sábado, 12 de novembro de 2011

Os limites da bestialidade

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 06 Nov 2011  O RAFINHA BASTOS FALOU DIAS ATRÁS QUE "COMERIA" A WANESSA CAMARGO E O BEBÊ QUE ELA ESPERA. Queria dizer que ela é tão gostosa que não haveria limites para traçá-la. É um linguajar pesado para sintetizar a história? Deveria ter colocado os *** no lugar das palavras de baixo calão? Ora, o apresentador falou isso em alto e bom tom na televisão, com repercussão muito maior que este texto e, nem por isso, a censura ou o bom senso tolheram seus verbos sujos. E aposto que o público infanto-juvenil que assistia ao programa era maior que este que lê.
Com a mesma demonstração de educação -o que é diferente de cultura, ele respondeu à Folha.com por e-mail ao ser questionado por suas piadas acerca de Fábio Assunção e da Nextel, “chupa o meu grosso e vascularizado cacete”.

Sabe o que isso parece? O dito aparício. Falem bem ou mal, mas falem de mim. Se Rafinha quer estar em todas as bocadas da mídia, está conseguindo, por um caminho torto e errante. E não é de hoje. Em outra ocasião, ele e o Marcelo Mansfield fizeram uma suposta “análise gramatical” de uma entrevista do “casal Nardoni”. Além de só dizerem asneiras, fizeram piada da morte da pequena Isabela. E daria para citar parágrafos e parágrafos de outros comentários indevidos.

Há quem diga que os políticos fazem a farra e ninguém dá bola, mas um humorista (humorista?) diz meia dúzia de bobagens e querem prendê-lo! Também temos os defensores da livre expressão. Da liberdade de imprensa. Do direito de dizer o que quiser sem censura. Afinal, estamos numa democracia, onde todos os cidadãos têm o direito de se expressarem. Fora ditadura! Fora DOPS! Fora DOI-CODI! Viva a imprensa livre...

Existe uma enorme diferença entre liberdade de expressão, censura e respeito. Assim como os desvios de verbas públicas que ocorrem em Brasília interferem no nosso quotidiano, um apresentador como o Rafinha exerce muita influência sobre seus telespectadores. E quem são os telespectadores? Eu, você, seu pai, seu tio, seu primo e seus filhos. E por que existe a apelação? O apelo -geralmente sexual- surge quando acaba o conteúdo.

Se ainda há alguém que não vê maldade nas palavras do pseudo-humorista, responda à seguinte pergunta: se ele falasse para você que comeria a sua esposa grávida, você deitaria e rolaria no chão de tanto rir?

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Revisão da aula

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 30 Out 2011.

"PROFESSOR, GOSTEI BASTANTE DAS SUAS AULAS. ENSINOU QUE PRECISAMOS APRENDER".

Quando estava terminando o meu último estágio do curso de Letras no ano passado, adotei a mesma técnica que minha colega de faculdade havia praticado no ano anterior ao acabar as aulas com seus alunos: pedia a todos o feedback de suas aulas, o retorno da (in)satisfação, para que pudesse reforçar as ações tidas como positivas e corrigir o que não dera certo, ou como diz o pessoal de gestão administrativa, identificar as Oportunidades de Inovação e Melhoria. Foi muito bom ter feito, dissera ela naquela ocasião. Copiando a ideia, solicitei que escrevessem o que haviam achado das aulas. Sinceridade deveria ser o ponto central.


Confesso que fiquei com certa apreensão do que leria posteriormente, mas como não tinha muita expectativa, o receio também não era muito grande. Isso porque, como não fiz Curso Normal nem trabalhava na área, faltava-me ainda certo domínio de classe, talvez um tanto de segurança no trato com os alunos. Segundo uma aluna, precisava também uma dose a mais de severidade. E como é tênue a linha entre severidade e carrasquice, entre dureza e permissividade!


Ser justo nas cobranças dentro de sala de aula é uma tarefa árdua, porque o professor corre para lá e para cá na aula, chama a atenção de dois, explica mais um pouco o conteúdo, se aproxima de um grupinho e pede silêncio, retoma a aula, voa para o quadro para ilustrar o que fala e solicita novamente a colaboração de todos. Ser o centro da atenção, hoje em dia, é ainda mais difícil que anos atrás. Porque é difícil competir com o mp3 e o mp4, com o Playstation, a internet, o jogo de futebol e tantas outras maravilhas que dentro de quatro paredes não é possível desfrutar.


