não falavam sobre o fogo. Suas intenções eram exprimir o inexprimível, o Amor. E nesse intuito, valeram-se do fogo para metaforizar. Eis aí o nosso amigo incandescente fazendo-se presente também na literatura e na música.


Desde pequeno tenho o encantamento de ver o clarão dos relâmpagos cortarem o céu sem dó e ouvir o trovejar. Esse poder descomunal que a natureza tem e apresenta-nos em ocasiões como estas, seduz-me. Também gosto de parar ao lado de uma fogueira e ficar a admirar as labaredas do fogo, ouvir os estalidos da lenha e sentir a onda de calor aproximar-se e esquentar o rosto. Fico a olhar as chamas... Aí não penso em mais nada, só olho, admiro aquela fonte de energia.


Impressiona-me a questão de que o fogo pode iniciar com materiais nada infláveis, como simplórias pedras e pedaços de madeira que atritados gerarão uma faísca e dela evoluirá a uma pequena chama, dessa chama a outra maior e se não for controlada, a uma queimada que nunca parará de crescer. Pode até ser um humor negro, mas ao mesmo tempo em que me compadeço com as pessoas prejudicadas por um incêndio, vidro-me nas labaredas, na incrível velocidade que avançam sobre novos materiais, resumindo-os a cinzas ou n'algo retorcido, deformado. Juro que se aquele sinistro não fizesse mal a ninguém, assistiria com gosto às macabras cenas de queimada. A propósito, será que Nero também era um admirador do fogo e por isso decidiu entrar para a história, arrasando Roma com ele?


Gostaria de atribuir ao fogo uma última característica. É fato que uma chama pode multiplicar-se rapidamente sem diminuir de tamanho. Essa multiplicação do fogo é nada mais que uma belíssima prova de solidariedade. Porque ele não é egoísta, não se importa em crescer também na madeira vizinha. Aliás, ele é inteligente. Porque sabe que se for multiplicado, o todo ficará ainda mais forte. O fogo é solidário, empresta sem pedir de volta, porque sabe que tornará a crescer.
Ele é instigante, perigoso e bélico. Tudo isso ao mesmo tempo. E tão infindável quanto o fogo, somente a água, que penetra em todo e qualquer lugar e consegue apagá-lo. Mas isso gera um outro texto. Este termina por aqui.

sábado, 12 de novembro de 2011

A SÍNDROME CHAPOLIN COLORADO

"A CRISE NA USP COMEÇOU EM 27 DE OUTUBRO, QUANDO TRÊS ALUNOS FORAM PEGOS COM MACONHA NO CAMPUS. Colegas tentaram impedir que eles fossem detidos e entraram em confronto com a PM. Na mesma noite, um prédio da FFLCH [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas] foi invadido.

 Dias depois, uma assembleia decidiu pela desocupação por 559 votos a 458. Inconformada com a derrota, uma minoria deixou a FFLCH e invadiu a reitoria”.

 Lendo esse excerto do site da Folha Online de 09 de novembro, questiono-me onde está o dito respeito à democracia que os estudantes da USP tanto defendem. Se é premissa básica da democracia fazer valer a vontade da maioria, os poucos jovens que invadiram a reitoria ignoraram essa máxima. Se é ilegal fumar maconha na rua, em casa ou na universidade, aqueles três alunos estavam errados e ponto final. Alguma coisa parece confusa? É simples, preto no branco: um ato ilegal foi repreendido pela Polícia Militar; e umas poucas dúzias de inconformados não respeitou a vontade da maioria dos estudantes e invadiram a reitoria da universidade.

 Em maio um aluno havia sido assassinado no campus. Após isso a polícia reforçou o patrulhamento. E aquelas dúzias de baderneiros queriam exatamente o contrário: que a polícia não patrulhasse a área da universidade. Garanto-lhes que se após o assassinato os comandantes militares dissessem que não aumentariam o policiamento, os mesmos estudantes pressionariam por mais segurança. E com razão. Gostaria de saber se durante as invasões dos prédios os “revoltosos sem causa” preocuparam-se com a opinião da mãe do colega morto.
 É piada quererem a polícia fora da cidade universitária. Essa síndrome “Chapolin Colorado” assolou o imaginário dadaísta do grupinho lunático de universitários. Parece que se a polícia deixar de patrulhar a cidade universitária (que é pública!) e outra pessoa morrer, for assaltada, estuprada, basta implorar “quem poderá nos defender?”, um herói aparecerá e resolverá todos os problemas.

 Querendo que todos acreditem que voltamos às décadas de 60, 70 e 80, os jovens que ostentavam faixas com dizeres como “Não à repressão” mais se enganaram do que enganaram os outros. Não estamos em tempos de regimes totalitários - vivemos uma democracia consolidada, onde prevalece a vontade da maioria, o Estado divide-se em três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e as decisões judiciais devem ser cumpridas, porque é assim a regra do jogo.

  Não temos o Estado fardado batendo com cassetetes na população. Temos o Estado fardado cumprindo o seu papel legal -usar drogas ilícitas como a maconha é crime- e cumprindo uma decisão judicial: desocupação pela força, se necessário, de um órgão público. O diálogo é mais saudável e produtivo, mas não foi o caminho escolhido pelos “revoltosos sem causa”. É que quando faltam argumentos, tenta-se ganhar no grito.

  Foi muito oportuno o pensamento do colunista da revista Veja, Reinaldo Azevedo, em 12 de novembro: “Fico imaginando com que argumentos professores e estudantes de direito defenderiam que a Polícia Militar não pode pisar na USP ou que a Cidade Universitária, ao arrepio da lei, deva ser uma zona livre para o tráfico e consumo de drogas”.

  Acredito que muitos estudantes da USP que aderiram à invasão, lá estavam de gaiatos. Pouco sabiam o que estavam fazendo, mas como os amigos disseram que era uma luta pelos "direitos do povo" e mais uma dúzia de bê-á-bá inócuo, acabaram aderindo ao modismo. Os líderes do circo, esses sim sabia. Eram alunos baderneiros que queriam que a universidade permanecesse à margem da lei. E aí pergunto: quem chamarão quando um 38 estiver apontado para a cabeça? O Chapolin?

Os limites da bestialidade

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 06 Nov 2011  O RAFINHA BASTOS FALOU DIAS ATRÁS QUE "COMERIA" A WANESSA CAMARGO E O BEBÊ QUE ELA ESPERA. Queria dizer que ela é tão gostosa que não haveria limites para traçá-la. É um linguajar pesado para sintetizar a história? Deveria ter colocado os *** no lugar das palavras de baixo calão? Ora, o apresentador falou isso em alto e bom tom na televisão, com repercussão muito maior que este texto e, nem por isso, a censura ou o bom senso tolheram seus verbos sujos. E aposto que o público infanto-juvenil que assistia ao programa era maior que este que lê.
Com a mesma demonstração de educação -o que é diferente de cultura, ele respondeu à Folha.com por e-mail ao ser questionado por suas piadas acerca de Fábio Assunção e da Nextel, “chupa o meu grosso e vascularizado cacete”.

Sabe o que isso parece? O dito aparício. Falem bem ou mal, mas falem de mim. Se Rafinha quer estar em todas as bocadas da mídia, está conseguindo, por um caminho torto e errante. E não é de hoje. Em outra ocasião, ele e o Marcelo Mansfield fizeram uma suposta “análise gramatical” de uma entrevista do “casal Nardoni”. Além de só dizerem asneiras, fizeram piada da morte da pequena Isabela. E daria para citar parágrafos e parágrafos de outros comentários indevidos.

Há quem diga que os políticos fazem a farra e ninguém dá bola, mas um humorista (humorista?) diz meia dúzia de bobagens e querem prendê-lo! Também temos os defensores da livre expressão. Da liberdade de imprensa. Do direito de dizer o que quiser sem censura. Afinal, estamos numa democracia, onde todos os cidadãos têm o direito de se expressarem. Fora ditadura! Fora DOPS! Fora DOI-CODI! Viva a imprensa livre...