Li as observações depois que saí da sala, sozinho, quieto num canto. Foi muito bom surpreender-se com elogios, palavras de reconhecimento. Sempre é ótimo ler qualquer coisa boa sobre si. E chateia um tanto quando vem um puxão de orelha. Mas ele é necessário. Imagina se fossem só elogios... ou algo estaria errado ou você é o super-homem! “...acho que os meus colegas que também participaram se interessaram bastante como eu, as aulas bem puxadas e ao mesmo tempo divertidas e interessantes.” Metade disso já me faria ganhar o dia. E todas elas deixaram-me flutuando. Realmente, não esperava. Tomei-me tão feliz que errei o caminho de casa.


É importante ouvir a opinião de quem presta atenção nas aulas. Mas é ainda mais necessário saber o que pensam aqueles jovens que bagunçam e, por vezes, atrapalham as aulas. Aqueles os quais geralmente se chama a atenção. Porque é aí que estão as oportunidades de rever a metodologia, a postura em aula, o trato com os jovens. É por isso que eternizo as palavras de um garoto que preenchia esses prerrequisitos. “...não pegou no pé de ninguém como outros professores.” Claro que o mês de estágio é consideravelmente pouco para perder a paciência com alguém. Mesmo assim, a serenidade deve ser um ingrediente indispensável do docente. Seja para explicar ou para conquistar a atenção de seu aluno.


Outro ponto que não pude deixar de admirar foi o seguinte comentário “...com as folhas do conteúdo das aulas tivemos mais aproveitamento, porque não estávamos perdendo tempo copiando e assim, prestamos mais atenção nas explicações.” Numa época em que o mimeógrafo ainda tem lugar, mas já há as fotocópias, existem os projetores, televisão e aparelho de DVD; escrever num quadro-negro toda a teoria de um conteúdo é um atraso que remonta a antes da invenção dessas novas (e nem tão novas) tecnologias.


Já há problemas crassos no nosso sistema educacional. Se trouxermos mais problemas ou se não acompanharmos a evolução tecnológica, o professor obsoleto será a nossa realidade.


Desculpem-me os engenheiros e os químicos, que lidam com máquinas e materiais inanimados. Seus trabalhos são admiráveis, mas não há nada que gratifique mais uma pessoa do que ouvir palavras agradáveis de seus alunos, não há preço que pague, nem salário baixo que abale um professor que conquista seus educandos. Porque é impagável trabalhar com uma turma, vê-la crescer, evoluir e você ser um dos responsáveis por isso.

domingo, 23 de outubro de 2011

O CONTADOR DAS MORTES NO TRÂNSITO

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 23 Out 2011

ASSIM COMO NAS DEMAIS VEZES, O MOTORISTA DE AMBULÂNCIA E SOCORRISTA DE FLORES DA CUNHA (RS) FOI ACIONADO PARA ATENDER A UM ACIDENTE. Aparentemente, seria um socorro igual aos anteriores. Mas não era. Dentre os acidentados estava o seu filho. E o mais grave: a vítima fatal era esse jovem. Uma história horripilante e, infelizmente, real, ocorrida no dia 14 de outubro.

A morte é algo que não conseguimos evitar. Mas se estamos em idade avançada, enfermos com alguma doença terminal, a espera pelo fim derradeiro torna-se mais natural, mais aceitável. No entanto, mortes em assaltos, acidentes de trânsito ou por qualquer outra razão inesperada agrava a dor. Porque nessas horas não há tempo para despedir-se em vida, ficaram abraços sem serem dados e desculpas engasgadas na garganta.
O teste do bafômetro realizado pela Polícia Militar acusou que o Sr. Roger Luis Puglia, motorista do Palio que se chocou com a moto onde estava o jovem falecido, havia ingerido álcool. Se ele soubesse que a sua bebedinha antes de dirigir resultasse nisso, certamente não pegaria no volante. Mas a crença de que beber um pouco não interfere na direção é uma cultura vigente e com raízes muito profundas na nossa sociedade.