Existe uma enorme diferença entre liberdade de expressão, censura e respeito. Assim como os desvios de verbas públicas que ocorrem em Brasília interferem no nosso quotidiano, um apresentador como o Rafinha exerce muita influência sobre seus telespectadores. E quem são os telespectadores? Eu, você, seu pai, seu tio, seu primo e seus filhos. E por que existe a apelação? O apelo -geralmente sexual- surge quando acaba o conteúdo.

Se ainda há alguém que não vê maldade nas palavras do pseudo-humorista, responda à seguinte pergunta: se ele falasse para você que comeria a sua esposa grávida, você deitaria e rolaria no chão de tanto rir?

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Revisão da aula

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 30 Out 2011.

"PROFESSOR, GOSTEI BASTANTE DAS SUAS AULAS. ENSINOU QUE PRECISAMOS APRENDER".

Quando estava terminando o meu último estágio do curso de Letras no ano passado, adotei a mesma técnica que minha colega de faculdade havia praticado no ano anterior ao acabar as aulas com seus alunos: pedia a todos o feedback de suas aulas, o retorno da (in)satisfação, para que pudesse reforçar as ações tidas como positivas e corrigir o que não dera certo, ou como diz o pessoal de gestão administrativa, identificar as Oportunidades de Inovação e Melhoria. Foi muito bom ter feito, dissera ela naquela ocasião. Copiando a ideia, solicitei que escrevessem o que haviam achado das aulas. Sinceridade deveria ser o ponto central.


Confesso que fiquei com certa apreensão do que leria posteriormente, mas como não tinha muita expectativa, o receio também não era muito grande. Isso porque, como não fiz Curso Normal nem trabalhava na área, faltava-me ainda certo domínio de classe, talvez um tanto de segurança no trato com os alunos. Segundo uma aluna, precisava também uma dose a mais de severidade. E como é tênue a linha entre severidade e carrasquice, entre dureza e permissividade!


Ser justo nas cobranças dentro de sala de aula é uma tarefa árdua, porque o professor corre para lá e para cá na aula, chama a atenção de dois, explica mais um pouco o conteúdo, se aproxima de um grupinho e pede silêncio, retoma a aula, voa para o quadro para ilustrar o que fala e solicita novamente a colaboração de todos. Ser o centro da atenção, hoje em dia, é ainda mais difícil que anos atrás. Porque é difícil competir com o mp3 e o mp4, com o Playstation, a internet, o jogo de futebol e tantas outras maravilhas que dentro de quatro paredes não é possível desfrutar.


Li as observações depois que saí da sala, sozinho, quieto num canto. Foi muito bom surpreender-se com elogios, palavras de reconhecimento. Sempre é ótimo ler qualquer coisa boa sobre si. E chateia um tanto quando vem um puxão de orelha. Mas ele é necessário. Imagina se fossem só elogios... ou algo estaria errado ou você é o super-homem! “...acho que os meus colegas que também participaram se interessaram bastante como eu, as aulas bem puxadas e ao mesmo tempo divertidas e interessantes.” Metade disso já me faria ganhar o dia. E todas elas deixaram-me flutuando. Realmente, não esperava. Tomei-me tão feliz que errei o caminho de casa.


É importante ouvir a opinião de quem presta atenção nas aulas. Mas é ainda mais necessário saber o que pensam aqueles jovens que bagunçam e, por vezes, atrapalham as aulas. Aqueles os quais geralmente se chama a atenção. Porque é aí que estão as oportunidades de rever a metodologia, a postura em aula, o trato com os jovens. É por isso que eternizo as palavras de um garoto que preenchia esses prerrequisitos. “...não pegou no pé de ninguém como outros professores.” Claro que o mês de estágio é consideravelmente pouco para perder a paciência com alguém. Mesmo assim, a serenidade deve ser um ingrediente indispensável do docente. Seja para explicar ou para conquistar a atenção de seu aluno.


Outro ponto que não pude deixar de admirar foi o seguinte comentário “...com as folhas do conteúdo das aulas tivemos mais aproveitamento, porque não estávamos perdendo tempo copiando e assim, prestamos mais atenção nas explicações.” Numa época em que o mimeógrafo ainda tem lugar, mas já há as fotocópias, existem os projetores, televisão e aparelho de DVD; escrever num quadro-negro toda a teoria de um conteúdo é um atraso que remonta a antes da invenção dessas novas (e nem tão novas) tecnologias.


Já há problemas crassos no nosso sistema educacional. Se trouxermos mais problemas ou se não acompanharmos a evolução tecnológica, o professor obsoleto será a nossa realidade.


Desculpem-me os engenheiros e os químicos, que lidam com máquinas e materiais inanimados. Seus trabalhos são admiráveis, mas não há nada que gratifique mais uma pessoa do que ouvir palavras agradáveis de seus alunos, não há preço que pague, nem salário baixo que abale um professor que conquista seus educandos. Porque é impagável trabalhar com uma turma, vê-la crescer, evoluir e você ser um dos responsáveis por isso.

domingo, 23 de outubro de 2011

O CONTADOR DAS MORTES NO TRÂNSITO

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 23 Out 2011

ASSIM COMO NAS DEMAIS VEZES, O MOTORISTA DE AMBULÂNCIA E SOCORRISTA DE FLORES DA CUNHA (RS) FOI ACIONADO PARA ATENDER A UM ACIDENTE. Aparentemente, seria um socorro igual aos anteriores. Mas não era. Dentre os acidentados estava o seu filho. E o mais grave: a vítima fatal era esse jovem. Uma história horripilante e, infelizmente, real, ocorrida no dia 14 de outubro.

A morte é algo que não conseguimos evitar. Mas se estamos em idade avançada, enfermos com alguma doença terminal, a espera pelo fim derradeiro torna-se mais natural, mais aceitável. No entanto, mortes em assaltos, acidentes de trânsito ou por qualquer outra razão inesperada agrava a dor. Porque nessas horas não há tempo para despedir-se em vida, ficaram abraços sem serem dados e desculpas engasgadas na garganta.
O teste do bafômetro realizado pela Polícia Militar acusou que o Sr. Roger Luis Puglia, motorista do Palio que se chocou com a moto onde estava o jovem falecido, havia ingerido álcool. Se ele soubesse que a sua bebedinha antes de dirigir resultasse nisso, certamente não pegaria no volante. Mas a crença de que beber um pouco não interfere na direção é uma cultura vigente e com raízes muito profundas na nossa sociedade.

Os plantões de bebidas servem como um excelente local para conversar, bater um papo com amigos, conhecer outras pessoas e curtir a noite, principalmente quando o dinheiro está curto. Francamente, poucas pessoas vão a esses lugares e tomam água mineral ou refrigerante. Da mesma forma, muita gente vai a bares e restaurantes e toma umas doses de álcool. Dois ou três golinhos de cerveja, só para degustar, para acompanhar no brinde ou mesmo para socializar. E ninguém chama um táxi para voltar para casa nessas horas. Uma irresponsabilidade nossa? Certamente. E isso é costume, é cultura.

A consequência disso é um número mórbido de falecimentos em razão do trânsito. Não por coincidência, esses indicadores aumentam significativamente nos finais de semana. É o povo saindo, bebendo, dirigindo, colidindo, ferindo e matando.

No site do jornal porto-alegrense Zero Hora há uma página muito interessante e, ao mesmo tempo, morfética. Tem o macabro título de “Mapa das mortes no trânsito”, com os índices de 2010 e de 2011 atualizado em tempo real, referentes ao Rio Grande do Sul. Ao lado, dois contadores prá lá de sinistros com as inscrições: “vítimas: 1666 - Atualizado em 31/12/2010”, e “vítimas: 1094 - Atualizado em 22/10/2011”.
Semelhante ao site do Impostômetro (http://www.impostometro.org.br/) criado para todo cidadão poder contabilizar o quanto de imposto foi arrecadado no ano, o Mapa das mortes no trânsito no Rio Grande do Sul contabiliza o ruim, aquilo que gostaríamos que estivesse o mais próximo possível do zero. Entretanto, a tendência é de crescimento.