Os plantões de bebidas servem como um excelente local para conversar, bater um papo com amigos, conhecer outras pessoas e curtir a noite, principalmente quando o dinheiro está curto. Francamente, poucas pessoas vão a esses lugares e tomam água mineral ou refrigerante. Da mesma forma, muita gente vai a bares e restaurantes e toma umas doses de álcool. Dois ou três golinhos de cerveja, só para degustar, para acompanhar no brinde ou mesmo para socializar. E ninguém chama um táxi para voltar para casa nessas horas. Uma irresponsabilidade nossa? Certamente. E isso é costume, é cultura.

A consequência disso é um número mórbido de falecimentos em razão do trânsito. Não por coincidência, esses indicadores aumentam significativamente nos finais de semana. É o povo saindo, bebendo, dirigindo, colidindo, ferindo e matando.

No site do jornal porto-alegrense Zero Hora há uma página muito interessante e, ao mesmo tempo, morfética. Tem o macabro título de “Mapa das mortes no trânsito”, com os índices de 2010 e de 2011 atualizado em tempo real, referentes ao Rio Grande do Sul. Ao lado, dois contadores prá lá de sinistros com as inscrições: “vítimas: 1666 - Atualizado em 31/12/2010”, e “vítimas: 1094 - Atualizado em 22/10/2011”.
Semelhante ao site do Impostômetro (http://www.impostometro.org.br/) criado para todo cidadão poder contabilizar o quanto de imposto foi arrecadado no ano, o Mapa das mortes no trânsito no Rio Grande do Sul contabiliza o ruim, aquilo que gostaríamos que estivesse o mais próximo possível do zero. Entretanto, a tendência é de crescimento.

O que o motorista de Flores da Cunha pode fazer agora, depois do acidente? Cabe a ele responder pelos seus atos. E o que nós podemos fazer para estagnar os números de mortes no estado? Cada um fazendo a sua parte já ajuda, sem dirigir após a bebedeira. Exigindo que quem faz isso seja responsabilizado. Cobrando a punição de quem quer que tenha realizado a péssima mistura álcool x direção, para que casos como o da juíza aposentada Rosmari Girardi, que no ano passado provocou acidente com sete veículos em Porto Alegre, não se repitam. Ela possuía sinais de embriaguez, negou-se a realizar o teste do bafômetro, as coletas de urina e sangue e foi liberada. E isso não podemos admitir.

A vida não pode ser recuperada, nem a dor da família apascentada. Mas podemos pegar este fato como exemplo para não repetirmos o erro, para não sermos mais um número estatístico.

domingo, 2 de outubro de 2011

Umbigos sujos

DEPOIS DE CORRENTES DE E-MAILS E COMUNICADES NO ORKUT ESCANCARAREM PÉROLAS DA REDAÇÃO DO ENEM que ferem brutalmente as normativas gramaticais vigentes (e que até hoje não sei se, realmente, aquelas frases são verdadeiramente das provas ou foi alguém que as inventou e o boato se disseminou), chegou a vez do Facebook. No espaço “no que você está pensando agora” o usuário compartilha seus pensamentos, faz propaganda de seus produtos, xinga o Governo, conta piadas e cita uma interminável relação de palavras e frases que os “ignorantes” teimam em repetir, erradamente.

Para ilustrar, transcrevi um comentário pesado contra esse “assassinato gramatical”:
“Campanha em favor do nosso português: 'desde' se escreve junto; 'menas' não existe; 'seje/esteje' – está errado; 'com certeza' – se escreve separado; 'de repente' se escreve separado; 'mais' – antônimo de menos; 'mas' – sinônimo de porém; 'a gente' – separado; 'agente' – só secreto, e 'mim' – não conjuga verbo. Se não for incomodar (sim, é com 'i') cole no seu mural e melhore o seu convívio linguístico com as pessoas!”
O mais grave é que, não raras vezes, o umbigo desses mesmos acusadores está sujo. Seria de bom grado que olhassem para ele e, primeiramente, limpassem-no, para então pensar em ter a audácia de criticar outrem.

Porque os mesmos que falam que é uma aberração escrever em fim ao invés de enfim, ou menas no lugar de menos; são os que escrevem o quê quando, na verdade, deveriam ter escrito o que. São aqueles que mandam um scrap convidando para sair à partir das 23 hs (deveria ter escrito a partir das 23 h). São pessoas que repudiam apartir, porque deveria ser a partir, mas escrevem com o nariz empinado que “entregarão á quantia de 10 reais”, esquecendo que jamais se contabilizou o acento agudo no “a” sem “h”.