O que o motorista de Flores da Cunha pode fazer agora, depois do acidente? Cabe a ele responder pelos seus atos. E o que nós podemos fazer para estagnar os números de mortes no estado? Cada um fazendo a sua parte já ajuda, sem dirigir após a bebedeira. Exigindo que quem faz isso seja responsabilizado. Cobrando a punição de quem quer que tenha realizado a péssima mistura álcool x direção, para que casos como o da juíza aposentada Rosmari Girardi, que no ano passado provocou acidente com sete veículos em Porto Alegre, não se repitam. Ela possuía sinais de embriaguez, negou-se a realizar o teste do bafômetro, as coletas de urina e sangue e foi liberada. E isso não podemos admitir.

A vida não pode ser recuperada, nem a dor da família apascentada. Mas podemos pegar este fato como exemplo para não repetirmos o erro, para não sermos mais um número estatístico.

domingo, 2 de outubro de 2011

Umbigos sujos

DEPOIS DE CORRENTES DE E-MAILS E COMUNICADES NO ORKUT ESCANCARAREM PÉROLAS DA REDAÇÃO DO ENEM que ferem brutalmente as normativas gramaticais vigentes (e que até hoje não sei se, realmente, aquelas frases são verdadeiramente das provas ou foi alguém que as inventou e o boato se disseminou), chegou a vez do Facebook. No espaço “no que você está pensando agora” o usuário compartilha seus pensamentos, faz propaganda de seus produtos, xinga o Governo, conta piadas e cita uma interminável relação de palavras e frases que os “ignorantes” teimam em repetir, erradamente.

Para ilustrar, transcrevi um comentário pesado contra esse “assassinato gramatical”:
“Campanha em favor do nosso português: 'desde' se escreve junto; 'menas' não existe; 'seje/esteje' – está errado; 'com certeza' – se escreve separado; 'de repente' se escreve separado; 'mais' – antônimo de menos; 'mas' – sinônimo de porém; 'a gente' – separado; 'agente' – só secreto, e 'mim' – não conjuga verbo. Se não for incomodar (sim, é com 'i') cole no seu mural e melhore o seu convívio linguístico com as pessoas!”
O mais grave é que, não raras vezes, o umbigo desses mesmos acusadores está sujo. Seria de bom grado que olhassem para ele e, primeiramente, limpassem-no, para então pensar em ter a audácia de criticar outrem.

Porque os mesmos que falam que é uma aberração escrever em fim ao invés de enfim, ou menas no lugar de menos; são os que escrevem o quê quando, na verdade, deveriam ter escrito o que. São aqueles que mandam um scrap convidando para sair à partir das 23 hs (deveria ter escrito a partir das 23 h). São pessoas que repudiam apartir, porque deveria ser a partir, mas escrevem com o nariz empinado que “entregarão á quantia de 10 reais”, esquecendo que jamais se contabilizou o acento agudo no “a” sem “h”.

No final da história, entre acertos e erros gramaticais, sejam os ignorantes bárbaros ou os cultos gregos, todos atingem os seus objetivos: comunicar-se. Porque os meandros gramaticais são tão complexos e irrealistas, que mesmo doutores em gramática vez ou outra escorregam nesse solo lisíssimo que é a gramática brasileira.

Dias atrás presenciei uma dúvida aparentemente boba de uma doutora em linguística: friinha ou friínha? Rapidamente expliquei-lhe que “hiato seguido de nh” não é acentuado. Falta de erudição? De modo algum. São percalços pelos quais sempre estamos sujeitos a passar. Da mesma forma, não é difícil encontrar colunistas de jornais e revistas que elaborem frases cuja estrutura um gramático reprovaria.

Fato é que grandes escritores não necessariamente sabem analisar com maestria a gramática de suas obras. Mas isso não quer dizer que a escola, enquanto espaço formal, não deva almejar a elevação do grau intelectual de seus alunos, para que não escrevam orações sem sentido ou palavras com a ortografia errada. Nem que os indivíduos não devem buscar o desenvolvimento cognitivo pessoal. Porém, há que se respeitar as limitações individuais e as diferenças deve imperar. Até porque, vez ou outra, o nosso umbigo fica sujo e nem nos damos conta.

domingo, 25 de setembro de 2011

UFANISMOS E BAIRRISMOS

Publicado no Jornal da Cidade Online em 25 Set 2011

BAIRRISMO. É UMA PALAVRA QUE TODO GAÚCHO SABE QUE LHE PERTENCE, MAS FAZ DE CONTA QUE DESCONHECE. Ilustra isso o fato de os moradores da Província de São Pedro creem que o mundo é um amontoado de terras em torno do Rio Grande. Comprovam a tese sites, piadas, músicas e muitas outras mentiras que contam os feitos heroicos dos antepassados dos pampas. Em contrapartida, um gaúcho mais desavisado poderia dizer “ah, mas somos os únicos que cantam o hino sul-rio-grandense, que amam de verdade essa terra. Somos os únicos que conservam as tradições, cevando mate, gineteando, usando bombacha, falando abagualado em gírias que precisa nascer aqui para conhecer, troteando a cavalo e levantando cedo para cuidar do gado”.


Tudo ufanismo. Porque gaúchos tradicionalistas, de bota e bombacha, de acordo com o que manda o figurino, são poucos. O resto, no máximo, é o que se denomina “gauchão de apartamento”, que se descobre taura somente perto do 20 de setembro. Ufanismo porque quem ama a própria terra e ama os seus iguais, não rouba, não engana, não tira vantagem. E de gente assim o extremo-sul brasileiro está lotado. E quanto ao chimarrão, o apreço por ele não se resume ao nosso estado, porque basta atravessar o Uruguai que nossos vizinhos hermanos também gostam do amargo.


Da mesma forma, foi ufanista a comemoração do dia 11 de setembro. Muito antes que um lamento, as reportagens veiculadas na mídia pareciam lembrar um festejo. Ufanismo, sim, porque os Estados Unidos pareceram ser vítimas indefesas numa semana que se falou sobre os dez anos da tragédia do World Trade Center e se deixou de refletir sobre a independência do Brasil no dia 7 e a Revolução Farroupilha no dia 20.


É bairrismo haver uma única pauta: as Torres Gêmeas. Um colunista disse que estava lá no dia e que, devido ao imediatismo dos meios de comunicação, a única diferença existente entre assistir pela televisão e presenciar era o olfato. Um cheiro de pó insuportável. Outra colunista relatou que já tinha um texto pronto, mas que ao assistir à tragédia, fez um novinho para o periódico, falando na nossa vulnerabilidade. Sim, a dita vulnerabilidade.


Sim, foi muito triste a queda dos prédios, as pessoas mortas, o tempão que demoraram a encontrar muitos corpos e o desespero dos familiares sem saber se o filho, a filha ou o pai comporia o nome na lista de falecidos. Mas falar sobre esses fatos apresentando os Estados Unidos como a vítima que nunca fez nada a ninguém é uma demonstração de total falta de senso crítico. Falta de senso crítico e muito bairrismo.


Pensar que o Rio Grande do Sul é o melhor estado do Brasil também é ser bairrista demais. Ele é apenas diferente. Acreditar que o Brasil é uma terra de gente boa e feliz é ter amnésia do que se assiste, ouve e lê nos noticiários diariamente. Há muita imoralidade, falta de caráter e nem precisamos virar a esquina para presenciar. Achar que os terroristas não usam gravatas e são apenas aqueles que põem bomba no corpo é afrontar a capacidade humana de pensar.


Quando valorizamos o que é nosso não quer dizer que desprezamos o resto. Se o fazemos é porque gostamos. E isso é sadio. Mas o amor em excesso chama-se obsessão e de amor louco, muita gente já morreu. Morreu cego. Cego de amor e vazio de razão. Por isso que o bairrismo, quando deixa de ser uma piada e passa a ser uma ideia cega é tão perigoso quanto amar desesperadamente: esquecemos as outras versões da história e acreditamos que esse nosso mundinho é o único correto. E, possivelmente, não é.

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