No final da história, entre acertos e erros gramaticais, sejam os ignorantes bárbaros ou os cultos gregos, todos atingem os seus objetivos: comunicar-se. Porque os meandros gramaticais são tão complexos e irrealistas, que mesmo doutores em gramática vez ou outra escorregam nesse solo lisíssimo que é a gramática brasileira.

Dias atrás presenciei uma dúvida aparentemente boba de uma doutora em linguística: friinha ou friínha? Rapidamente expliquei-lhe que “hiato seguido de nh” não é acentuado. Falta de erudição? De modo algum. São percalços pelos quais sempre estamos sujeitos a passar. Da mesma forma, não é difícil encontrar colunistas de jornais e revistas que elaborem frases cuja estrutura um gramático reprovaria.

Fato é que grandes escritores não necessariamente sabem analisar com maestria a gramática de suas obras. Mas isso não quer dizer que a escola, enquanto espaço formal, não deva almejar a elevação do grau intelectual de seus alunos, para que não escrevam orações sem sentido ou palavras com a ortografia errada. Nem que os indivíduos não devem buscar o desenvolvimento cognitivo pessoal. Porém, há que se respeitar as limitações individuais e as diferenças deve imperar. Até porque, vez ou outra, o nosso umbigo fica sujo e nem nos damos conta.

domingo, 25 de setembro de 2011

UFANISMOS E BAIRRISMOS

Publicado no Jornal da Cidade Online em 25 Set 2011

BAIRRISMO. É UMA PALAVRA QUE TODO GAÚCHO SABE QUE LHE PERTENCE, MAS FAZ DE CONTA QUE DESCONHECE. Ilustra isso o fato de os moradores da Província de São Pedro creem que o mundo é um amontoado de terras em torno do Rio Grande. Comprovam a tese sites, piadas, músicas e muitas outras mentiras que contam os feitos heroicos dos antepassados dos pampas. Em contrapartida, um gaúcho mais desavisado poderia dizer “ah, mas somos os únicos que cantam o hino sul-rio-grandense, que amam de verdade essa terra. Somos os únicos que conservam as tradições, cevando mate, gineteando, usando bombacha, falando abagualado em gírias que precisa nascer aqui para conhecer, troteando a cavalo e levantando cedo para cuidar do gado”.


Tudo ufanismo. Porque gaúchos tradicionalistas, de bota e bombacha, de acordo com o que manda o figurino, são poucos. O resto, no máximo, é o que se denomina “gauchão de apartamento”, que se descobre taura somente perto do 20 de setembro. Ufanismo porque quem ama a própria terra e ama os seus iguais, não rouba, não engana, não tira vantagem. E de gente assim o extremo-sul brasileiro está lotado. E quanto ao chimarrão, o apreço por ele não se resume ao nosso estado, porque basta atravessar o Uruguai que nossos vizinhos hermanos também gostam do amargo.


Da mesma forma, foi ufanista a comemoração do dia 11 de setembro. Muito antes que um lamento, as reportagens veiculadas na mídia pareciam lembrar um festejo. Ufanismo, sim, porque os Estados Unidos pareceram ser vítimas indefesas numa semana que se falou sobre os dez anos da tragédia do World Trade Center e se deixou de refletir sobre a independência do Brasil no dia 7 e a Revolução Farroupilha no dia 20.


É bairrismo haver uma única pauta: as Torres Gêmeas. Um colunista disse que estava lá no dia e que, devido ao imediatismo dos meios de comunicação, a única diferença existente entre assistir pela televisão e presenciar era o olfato. Um cheiro de pó insuportável. Outra colunista relatou que já tinha um texto pronto, mas que ao assistir à tragédia, fez um novinho para o periódico, falando na nossa vulnerabilidade. Sim, a dita vulnerabilidade.


Sim, foi muito triste a queda dos prédios, as pessoas mortas, o tempão que demoraram a encontrar muitos corpos e o desespero dos familiares sem saber se o filho, a filha ou o pai comporia o nome na lista de falecidos. Mas falar sobre esses fatos apresentando os Estados Unidos como a vítima que nunca fez nada a ninguém é uma demonstração de total falta de senso crítico. Falta de senso crítico e muito bairrismo.


Pensar que o Rio Grande do Sul é o melhor estado do Brasil também é ser bairrista demais. Ele é apenas diferente. Acreditar que o Brasil é uma terra de gente boa e feliz é ter amnésia do que se assiste, ouve e lê nos noticiários diariamente. Há muita imoralidade, falta de caráter e nem precisamos virar a esquina para presenciar. Achar que os terroristas não usam gravatas e são apenas aqueles que põem bomba no corpo é afrontar a capacidade humana de pensar.


Quando valorizamos o que é nosso não quer dizer que desprezamos o resto. Se o fazemos é porque gostamos. E isso é sadio. Mas o amor em excesso chama-se obsessão e de amor louco, muita gente já morreu. Morreu cego. Cego de amor e vazio de razão. Por isso que o bairrismo, quando deixa de ser uma piada e passa a ser uma ideia cega é tão perigoso quanto amar desesperadamente: esquecemos as outras versões da história e acreditamos que esse nosso mundinho é o único correto. E, possivelmente, não é.

domingo, 18 de setembro de 2011

Édipo às avessas

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 18 Set 2011
“ÉDIPO APARECE, COM A FACE ENSANGUENTADA, TATEANDO EM BUSCA DE SEU CAMINHO". Nesta passagem de Édipo Rei, do teatrólogo grego Sófocles, o protagonista descobrira que matara seu pai e dormira com sua mãe. A culpa foi tão grande que decidiu punir-se, arrancando os olhos e abandonando a cidade onde morava.
No filme “A insustentável leveza do ser”, situado na década de 60, o protagonista Tomas, um médico da cidade de Praga, atual capital da República Tcheca, refere-se ao personagem épico para criticar os políticos que não assumiam a própria culpa e puniam os opositores. Durante a história, o médico é pressionado a mudar sua opinião pelo bem do próprio pescoço.
Os anos de chumbo se foram, mas os políticos pouco mudaram. Depois que os adoráveis deputados estaduais gaúchos aprovaram o vergonhoso aumento dos seus salários em 73% no final de 2010, Tonho Crocco criou o rap “Gangue da matriz”, onde criticou o aumento e citou, nominalmente, alguns parlamentares que votaram a favor. O deputado Giovani Cherini (PDT), à época presidente da Assembleia Legislativa, representou ação junto ao Ministério Público contra Crocco, pois a sua canção ofendia a honra dos deputados. E esse posicionamento afronta a minha tolerância...
Não é de hoje que a vergonha abandonou o caráter das pessoas. Antes de aumentarem o salário no final do ano passado, outras amostras de sem-vergonhice já haviam sido demonstradas pelos políticos em todos os níveis: federal, estadual e municipal.
Invertendo a lógica, a máquina pública não pensa em elevar os salários das classes mais baixas e estancar os vencimentos de quem já recebe muito além do que merece. Tanto é que professores e policiais debatem, historicamente, com governos, melhores condições de trabalho. Definitivamente, o Estado não joga no mesmo time do povo. Porque quando a crise se aproxima, ele sobe o preço dos produtos, aumenta os impostos e engorda a já obeso-mórbida arrecadação estatal.
Reforça essa linha de pensamento, a decisão dos vereadores de Porto Alegre em abocanhar mais um pouco da dignidade do povo - tentaram aumentar os seus salários de 10,3 mil para 14,8 mil reais. Um valor absurdo! Você viveria muito bem com os 4,5 mil reais a mais que queriam receber...
O aumento foi aprovado, mas o Tribunal de Contas do Estado (TCE) suspendeu a infeliz iniciativa dos vereadores. Felizmente!
Gangue da matriz só tentou ser vetado porque cita o nome dos deputados e, sendo música, quem ouve acaba gravando. Lá vão os nomes dos nossos “nobres” parlamentares que votaram a favor:
Do PMDB: Alberto Oliveira, Alceu Moreira, Alexandre Postal, Edson Brum, Gilberto Capoani, Luiz Fernando Záchia, Márcio Biolchi, Marco Alba e Nelson Härter. Do PP: Adolfo Brito, Francisco Appio, Frederico Antunes, João Fischer, Pedro Westphalen e Silvana Covatti. Do PDT: Adroaldo Loureiro, Ciro Simoni, Gerson Burmann, Gilmar Sossella e Kalil Sehbe. Do PSDB: Adilson Troca, Paulo Brum, Pedro Pereira e Zilá Breitenbach. Do PTB: Abílio dos Santos, Aloísio Classmann e João Scopel. Do PPS: Derfran Rosado, Luciano Azevedo e Paulo Odone. Do DEM: Francisco Pinho e Paulo Borges. Do PSB: Heitor Schuch e Miki Breier. Do PRB: Carlos Gomes. Do PcdoB: Raul Carrion.
E sempre é bom destacar aqueles que votaram contra o aumento: do PTB: Cassiá Carpes. Do PT: Adão Villaverde, Daniel Bordignon, Dionilso Marcon, Elvino Bohn Gass, Fabiano Pereira, Ivar Pavan, Marisa Formolo, Raul Pont, Ronaldo Zülke e  Stela Farias.
Os parlamentares são um Édipo às avessas, pois têm o discernimento entre o justo e o injusto, mas não admitem publicamente que é errado aumentar os seus salários. Diferentemente do personagem de Sófocles, jamais arrancarão os olhos devido à consciência pesada. Admiro o primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, renunciar quando a sua popularidade caiu depois do tsunami e do desastre nuclear em Fukushima. Fatos assim não geram desconforto nos políticos brasileiros. Infelizmente...

domingo, 11 de setembro de 2011

DESFILAR PARA QUEM?

Publicado no Jornal da Cidade Online, em 11 Set 2011   O DESFILE DE 7 DE SETEMBRO É UM BOM MOMENTO DE EXERCÍCIO CÍVICO e a oportunidade perfeita para estimular as crianças a amar a própria pátria. Mas não é só isso, felizmente: tem valor educacional, integra os estudantes das escolas que desfilam e é um movimento social onde a população assiste aos seus familiares e amigos na avenida. Também serve para protestar, porque motivos não faltam em nossa pátria amada, idolatrada, salve, salve!
Os alunos que desfilam envolvem-se com os preparativos do 7 de setembro, principalmente aqueles que compõem as bandas marciais. Nelas, a inteligência musical é despertada e estimulada. Além disso, crianças e adolescentes tornam-se um pouco mais disciplinados, fato este que inexiste em muitas realidades familiares.
E se estudantes estão nas ruas, pais também lá aparecem. É uma festa linda, onde os melhores espaços para assistir escolas, empresas e militares passar são divididos, democraticamente, com o único critério de chegada: quem aparece antes, fica à sombra e pode se espalhar numa cadeira de abrir. Nada de ingressos caros para ver meia dúzia de carros alegóricos. O carnaval cívico não tem área VIP, e dessa forma, congrega pobres e ricos num mesmo ambiente.
Independente da origem dos desfiles que ocorrem nesta data, hoje, o que se vê é uma população que gosta de ir à avenida também para demonstrar o apreço à pátria, mas, principalmente, para que aqueles que estão lá de espectadores os vejam. Ninguém se preocupa com as autoridades que ostentam sua pompa no palanque. É apenas mais um lugar da avenida, onde há outras pessoas comuns assistindo. E é bom que seja assim.
Diz-se dos desfiles militares que são o inverso dos circos. Enquanto nestes há um palhaço para 100, 200 pessoas, nas marchas de farda há 100, 200 palhaços para uma única pessoa. E o desfile de 7 de setembro tem a grande façanha de ratificar essa ideia. A criança percorre todo o trajeto na avenida procurando os olhos orgulhosos dos pais e todo o esforço é válido pelo curto momento em que os enxerga. O adolescente caminha querendo que a ficante o veja desfilando. As razões são muitas e possivelmente nada têm a ver com o desejo de passar com garbo pelo prefeito no palanque oficial.
E se há uma multidão reunida, abre-se o espaço para a livre expressão, para protestos, para a população não se calar diante das injustiças que assolam este país tropical. Todos os anos ocorrem protestos e se perpetuarão no tempo até que a impunidade diminua. Mas creio que será no “Dia de São Nunca”.
O 7 de setembro só não é mais popular porque não gera receitas para o Estado. O desfile não é transmitido na televisão e os únicos que lucram no dia são vendedores de cachorro-quente, pipocas, pastéis e refrigerantes. E isso é um fator mais que suficiente para justificar a falta de estrutura no evento, o descaso das prefeituras.
Não esqueçamos os feitos do passado, a luta pela independência da colônia, de um povo obediente às ordens de terceiros que pouco se importavam com os que aqui viviam. Mas não tapemos os olhos, nem calemos as nossas vozes, porque tem muito parlamentar acreditando que ainda estamos na era colonial: que ele pode sugar todo o sangue da nação igual a antes de 1822.

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